Quer investir em uma franquia? Saiba avaliar a entrada ou não nesse negócio

Checar números apresentados pela franqueadora e conversar com franqueados e ex-franqueados são passos fundamentais

Mariana Fonseca

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SÃO PAULO – A busca por rentabilidade nos investimentos é constante, mas está cada vez mais difícil alcançar taxas que superem a inflação. O empreendedorismo é visto como uma opção de multiplicar o capital investido a partir dos próprios esforços. As redes de franquias eliminam algumas etapas, fornecendo marca, modelo de negócio, conhecimento de mercado e sistemas de gestão aos seus franqueados.

O setor de franquias faturou R$ 167,2 bilhões em 2020, retração de 10,5% sobre o resultado de 2019 (R$ 186,8 bilhões). Mesmo assim, algumas marcas cresceram: o volume de unidades franqueadas das 50 maiores redes de franquias aumentou 5% em 2020, com 16 marcas com mais de mil unidades.

O sucesso por setor refletiu as necessidades da pandemia: setores essenciais, como bem-estar e saúde, passaram bem pelo ano. Outros apresentaram resultados mistos, como alimentação. Já áreas como turismo tiveram resultados ruins em 2020.

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O momento pode ser ideal para avaliar entrar ou não em uma franquia, traçando os planos para uma futura retomada da economia brasileira. Essa análise deve ser criteriosa: a rentabilidade pode ser grande, mas é preciso ir além das informações fornecidas pela franqueadora e entender que o sucesso não está garantido.

O InfoMoney explica o passo a passo para escolher uma franqueadora, caso você queira se tornar empreendedor em uma unidade franqueada. Além de virar sócio operador de uma franquia, também cresce o perfil de sócio investidor — um movimento mais polêmico entre especialistas em franchising.

Sócio operador: como empreender com franquias

A pandemia fez as pessoas terem mais tempo em pensar em empreender, após passarem anos como funcionárias e terem acumulado alguma reserva financeira. “Agora, puderam aprender mais sobre negócios, inclusive franquias”, analisa Bruno Semenzato, CEO do SMZTO. A holding de marcas franqueadoras teve faturamento acumulado de R$ 3,3 bilhões em 2020.

Para o especialista, quem opera uma franquia busca rentabilidade sobre o valor investido maior do que a vista em outras aplicações puramente financeiras. Outra vantagem é poder interferir nos resultados do negócio. “Por exemplo, você não consegue bater na porta e trabalhar para melhorar processos se comprar uma ação da Petrobras. Já quando você tem uma franquia, a gestão está na sua mão. Faz parte do trabalho acompanhar o dia a dia, entender os problemas do negócio e buscar soluções.”

A diferença para um negócio próprio está em uma segurança maior, por conta de marca ou processos desenvolvidos. Mas tudo depende da qualidade da franqueadora. “Esse apoio é uma das belezas de ter uma franquia, mas também um dos desafios. O processo de escolher uma franqueadora exige dedicação, tempo e seriedade”, alerta Semenzato.

Fazer uma boa análise da franqueadora e da franquia oferecida é o primeiro passo listado por todos os especialistas ouvidos pelo InfoMoney. A Nova Lei de Franquias (Lei n.° 13.966/2019) afirma que a franqueadora precisa entregar a Circular de Oferta de Franquia (COF), um documento com informações necessárias para análise do negócio. A COF deve ser entregue ao menos dez dias antes da assinatura um pré-contrato ou contrato de franquia, ou do pagamento de qualquer tipo de taxa. O objetivo é que o candidato a franqueado faça uma boa análise das informações.

Constam na COF, por exemplo, descrição e histórico do negócio franqueado; qualificação do franqueador, inclusive seu CNPJ; balanços e demonstrações financeiras da franqueadora nos dois últimos exercícios; indicação de ações judiciais que envolvem a franquia; e como serão suporte, supervisão, serviços e treinamentos prestados pela franqueadora.

A COF também inclui as atividades que devem ser desempenhadas pelo franqueado e o perfil ideal, incluindo requisitos quanto ao envolvimento direto na operação e administração do negócio. Por fim, informações financeiras constam, como: investimento inicial; taxa de franquia; valor estimado de obras, estoque e capital de giro; e taxas periódicas sobre uso de sistema, marca ou outros objetos de propriedade intelectual (royalties), aluguel de equipamentos ou ponto comercial, taxa de publicidade e seguro mínimo.

“Tem coisa muito boa, mas é preciso tomar cuidado num mar de franqueadores. Não acredite nos números dados, nas celebridades, nos prêmios recebidos ou nos gatilhos emocionais de medo de desemprego e promessa de ganho fácil. Veja se o negócio tem lógica e, se você não souber calcular, peça explicações até entender completamente”, aconselha Marcus Rizzo, proprietário da consultoria Rizzo Franchise.

“Nas ações, você acredita em analistas. Nas franquias, você precisa conhecer a empresa por conta própria, até porque boa parte dos resultados virão do seu próprio trabalho. A pior coisa é descobrir que você fez um mau negócio e estar nele dia após dia.”

Rizzo recomenda que o candidato a franqueado faça um test drive: alguns dias de treinamento que redes oferecem para que ele conheça a operação, antes de assinar o contrato. “Tem que ter test drive, para você entender o negócio. É um treinamento que faz parte do processo seletivo e permite que os dois lados percebem relações que não estavam visíveis. Se não der certo, você só pagou a taxa de franquia e pode receber parte dela de volta.”

Outro ponto importante na COF é a lista de contatos dos franqueados da rede e daqueles que viraram ex-franqueados nos últimos 24 meses. Essa lista tem nome, endereço e telefone. Você deve fazer a lição de casa: ligar para vários deles e entender qual o suporte que a franqueadora oferece, assim como os números reais de seus negócios.

No caso dos ex-franqueados, vale entender os motivos para o fechamento das unidades. “Você precisa conversar com eles e decidir de quem é a culpa. Não é porque alguns quebraram que a franquia seja um mau negócio”, diz Rizzo. O consultor ainda recomenda procurar reclamações na internet, como no site Reclame Aqui. “Fraudes acontecem nesse e em muitos mercados, prometendo riqueza por meio de uma oportunidade imperdível. Se não houver histórico com comprovação, você pode estar entrando na base de uma pirâmide financeira.

Outros pontos de atenção na COF são as regras de concorrência territorial entre unidades próprias e franqueadas, assim como as regras sobre aquisição de insumos necessários para a operação da franquia. É importante verificar se não há canibalismo entre a franqueadora e as unidades franqueadas, assim como se os fornecedores são idôneos e competitivos.

“Fique de olho caso a franqueadora venda produtos mais baratos e por conta própria em marketplace ou outlet. Isso provoca competição desleal com os próprios franqueados”, alerta Rizzo. “Também verifique se não há vínculo do franqueador com venda de produto aos franqueados, nem linhas de receitas suspeitas, como uma comissão a mais paga pelos fornecedores à franqueadora. Tem que ficar clara a relação entre franqueador, franqueado e fornecedor. Todos devem estar unidos para o crescimento da marca.”

Rizzo dá como exemplo o processo seguido em uma grande franquia de fast food: a franqueadora tem fornecedores homologados, indicados na circular de oferta de franquia. Os franqueados negociam diretamente o volume de compra com os fornecedores, que por sua voz têm previsibilidade de receita por meio desses acordos.

Sócio investidor: como investir em franquias

Semenzato afirma ter visto um aumento significativo em outro perfil: quem busca se tornar apenas investidor nas franquias, terceirizando a operação para outro sócio ou até mesmo para um gerente. O principal motivador desses investidores para apostarem no empreendedorismo foi a queda na taxa básica de juros. A Selic está em 2,75% ao ano atualmente. A taxa caiu ao longo de diversos meses e apresentou uma alta de 0,75% na última reunião do Comitê de Política Monetária do Banco Central (Copom).

“São pessoas que trabalham na Bolsa de Valores, por exemplo, e não têm tempo para se dedicar à operação de uma franquia. Ao mesmo tempo, continuamos vivendo um momento histórico de juro real negativo. O investidor não tem muito retorno em lugar nenhum para seu capital. Existe um movimento de buscar aportes na economia real quando estamos em um ciclo de juros baixos. Entregamos retorno bem superiores ao CDI nesses períodos.”

Semenzato defende o perfil de sócio investidor para as franquias. “Alguém que queira investir e traz um sócio que opere pode dar muito certo. Da mesma forma pode dar certo alguém que quer empreender e crescer a franquia, mas busca capital. Os dois podem dar certo, desde que a gente tenha definido um dono para a loja. Vamos investir nessa frente de matching entre sócios nos próximos anos.”

Mesmo que a franqueadora e o modelo de negócio permitam a união de sócio investidor e de sócio operador, avalie quem é esse parceiro. “É preciso ter um afeto societário: você não monta negócio com alguém que você não conhece”, diz Melitha Prado, advogada especializada em franchising.

Existe desacordo entre os especialistas quando se fala em aceitar um sócio que não coloca a “barriga no balcão”. A advogada afirma que essa opção depende da franqueadora, das necessidades do negócio e da capacidade de quem ficará no dia a dia da operação.

“Nem todas as franqueadoras permitem um sócio que seja apenas investidor, porque a rentabilidade precisa ser grande para permitir um sócio que não participe da operação. Além da decisão da franqueadora, você deve analisar o modelo de negócio: alguns setores exigem um acompanhamento constante, como alimentação e as vigilâncias sanitárias. Outros permitem até uma operação terceirizada para gerentes, como uma loja de calçados e roupas”, afirma a advogada especializada em franchising. “Com sócio ou com funcionário, precisa ficar claro que quem vai operar tem conhecimento, habilidade e disposição. Essa é a essência de uma franquia de sucesso.”

Já Rizzo é contra sócios que começam franquias já como apenas investidores. “Um franqueado que coloca um gerente para comandar a operação sai muito dos trilhos. Para entrar numa franquia, o pressuposto é trabalhar antes de ganhar dinheiro. Depois de longos anos, pode acontecer de colocar um gerente. Não é para ficar preso na caixa registradora o resto da vida. Mas você precisa estar presente nas lojas no começo. Virar investidor é para quando você dominar ciclos financeiros, processos de demissão e contratação, e até momentos de crise.”

Melitha e Rizzo alertam para contratos que envolvem diversos sócios. “Agora se fala em cotas de franquia: comprar parte de um negócio junto de outros 49 sócios, e um deles é escolhido para administração. Você não sabe de quem comprou essa cota, não conhece quem está operando. É como um condomínio, inclusive as confusões”, alerta Rizzo. “Cuidado quando existem dez investidores em uma franquia só. Pode acontecer muita compra e recompra de participações, gerando problemas societários”, completa Melitha.

Alocação, rentabilidade e risco de liquidez e de concentração

Quanto do patrimônio dedicar para franquias? A decisão depende do seu perfil como investidor, e qual porcentagem da carteira você acha confortável direcionar para aplicações agressivas.

Semenzato e Melitha recomendam alocar parte dessa classe de grande risco em uma franquia. Semenzato, por exemplo, começou aplicando 10% de seus investimentos agressivos em franquia. Depois, foi ampliando a participação das franquias para 50% dessa classe de ativos.

“Comece pequeno e vá aumentando sua proporção. Não monte dez franquias de uma vez, mesmo tendo capital. Monte a primeira, veja se ela está rodando bem, depois monte a segunda. Precisa de tempo para você e para seu time assimilarem a operação.”

Essa diversificação de carteira é mais para o sócio investidor do que para o sócio operador, segundo Rizzo. “Falamos em uma utopia de colocar até 30% do seu patrimônio total em uma franquia. Mas os empreendedores investem tudo que tem e talvez mais um pouco, pedindo para familiares. Eles estão comprando o negócio da vida, e não um papel para diversificação.”

Qual o prazo de retorno de uma franquia? Ele varia de acordo com cada unidade franqueada: você deve verificar a estimativa da franqueadora e depois confirmá-la com franqueados e ex-franqueados.

Em uma franquia que envolva lojas físicas, o franqueado começa a investir alguns meses antes de abrir as portas, para a reforma do ponto comercial. Também há o primeiro investimento em capital de giro, que sustentará mercadorias e custos fixos no começo da operação. Melitha afirma que a maioria dos contratos coloca um prazo de 24 a 36 meses para o ponto de equilíbrio. Já Rizzo coloca o prazo mais comum como entre 16 e 24 meses.

A partir do momento que o negócio gera lucro, o franqueado deve decidir se reinveste na franquia ou se começa a receber dividendos. O pagamento ao empreendedor costuma ser feito pela definição de um pró-labore modesto, mais eventual distribuição de dividendos.

A liquidez desses pagamentos pode ser mensal – caso dificuldades não apareçam no meio do caminho. “Em momentos como o atual, você não consegue colocar no bolso aquilo que gostaria. Muitos empreendedores passam por dificuldades: compraram um negócio e estão vivendo outro. Ninguém previa em contrato a algo como devolver franquia caso houvesse pandemia”, alerta Melitha.

O investimento em franquia não assegura o retorno do valor investido: você pode aportar R$ 1 milhão em um ponto comercial e, por diversos motivos, não conseguir lucrar a ponto de pagar por esse investimento em certo período. Mesmo a decisão de se desfazer da operação pode levar à recuperação de apenas parte do valor aportado.

A transferência de um negócio é um processo complexo, que envolve negociação com o futuro novo dono e deve seguir as regras estipuladas no contrato de franquia. Ele pode ser uma pessoa física (repasse) ou a própria franqueadora (recompra). Nas duas formas, será preciso redigir um contrato de repasse de propriedade, com anuência da franqueadora.

As regras de transferência ou sucessão, assim como penalidades, multas e indenizações decorrentes dessas decisões, constam na COF e devem ser lidas com atenção antes da assinatura do contrato de franquia. Também deve ser explicitada qual a situação do franqueado após a expiração do contrato de franquia quanto ao conhecimento de gestão, processos, produtos e outras informações confidenciais da franqueada, assim como quanto à implantação de atividade concorrente à da franquia.

“Desfazer-se do ativo é um problema, porque é preciso obedecer às cláusulas do contrato de franquia. Quem dita as regras de transferência é o franqueador, não o franqueado”, alerta Melitha.

Além da dificuldade de recuperar o investimento inicial, outro risco inerente ao empreendedorismo e ao mercado de franquias é a concentração de teses. Quando você tem dez negócios em dez setores diferentes, não conhece a fundo cada um desses mercados, nem pode acompanhar de perto os negócios.

Por mais que você tenha diversas unidades, Semenzato recomenda expandir entre poucas marcas. “Por exemplo, 30 franquias seriam divididas no máximo em dez franquias por rede, totalizando três marcas.”

Assim como o prazo de retorno, a rentabilidade mensal de uma franquia varia de negócio para negócio. A estimativa da franqueadora também deve ser confrontada com a realidade dos franqueados e ex-franqueados.

“O candidato a franquia precisa calcular o retorno sobre o investimento, daí derivando a previsão para ponto de equilíbrio total [incluindo investimento inicial]. Esse lucro pode ser previsto pela média que você apurou com unidades franqueadas atuais e passadas, mas também depende da sua região e do seu trabalho”, diz Rizzo.

Vale também ficar de olho nas cobranças que a franqueadora faz de forma recorrente ao franqueado e que podem corroer a rentabilidade, como royalties. Semenzato estima um retorno líquido de 2% a 3% ao mês. Já Melitha estima uma rentabilidade líquida mensal entre 3,5% e 4%.

“Uma ação pode ter um bom upside [potencial de valorização], mas a maturidade da empresa pode diminuir esse múltiplo. Quando você monta uma franquia do zero, o upside é bem maior. Você pode pegar esses rendimentos e alocar para uma segunda franquia. Seu rendimento será maior, e você continua reinvestindo. E assim por diante”, diz Semenzato.

Apesar de a pandemia ter afetado muitas lojas físicas, o CEO da SMZTO afirma que alguns franqueados resolveram dobrar a aposta em franquias que tiveram bons resultados, seja por seu setor ter sido beneficiado ou pelas vendas digitais terem funcionado bem.

“Ninguém sacou suas reservas ou investimentos em outras classes para apostar tudo em franquias. Mas vimos um perfil de quem já era franqueado, estava satisfeito e tinha capital separado para investir em ativos da economia real. Decidiram então criar mais lojas, porque o diferencial de retorno ficou ainda maior frente a outras aplicações”, concluiu Semenzato.

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Mariana Fonseca

Subeditora do InfoMoney, escreve e edita matérias sobre empreendedorismo, gestão e inovação. Coapresentadora do podcast e dos vídeos da marca Do Zero Ao Topo.