Room-office e café da manhã no quarto: o novo normal dos hotéis na pandemia

Quartos viram escritórios e bufês se transformam em refeições servidas no quarto; veja como o setor hoteleiro tenta encarar a pior crise que já enfrentou

Equipe InfoMoney

(Julia_Sudnitskaya/GettyImages)

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SÃO PAULO – Na ausência do turista, entram o executivo e o profissional autônomo que precisam de estrutura, espaço silencioso e wi-fi com alta velocidade para trabalhar.

Essa é uma das estratégias adotadas pela maior rede de hotéis no país, a Accor, dona de mais de 320 hotéis que vão do alto padrão (Sofitel) até a categoria de entrada (o Ibis Budget), para driblar a queda abrupta da ocupação diante da pandemia.

O grupo francês lançou em junho um serviço chamado room-office: são quartos de hotéis adaptados para funcionar como ambiente de trabalho, com mesa e cadeira de escritório no lugar da cama, além de equipamentos para reuniões virtuais.

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“A demanda foi além do que esperávamos. Planejamos oferecer inicialmente apenas em São Paulo, mas tivemos tantos pedidos que estamos estendendo para outras capitais “, afirma o francês Olivier Hick, COO (executivo-chefe de Operações) das marcas midscale (nível intermediário) e econômicas da Accor no Brasil.

A estratégia da Accor é um exemplo de como o setor hoteleiro e de turismo teve que se reinventar diante de uma crise sem precedentes na história recente.

Em Londres, a cidade mais visitada da Europa, a maioria dos hotéis teve que fechar por ordem do governo, abrindo exceção apenas para atender residentes permanentes, pessoas que tiveram que se isolar por causa da Covid-19 ou cidadãos em situação de rua.

O icônico Ritz fechou as portas pela primeira vez em seus 114 anos. O setor hoteleiro foi enquadrado na última fase do plano britânico de relaxamento e só poderá abrir as portas no próximo sábado (dia 4). Isso explica a baixa ocupação dos hotéis, que tem ficado na casa de 20% desde abril, no auge das medidas de restrição.

Um estudo da consultoria PwC comparou os efeitos causados pela Covid-19 na indústria hoteleira americana com três grandes crises dos últimos 30 anos.

Nenhuma se equipara ao momento atual. As receitas por quarto disponível, uma métrica do setor, já recuaram inéditos 50% em um mês na comparação anual desde o início da pandemia e o tombo deve superar 80% no segundo mês. Tanto no 11 de Setembro, em 2001, como na crise financeira de 2008, a queda máxima foi de 25%.

Em Nova York, os hotéis foram enquadrados como serviço essencial e puderam continuar a operar. A ocupação se aproxima de 50%, mas em boa medida graças a profissionais da saúde e de outras áreas essenciais, em vez de turistas.

No Brasil, o ensaio para a retomada é ainda mais lento, dado o fato de que o vírus demorou mais para se espalhar e que o número de casos ainda não cedeu. A taxa média de ocupação na cidade de São Paulo, maior mercado do país, não passou de 10% tanto em maio como em junho, mesmo com o funcionamento liberado sem restrições desde março. O que explica índices tão baixos é puramente a falta de demanda.

“São Paulo depende muito do turismo de negócios. Mas quase todos os eventos foram suspensos, o que gerou uma onda de cancelamentos nos hotéis a partir da segunda quinzena de março”, afirma Marcos Villas Boas, vice-presidente da ABIH-SP (Associação Brasileira da Indústria de Hotéis do Estado de São Paulo).

O impacto da pandemia nos hotéis, comparação entre São Paulo, Nova York e Londres
(LeoAlbertino/InfoMoney)

As perspectivas não são favoráveis. Muitas feiras foram adiadas do primeiro para o segundo semestre, mas a realização ainda é incerta enquanto não houver uma redução expressiva do número de casos do novo coronavírus ou mesmo a vacina.

O mesmo quadro se aplica para o Rio de Janeiro, onde a ocupação segue abaixo de 10% por falta de demanda, sem que tenha havido restrições para os hotéis funcionarem.

Café da manhã no quarto

A recuperação terá que passar pela readequação dos hotéis aos novos protocolos de segurança. O famoso bufê do café da manhã cede espaço para refeições servidas no quarto do hóspede ou, quando muito, no salão do restaurante, com horário marcado e pedidos só pelo cardápio. Tanto o check-in como o check-out estão disponíveis por meio de aplicativos. Na recepção, o distanciamento na fila é obrigatório.

A piscina também só poderá ser frequentada se respeitado o afastamento entre hóspedes que não sejam do mesmo quarto. “Precisamos garantir a segurança de saúde do hóspede se quisermos que ele volte”, resume Villas Boas, da ABIH-SP.

É uma adaptação que abrange toda a cadeia, das companhias aéreas até as empresas que fazem a recepção do turista no destino. “Estamos priorizando fornecedores que tenham comprometimento com as novas normas e que sigam os protocolos de segurança, que devem permanecer como prática constante nos próximos anos”, diz Emerson Belan, diretor geral da CVC, a maior empresa do país no setor de turismo.

A retomada no Brasil pode ser favorecida por uma condição particular do mercado doméstico: a baixa dependência do turista estrangeiro, uma vez que o país nunca foi pródigo em explorar essa vocação. Na Accor, estrangeiros respondem por apenas 15% da demanda local, muito abaixo da média de 50% em hotéis na Europa.

Com as restrições para a entrada de brasileiros nos destinos mais visitados no exterior, como EUA, Europa, Chile e Argentina, o mercado doméstico ganha força.

Mas, mesmo diante dessa circunstância, a retomada será lenta. Na CVC, as vendas para julho estão equivalentes a apenas 25% da demanda registrada um ano atrás. A expectativa da companhia é chegar ao fim do ano com metade do volume nessa comparação. Para tanto, a empresa também teve que buscar novas soluções.

A CVC lançou uma ferramenta chamada “orçamento dinâmico”, que possibilita ao cliente acompanhar em tempo real, pelo aplicativo, a variação de preços da viagem planejada. O objetivo é permitir que ele possa fechar a compra no momento em que achar que as tarifas valem a pena, mesmo que a agência esteja fechada.

São iniciativas que mostram como o setor de turismo precisará se reinventar cada vez mais para sobreviver até que os negócios comecem a se normalizar.