Pantufa com cristais e “vestido do cochilo”: em tempos de quarentena, grifes apostam no “conforto com estilo”

Marcas lançam roupas pensadas para quem nunca passou tanto tempo sem botar os pés na rua, mas quer manter um mínimo de dignidade

Sérgio Teixeira Jr.

Nap Dress ("vestido do cochilo", em inglês) da Hill House Home (Reprodução)

Publicidade

NOVA YORK – Das muitas novas sensações que vieram junto com a pandemia, a estranheza de calçar um sapato ou colocar uma calça jeans depois de algumas semanas (ou meses) deve estar entre as mais intrigantes.

Afinal de contas, estamos tão acostumados a vestir essas duas peças que elas mais parecem extensões do nosso corpo.

Mas tanto tempo usando moletom e chinelo – com exceção da hora de se arrumar da cintura para cima para participar de videoconferências, claro – deixa sequelas.

Continua depois da publicidade

Aquela calça de tecido duro, que limita os movimentos, parece um despropósito. Enfiar os pés num par de sapatos, então, nem se fala.

O problema é que quem já estava acostumado a trabalhar em casa sabe que pijama não é exatamente o melhor dress code para o home office.

Afinal, é importante ter um ritual básico de “ir para o trabalho” e manter ao menos uma separação mental do que é escritório e o que é casa – mesmo que o espaço físico seja o mesmo.

Os estilistas – que também ficaram confinados – prestaram atenção nisso. Várias marcas estão lançando roupas pensadas para quem nunca passou tanto tempo sem botar os pés na rua e quer manter um mínimo de dignidade enquanto atravessa por esse período difícil.

A Colcci, marca que pertence ao grupo catarinense AMC Têxtil, lançou duas coleções “cápsula”, ou seja, independentes das sazonais.

A primeira delas, chamada Colcci Comfort Edition, foi anunciada em meados de junho. A segunda, a Athleisure Edition, veio um mês depois.

Blusa da linha Confort Home, da Colcci: a coleção se esgotou em poucos dias (Divulgação)

Segundo Daniel Mafra, diretor de marketing da marca, a empresa tinha de ouvir o mercado. “A gente fazia jeans e roupas de balada. Quem iria comprar? Para usar onde?”

Mafra afirma que a ideia de ambas as coleções é trazer “o universo do conforto” para dentro de casa, mantendo o estilo.

Segundo ele, as peças “não têm cara de pijama”, e talvez a prova disso seja o sucesso das vendas: a primeira coleção cápsula esgotou.

Os números da C&A também mostram que, agora, o conforto é a característica mais importante das roupas procuradas pelos clientes.

“Em março, identificamos um aumento em torno de 1.000% na busca por produtos que trazem uma proposta de conforto aliada ao estilo, em comparação a igual período de 2019”, diz Mariana Moraes, gerente-sênior de marketing da empresa.

“Mesmo em casa as pessoas querem expressar seu estilo e individualidade por meio da moda”, diz Moraes.

Com o aumento do uso das redes sociais durante a pandemia, a empresa também aposta nessa forma de divulgação dos novos looks.

Serviços como Facebook e Instagram estão entre os principais impulsionadores e inspirações dos desejos das consumidoras, segundo a executiva.

Nos Estados Unidos, um dos hits da pandemia tem sido uma peça feminina batizada de “nap dress” (literalmente vestido do cochilo), criado pela Hill House Home.

Trata-se de uma mistura de vestido com bata, uma peça longa e folgada que surgiu na Inglaterra vitoriana como reação aos modelos justos e com cinturas minúsculas que predominavam até então.

No começo do século passado, esse “vestido doméstico” era o estilo básico da dona-de-casa que tinha de cuidar das tarefas da casa sem perder a elegância.

No planeta tomado pelo coronavírus, o modelo ainda serve para isso – mas também para fazer o trabalho do escritório sem sair de casa.

A pantufa com cristais da Arezzo: “Toque de glamour” ao look doméstico, segundo a empresa (Divulgação)

Lucro da Crocs cresce 44%

A Arezzo lançou uma linha de sete pantufas, batizada de Arezzo Home. São chinelos com palmilhas anatômicas e espumas.

Um deles tem aplicação de cristais no cabedal, para dar um “toque de glamour” aos looks domésticos, de acordo com a descrição no site da empresa.

A procura por um calçado que está no lado oposto do espectro do glamour, as sandálias de borracha Crocs, também cresceu de forma expressiva.

Apesar de o faturamento da empresa ter caído no segundo trimestre, em comparação com o ano passado (por causa do fechamento das lojas), os lucros aumentaram 44%.

Mesmo fazendo mais sucesso pelo conforto do que pela estética, as Crocs já vinham passando por uma espécie de renascimento desde o ano passado, pelo menos entre as pré-adolescentes e adolescentes americanas.

Junto com as alemãs Birkenstocks – também conhecidas pelo conforto – e os tênis Vans quadriculados, virou cool usar Crocs.

Tênis, especialmente de corrida, também registraram aumento nas vendas, segundo o instituto de pesquisa de mercado NPD. As vendas em meados de junho nos Estados Unidos foram 30% maiores que as do mesmo período de 2019.

Com as academias fechadas, muita gente teve de repensar a rotina de exercícios. Mas os tênis de corrida também são extremamente confortáveis e cada vez mais são usados como parte de um look estiloso.

A era do conforto

Quem acompanha a moda profissionalmente não ficou exatamente surpreso com o sucesso desse novo tipo de homewear estiloso.

“Essa tendência de uma moda mais casual não começou ontem”, diz o consultor de estilo Sylvain Justum, de São Paulo.

“Na década passada houve o movimento do normcore. Depois veio o hype do moletom cinza e da calça jeans baggy. Até os pijamas já foram para a rua em forma de conjuntos acetinados. O ‘homewear’ como ‘outerwear’ é uma realidade.”

Justum acredita que essa estética vai emplacar mesmo depois da chegada da vacina e da volta aos escritórios.

Francesca Muston, vice-presidente de conteúdo de moda da WGSN, uma das mais famosas agências que fazem previsões sobre tendências, concorda.

Conveniências da vida moderna como streaming, delivery de praticamente qualquer restaurante e exercícios em casa já apontavam para mais tempo no conforto do lar. A pandemia levou tudo ao extremo.

Numa entrevista ao jornal The Guardian, Muston disse que “não haverá normal de novo” e que “tudo será fundamentalmente diferente”.

“O conforto chegou e vai ser difícil desapegar dele”, afirma Mafra, da Colcci. “Acho que essas ideias vão circular na moda por uma década”

Tópicos relacionados

Sérgio Teixeira Jr.

Jornalista colaborador do InfoMoney, radicado em Nova York