Ovo mexido feito de planta? Por que a Mantiqueira criou a própria foodtech

Não são apenas hambúrgueres e queijos que receberam versões feitas de plantas. A N.Ovo começou com ovos de plantas para receitas e agora terá seu ovo mexido

Mariana Fonseca

Amanda Pinto, da N.Ovo (Grupo Mantiqueira)

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SÃO PAULO – A Granja Mantiqueira, maior produtora de ovos do país, foi do zero ao topo: começou em 1987, quando Leandro Pinto comprou 30 mil galinhas de um amigo em troca de um caminhão e um Fiat Uno. Hoje, sua granja tem 11 milhões de galinhas e vende dois bilhões de ovos por ano. Há pouco mais de um ano, porém, as galinhas cederam parte do espaço para uma nova produção: a de ovos feitos de planta.

A N.Ovo é uma foodtech nascida dentro da Mantiqueira e seu primeiro produto foi um pó de ovo plant based, que pode ser usado como substituto em receitas. A N.Ovo virará uma operação apartada em janeiro de 2021 – a granja se tornará uma das investidoras. A separação acontecerá no mesmo mês em que mais um produto da N.Ovo chega aos supermercados: ovos plant based mexidos.

O InfoMoney conversou com Amanda Pinto, fundadora da N.Ovo, para entender como foi criar um negócio completamente oposto à criação de galinhas dentro da Mantiqueira – e quais serão os próximos passos da foodtech.

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De commodities a inovações

Amanda Pinto é filha de Leandro Pinto e executiva há sete anos na Granja Mantiqueira. A ideia para a N.Ovo surgiu em 2017. Amanda liderava a área de marketing e inovação da granja e buscava a “melhor forma de produzir alimentos, de forma saudável e ambientalmente sustentável”.

O pontapé para a criação de uma foodtech própria da Granja Mantiqueira veio de uma viagem aos Estados Unidos. Amanda ouviu uma palestra de Paul Hawken, autor do livro “Drawdown: 100 iniciativas poderosas para resolver a crise climática”, em um evento da Singularity University.

“Uma das formas de lidar com o aquecimento global é promover uma dieta rica em plantas. Mesmo que você não vire vegano, apenas a redução no consumo de carne já é muito importante. Entendi assim que o mercado plant based não é um nicho, serve para todos”, diz Amanda. Segundo uma pesquisa feita pelo The Good Food Institute em 2018, 30% dos brasileiros entrevistados disseram que estão reduzindo seu consumo de produtos de origem animal ou já são vegetarianos. O GFI então estimou o mercado plant based no país em 60 milhões de interessados.

Segundo a empreendedora, outros problemas endereçados pelas comidas à base de plantas são a fome – as plantas apresentam maior conversão alimentar, ou produtividade em relação aos insumos utilizados – e o aumento de doenças infecciosas – muitas delas vêm de animais, movimento exacerbado pela criação das espécies em massa e de maneira intensiva.

A executiva visitou expoentes no segmento: as americanas Clara Foods (US$ 46,8 milhões captados com investidores), Just (US$ 220 milhões) e Impossible Foods (US$ 1,4 bilhão). As duas primeiras produzem ovos à base de plantas. Depois de Amanda voltar ao Brasil e realizar diversas reuniões, a Granja Mantiqueira passou todo o ano de 2018 investindo em pesquisa e desenvolvimento.

O primeiro produto chegou às gôndolas dos supermercados em junho de 2019: o N.Ovo. Apesar de ser embalado como uma cartela de ovos comuns, o produto é um pó à base de plantas que pode ser usado como substituto de 12 ovos em receitas como bolos e tortas.

“O ovo tem uma função difícil de replicar: dá liga aos ingredientes, atua como emulsificador e deixa a massa crescer e se umidificar. Focamos em atender todas essas propriedades no começo, não em produzir um omelete ou um ovo mexido”, diz Amanda. O N.Ovo usa ervilhas, linhaça e uma combinação de fermentos em sua composição.

Em setembro de 2019, Amanda deixou a área de marketing e inovação da Granja Mantiqueira para se dedicar apenas à N.Ovo. A foodtech tem seis membros hoje, contando com Amanda. “Cultura, proposta, produto e esforço de venda: é tudo diferente. Esse tempo dentro da Mantiqueira serviu para termos essa curva de aprendizado”, diz a empreendedora.

As vendas do ovo à base de plantas em pó ficaram acima do esperado nos primeiros três meses, mas depois caíram. A curva de crescimento foi retomada depois de uma revisão na tática comercial. Não havia como aplicar a mesma estratégia usada nos ovos tradicionais da Granja Mantiqueira, na visão da empreendedora. “Frutas, legumes e verduras têm um giro rápido e a negociação envolve carretas. Nosso produto é negociado caixa por caixa e é preciso ter um acompanhamento frequente de posicionamento nas gôndolas. Brigamos para estar junto aos produtos tradicionais, não na seção de saudáveis ou veganos.”

Pandemia e ovo mexido e maionese feitos de plantas

Este ano foi marcado pela pandemia – que atrasou o lançamento de produtos. Além do ovo em pó para receitas, a N.Ovo lançou três sabores de maionese à base de plantas (original, ervas finas e lemon pepper) em outubro. No mesmo mês, lançou sua imitação de ovos mexidos.

O N.Ovo Mexido é um produto em pó que, misturado com água, gemifica e ganha a textura dos ovos mexidos originais. “Não é um processo trivial. Ficamos quase três anos trabalhando nesse lançamento”, diz Amanda. O produto tem como diferencial ser fonte de proteínas, algo visado por quem come ovos mexidos tradicionais. Por isso, leva tanto ervilha quanto soja em sua composição.

“A ideia era lançar as maioneses em abril. Mas aí veio a pandemia”, explica Amanda. “Supermercados focaram em girar produtos tradicionais, o que foi ótimo para os ovos tradicionais da Mantiqueira. Mas produtos diferenciados caíram na lista de preferências e não podíamos realizar degustações. Seguramos lançamentos e focamos em reduzir o custo final deles. No fim, conseguimos retomar o nível de vendas pré-pandemia.”

A N.Ovo está em 150 pontos de venda atualmente e já vendeu quase 40 mil caixinhas do seu ovo à base de plantas em pó. Seu maior desafio é baixar o preço – o valor do N.Ovo mexido ainda não foi definido, mas o N.Ovo para receitas, com 120g (equivalente a 12 ovos), é vendido por R$ 14,90 e a maionese, de 200g, por R$ 11,90.

“Nosso posicionamento é premium, mas ainda acessível. Não dá para fazer apenas guerra de preço, porque temos matérias-primas melhores. Ao mesmo tempo, não podemos deixar que os valores sejam um impeditivo para o consumo e o giro da mercadoria”, diz Amanda.

O lançamento do N.Ovo Mexido foi pelo modelo de food service, em parceria exclusiva com o restaurante Le Manjue (São Paulo). “Queríamos corrigir a partir do feedback dos clientes e também gerar experimentação. É um produto bem mais diferente do original do que uma maionese à base de plantas, por exemplo”, afirma a empreendedora.

Em janeiro de 2021, a N.Ovo terá um novo sabor de maionese definido pelos próprios clientes. Também terá o lançamento do N.Ovo Mexido em outros restaurantes e nas gôndolas de supermercados. “Vemos o próximo ano como promissor, faltando apenas embalar e vender esses produtos que já desenvolvemos. Faremos mais investimento em equipe e em marketing para aproveitar a base de clientes que conseguimos pela Granja Mantiqueira.”

Na mesma época, a N.Ovo deverá se separar da empresa-mãe. “Passamos por um período de convencimento, mostrando por que uma operação apartada era melhor. Estamos resolvendo questões burocráticas, como CNPJ e sistemas próprios”, diz Amanda. A Granja Mantiqueira ficará como investidora. A composição do cap table (participação de cada acionista no negócio) ainda será definida.

Em paralelo, a foodtech continua com pesquisas de curto prazo (produtos para colocar no mercado ano que vem) e de longo prazo (no mercado em quatro a cinco anos). Segundo Amanda, as pesquisas são feitas em parceria com entidades como a Embrapa e a Universidade de Berkeley.

“Para o futuro, focamos em procurar matérias-primas exclusivas. O universo a explorar é gigantesco: temos 400 mil espécies de plantas no mundo, 300 mil delas comestíveis. Mas 80% da alimentação vêm de apenas dez tipos, como soja e milho. Com nossos ecossistemas diversos, não precisamos permanecer com monoculturas”, diz Amanda.

Não existe um cenário em que a foodtech poderia acabar com o negócio da Granja Mantiqueira, na visão da empreendedora. “Sempre vai existir espaço para o ovo de galinha. Mas vejo um crescimento enorme no interesse por alimentos mais sustentáveis. 95% das pessoas que compram ‘impossible foods‘ também comem carnes tradicionais. Nosso foco não está em veganos e vegetarianos apenas, mas pessoas que estão acostumadas com alimentos de origem animal e buscam menos impacto da sua alimentação no meio ambiente”, diz. “Nosso produto está no começo, assim como esse mercado.”

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Mariana Fonseca

Subeditora do InfoMoney, escreve e edita matérias sobre empreendedorismo, gestão e inovação. Coapresentadora do podcast e dos vídeos da marca Do Zero Ao Topo.