Produtores seguram soja à espera de preços melhores

Oferta farta e demanda comportada, contudo, limitam espaço para altas

Fernando Lopes

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“Em janeiro, quando o mercado já tinha virado, mas houve um repique, bati o pé para vender a saca de soja por R$ 180 e não consegui fechar negócios. Se agora me oferecerem R$ 140, vendo. Mas está difícil, as propostas estão em torno de R$ 120, R$ 121. Então vou segurando mais um pouco. Ninguém esperava que os preços fossem cair tanto”.

A frase é do agricultor Matias Knnor, de 48 anos, produtor grãos em Rolândia, município próximo a Londrina, no norte do Paraná. A fala serve para ilustrar com cores vivas o que acontece desde o início do ano nos principais polos produtores de soja do país e torna mais lenta a comercialização da colheita recorde da safra 2022/23. O volume, segundo a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), chegou a 155,7 milhões de toneladas, 24% mais que no ciclo anterior.

Queda anunciada

Depois dos patamares recordes registrados em meio à guerra da Ucrânia, à disparada dos fertilizantes e à forte quebra da safra brasileira no ciclo 2021/22, as cotações começaram a recuar no segundo semestre do ano passado, após uma boa colheita nos Estados Unidos e diante das perspectivas – confirmadas – de uma safra brasileira robusta.

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Com boas ofertas no Brasil e nos EUA, os maiores produtores mundiais de soja, e uma demanda aquém das expectativas na China, que responde por cerca de 60% das importações do grão, os preços perderam sustentação na bolsa de Chicago (CBOT, em inglês), principal referência para as cotações internacionais de grãos, e desabaram no Brasil.

Em Chicago, há uma estabilização em curso em um nível cerca de 10% mais baixo do que há um ano, mas a grande oferta doméstica, a queda do dólar em relação ao real e o comportamento dos prêmios de exportação, que andam negativos, aprofundam o tombo no mercado brasileiro.

Plantação de soja em Mato Grosso; Agronegócio
Colheita de soja em Mato Grosso (Paulo Fridman/Corbis via Getty Images)

Menos riqueza

Não deixa de ser uma boa notícia para quem quer ver a inflação em queda, mas a guinada exige ajustes de contas, segura investimentos e, ao fim e ao cabo, reduz a riqueza em grandes Estados produtores como Mato Grosso, Paraná, Goiás, Rio Grande do Sul e Tocantins, entre muitos outros.

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“Entre 2020 e 2022, vimos os preços subirem na boca da safra, o que estimulou a comercialização e as vendas antecipadas, também graças à forte procura dos compradores. Neste ano houve queda e a venda é na pressão, pela necessidade de o produtor fazer caixa ou abrir espaço nos armazéns para a safrinha de milho, que também será recorde”, afirma Pedro Henrique Myczkovki, analista da AgRural.

Nos cálculos da consultoria, 58,2% da produção de soja da safra 2022/23 foi vendida até o fim de maio, ante 64,8% no mesmo mês do ano passado, quando estava em jogo a comercialização da colheita de 2021/22. No caso do volume previsto para o ciclo 2023/24, o percentual chegava a apenas 6,6%, quando o “normal” seria mais de 10%.

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Armazém cheio

Matias Knorr, de Rolândia, não dá sinais de que vá pisar no acelerador. Das 35 mil sacas de 60 quilos que colheu em seus 700 hectares, vendeu até agora apenas 1 mil. Quase tudo continua em seu armazém, e ele cogita manter a soja estocada, à espera de preços melhores, e escoar diretamente a safrinha de milho quando começar a colheita do cereal, nas próximas semanas. O trigo, cultivado no inverno, ainda vai demorar um pouco mais para entrar nessa equação logística.

“Estamos em pleno mercado de clima nos EUA, onde se desenvolve a safra 2023/24. E há riscos, tanto que em Chicago os preços subiram no início desta semana e se aproximaram de US$ 15 por bushel [medida equivalente a 27,2 quilos]. Quem puder, vai esperar um pouco”, diz Myczkovki.

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Incertezas em MT

Mesmo em Mato Grosso, que lidera a produção brasileira de grãos e onde há déficit de armazéns para estocar as colheitas, o cenário é de vendas lentas. “A velocidade da queda de preços foi maior que a esperada, e há muitas incertezas sobre como proceder”, diz o produtor Nelson Piccoli, de 69 anos, radicado em Sorriso, no norte do Estado.

Na região, a saca de soja chegou a alcançar R$ 160 há um ano e meio, e hoje as ofertas giram entre R$ 105 e R$ 112. Para a soja da safra 2023/24, que será plantada a partir de setembro em Mato Grosso, os compradores não estão pagando mais que R$ 103.

Na fazenda administrada pelo filho Hernandes, Nelson colheu soja em cerca de 1 mil hectares no ciclo 2022/23, com a melhor produtividade dos últimos quatro anos (74 sacas por hectare). Como houve muitos investimentos em maquinário e agricultura de precisão, a comercialização está mais acelerada, impulsionada por vendas antecipadas que envolvem de 60% a 70% da produção.

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Compradores sem pressa

Mas se o ritmo geral está mais lento pelo lado dos produtores, entre os compradores também não há pressa. “Por mais lentas que estejam as vendas, o fato é que a safra foi muito grande e há soja no mercado para atendermos nossos contratos”, disse um diretor de uma grande trading de grãos ao InfoMoney.

Outro executivo reforçou, ainda, que a demanda da China não só está mais fraca que o normal como começará a se voltar para os EUA em agosto, quando a colheita começará a ganhar força no país. Ou seja, a tendência é que a oferta continue confortável no Brasil. “E tudo indica que continuará assim em 2024, uma vez que as previsões atuais indicam boas produções no Brasil, nos EUA e na Argentina”.

Exportações e Valor Bruto

Até o momento, a Associação das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove) estima que as exportações brasileiras de soja em grãos alcançarão 95,7 milhões de toneladas em 2023, 21,6% mais que em 2022. A entidade prevê uma queda de 6,9% no preço médio dos embarques, para US$ 550, e com isso a receita das vendas está calculada em US$ 52,6 bilhões, com um aumento de 12,6% na comparação.

Para o valor bruto da produção (VBP) – ou seja, a riqueza produzida “da porteira para dentro” – de soja, que é o carro-chefe do agronegócio brasileiro, o Ministério da Agricultura projeta R$ 345,9 bilhões este ano, 6,1% mais que no ano passado, graças ao incremento de 24% do volume colhido.

Fernando Lopes

Cobriu o setor de energia e foi editor do semanário Gazeta Mercantil Latino-Americana até 2000. Foi editor de Agro no Valor Econômico até fevereiro de 2023.