O futuro da CVC em meio à saída de 4 conselheiros e aos desafios do setor de turismo em 2021

Em entrevista ao InfoMoney, Leonel Andrade explicou os motivos da nova formação do conselho, e compartilhou as expectativas para 2021

Giovanna Sutto

(Roberto Tamer / Divulgação)

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SÃO PAULO – Na última semana, a CVC (CVCB3) divulgou, em fato relevante, a renúncia de quatro membros do seu Conselho de Administração. Em nota, a empresa disse que a mudança faz parte de um processo natural de renovação da administração, “depois de um ciclo de importantes realizações, como o processo de apuração dos fatos relacionados às distorções contábeis, a republicação e a regularização das demonstrações financeiras, a reestruturação de dívidas e o aumento de capital da companhia”.

Eles haviam sido eleitos em maio de 2020 e os mandatos iriam até agosto de 2022. Além do presidente do conselho, Silvio José Genesini Junior, também deixaram a empresa Deli Koki Matsuo, Cristina Helena Zingaretti Junqueira e Henrique Teixeira Alvares.

Em entrevista ao InfoMoney, Leonel Andrade, CEO da CVC Corp., falou sobre os desafios da companhia em meio à crise, ressaltou a nova fase da CVC, que recentemente anunciou novos braços de negócio, as lições aprendidas, além de explicar a situação do conselho de administração.

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Nova formação do conselho

A notícia da saída dos conselheiros foi recebida com certa surpresa, afinal não é comum quatro membros renunciarem ao cargo ao mesmo tempo. Na terça-feira (9), as ações da empresa chegaram a cair 4,7%, mas a queda foi amenizada e a CVC fechou o pregão com 1% de baixa.

O motivo da renúncia teria sido uma troca natural de conselheiros, já que os agora ex-membros já tinham a intenção de deixar o Conselho da companhia em 31 de agosto do ano passado, após o agravamento da situação da empresa.

Andrade diz que a notícia surpreendeu mais pelo anúncio da saída conjunta de quatro membros, do que pela alteração na formação do Conselho em si. Ele ressaltou que a saída foi consensual e motivada por uma mudança de controle acionário, cujos detalhes ainda não foram divulgados ao mercado.

Os acionistas majoritários, que fazem parte dessa nova composição acionária, teriam contribuído para a mudança. Eles mesmos indicaram os novos membros, que ainda precisam ser aprovados na Assembleia Geral Extraordinária de Acionistas, marcada para o dia 11 de março.

“[No dia da divulgação da renúncia] A ação caiu 1%, não despencou. Essa mudança é mais que natural. O que aconteceu: quando a pandemia chegou, a CVC sofreu e o preço da ação caiu. Hoje o preço da ação está até maior. Esse processo abriu espaço para novos investidores. Como resultado, tivemos uma troca substancial no controle acionário da companhia. Hoje temos maior participação de alguns fundos. Com a mudança desse controle acionário e novas posições, é natural que os acionistas queiram se posicionar mais e participar da gestão da companhia”, afirmou Andrade.

Se os nomes indicados forem aprovados de fato, os acionistas majoritários terão membros de sua confiança no Conselho e poderão acompanhar mais de perto as decisões da empresa sobre a alocação dos investimentos feitos.

“Os acionistas têm mostrado uma fé muito grande no futuro do negócio e visão de longo prazo. Fica claro quando falamos da capitalização. […] R$ 1,1 bilhão é muito dinheiro e você só aplica dinheiro dessa ordem de grandeza quando acredita no futuro da empresa”, afirmou Andrade, que complementou que a empresa “não teria sobrevivido” se não fosse essa rodada de capitalização.

A primeira fase da capitalização foi encerrada em setembro de 2020 e totalizou R$ 301,7 milhões. A segunda etapa, concluída neste mês de fevereiro, resultou em um acréscimo de capital de R$ 363,9 milhões. E em 2021 a empresa ainda fará uma nova rodada de capitalização, de R$ 436 milhões, para atingir a captação de R$ 800 milhões até setembro desse ano. O valor total em 2020 e 2021 somará R$ 1,1 bilhão.

Assista abaixo um trecho da entrevista sobre a nova formação do conselho, em que Andrade compartilha as expectativas sobre a mudança e detalha a importância da participação dos acionistas: 

2020 conturbado

A CVC já vinha enfrentando uma série de desafios antes de a pandemia começar. Há quase um ano, em fevereiro de 2020, a empresa divulgou ao mercado que havia encontrado indícios de erros e irregularidades contábeis nos valores transferidos a operadores turísticos entre 2015 e 2019. O impacto das distorções nas demonstrações financeiras na receita da empresa foi de R$ 362,4 milhões, R$ 117 milhões referentes ao exercício de 2019 e o restante a anos anteriores.

Em setembro, a empresa explicou, em fato relevante, que concluiu a apuração sobre os problemas e desde então o Conselho de Administração está à frente da organização da apuração dos fatos. Uma assembleia está marcada para abril, quando o conselho apresentará sua recomendação sobre os resultados da investigação aos acionistas.

Além dos problemas que já existiam, a situação em 2020 se agravou com as dificuldades financeiras provocadas pela pandemia, com as restrições de viagens e as dívidas milionárias.

Na mínima do ano de 2020, em 18 de março, a ação da CVC chegou a R$ 6,10. De lá para cá, o papel subiu 226% até o fechamento da última sexta-feira (12), quando a ação fechou aos R$ 19,89. Porém, nos últimos 12 meses, registra baixa de 37,5% e em 2021 a queda é de 3,3%.

Crise no turismo

O setor de turismo foi muito afetado pela pandemia e suas consequentes restrições. Segundo dados da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), o setor deixou de faturar R$ 261 bilhões em 2020 e fechou 397,1 mil postos formais de emprego ano passado.

“O ano passado foi uma catástrofe. Não há outra maneira de descrevê-lo. A recuperação que vimos até setembro estagnou no último trimestre e a situação piorou dramaticamente durante as férias de fim de ano, à medida que restrições mais severas às viagens foram impostas em função de novos surtos e novas variantes do coronavírus”, disse Alexandre de Juniac, CEO da Associação Internacional de Transporte Aéreo (Iata, na sigla em inglês), em nota. “O mundo está mais fechado hoje do que em qualquer momento nos últimos 12 meses e os passageiros enfrentam uma série de restrições de viagem que mudam rapidamente e estão descoordenadas”, afirmou.

Porém, Andrade entende que, conforme a vacinação for avançando no país, a retomada do turismo será acelerada. “Acho que vamos chegar ao fim do ano com o Brasil imunizado e o turismo vai explodir, vai ter uma demanda reprimida realizada, principalmente, do turismo doméstico – no qual a CVC é dominante no país. Estamos com a operação inteira rodando, investimentos e pessoas alocados. Eu acredito que no final deste ano a CVC vai ter uma retomada sólida junto com o turismo […]”, afirmou.

Ele acrescenta que, atualmente, o volume de vendas da empresa corresponde a 40% do registrado antes da pandemia, no início de 2020, considerando viagens nacionais e internacionais.

“Saímos de um patamar negativo em abril de 2020, pior mês da história da empresa, quando havia mais cancelamentos do que vendas, para chegarmos em dezembro vendendo 70% do que vendíamos um ano antes no turismo doméstico, ou 55% considerando o turismo internacional. Porém, desde dezembro a segunda onda se apresentou, o risco voltou e as pessoas ficaram mais conservadoras. Hoje, as vendas estão em torno de 40% do que eram antes da pandemia”, explicou.

Esse movimento da CVC acompanhou os dados globais. A demanda de passageiros internacionais em 2020 ficou 75,6% abaixo dos níveis de 2019, e a do turismo doméstico caiu 48,8% no mesmo período de comparação, segundo dados da Iata.

E ainda há um longo caminho até a recuperação plena. “Os volumes de passageiros devem retornar aos níveis de 2019 apenas em 2024, com os mercados domésticos se recuperando mais rápido do que os serviços internacionais”, diz um relatório da Iata. O número de passageiros deve crescer para 2,8 bilhões em 2021, segundo a associação. Embora o número represente quase 1 bilhão de viajantes a mais do que em 2020, ainda seria 1,7 bilhão de viajantes a menos do registrado em 2019.

Mudança na liderança

Em abril de 2020, a CVC Corp. passou por uma troca na diretoria. Luiz Fernando Fogaça, deixou a empresa, depois um ano e meio no cargo, e em meio à revelação das distorções nas demonstrações financeiras da empresa. Em abril, Andrade assumiu a empresa em uma situação complicada.

“Eu fiz o acordo em fevereiro e combinei que só assumiria em abril. Entre o acordo e eu de fato assumir, a empresa revelou problema contábeis, a pandemia começou e a marca perdeu confiança. A empresa vinha com uma confiança debilitada. E isso se aprofundou com a pandemia. O maior desafio foi reestabelecer essa confiança dos investidores, dos acionistas, do mercado de um modo geral, dos nossos franqueados e funcionários. Porque sem isso não teríamos caixa, capitalização, renegociação das dívidas, não conseguiríamos trazer profissionais e muito menos investir em novas iniciativas”, afirmou.

Em novembro do ano passado, a empresa anunciou seu acordo de reestruturação de dívidas, no valor de R$ 1,5 bilhão, oriundas da segunda, terceira e quarta emissões públicas de debêntures. A empresa realizou o alongamento parcial da dívida de curto prazo, relacionada à 2ª emissão de debêntures (CVCB12), realizou o pagamento de 10% do montante total das dívidas em 23 de novembro de 2020, com exceção da CVCB12, cujo pagamento foi de 57% do total, e dividiu o pagamento das terceira e quarta emissões até 2025.

Novos negócios

Mesmo com um cenário ainda incerto, Andrade entende que o ano de 2020 já deixou algumas lições para o setor. “Nós aprendemos todo dia com a pandemia. Hoje valorizamos mais os protocolos, entendemos que o cliente não quer só ter lazer, quer ter segurança, se sentir protegido e ter assistência”, afirma.

Andrade destacou a atenção à diversidade e à personalização como lições da pandemia. A primeira porque o cliente quer ter mais opções e a segunda porque cada vez mais as pessoas buscam soluções exclusivas para viajar, segundo ele. Foi a partir desse raciocínio que a CVC anunciou dois novos braços de negócio.

O investimento na VHC Hospitality, uma startup do grupo CVC Corp., focada em aluguel de temporada e concorrente do Airbnb, e o lançamento do marketplace da CVC, que está marcado para este ano e terá uma marca própria, com o objetivo de oferecer pacotes segmentados para os clientes.

Sobre a VHC, Andrade afirmou que ela pertence ao único segmento do turismo que teve crescimento na pandemia. “As pessoas estão buscando mais privacidade, mais comodidade. Entramos com a VHC em uma proposta que é mais do que só um aluguel de uma casa por uma temporada, mas é também de serviços diferenciados. Você pode escolher desde arrumação, serviços de cozinha, motoristas, até segurança extra, eventos e organização de festas”, disse. A proposta é ampliar a base de imóveis disponíveis de 450 residências entre Brasil e Estados Unidos para cerca de 8 mil nos próximos cinco anos.

Sobre o marketplace, ele explicou que a CVC vai se conectar com várias empresas parceiras para ofertar pacotes de viagens em diferentes formatos.

“Vamos desenvolver conteúdo e disponibilizar a venda tanto no canal online, quanto no físico. Seguramente lançaremos ainda neste ano no Brasil e mais para a frente na Argentina. O cliente vai encontrar, por exemplo, uma aba de turismo gastronômico, outra de turismo religioso, de ecoturismo, de turismo para mulheres, ou seja, vários segmentos com proposta de valor, pacotes, produtos, de empresas diferentes, de modo que ele tenha algo que se identifique e um ambiente com muita oferta e especialização”, disse.

Além dessas duas frentes, na última quarta-feira (10), durante seu Investor Day, a empresa anunciou um programa de fidelidade e o programa Agente Autônomo de Turismo, para profissionais que não trabalham nas agências da CVC.

“Esses quatro negócios são completamente novos e complementares a tudo o que já temos dentro grupo. Somos um grupo muito grande, mas com muita tradição de fazer mais do mesmo e estamos começando a diversificar a empresa porque o consumidor está mudando”, explicou o CEO.

A empresa está com cerca de 1.250 lojas abertas no país, 90% da base que a empresa tinha antes da pandemia.

Hoje a CVC Corp. conta com 11 marcas dentro de seu portfólio, sendo a CVC, focada em viagens de lazer, a mais conhecida. Porém, Andrade já se pronunciou sobre a importância de as aquisições gerarem sinergias. Segundo ele, a CVC tem 10 departamentos internos, que praticamente não se conversam e que trabalham manualmente.

“É estranho que uma empresa desse tamanho, com milhares de funcionários, bilhões passando aqui dentro opere com muito trabalho manual. Isso é resultado de tecnologia obsoleta com legado muito confuso, mas todos os problemas estão endereçados e vão melhorar”, afirmou durante o “Investor Day”.

Agências serão pontos de experiência

Como parte do processo de inovação da CVC em meio à crise, Andrade destacou a mudança de papel das agências franqueadas. “Muitos clientes querem o contato físico, ouvir especialistas, entender os protocolos. A agência física ajuda bastante nesse suporte”, diz.

Por isso, ele garante que as agências físicas têm espaço no mercado. “Vão permanecer para sempre, não tenho dúvida disso, mas elas têm que ser modernizadas. As lojas precisam se transformar em experiência, com conteúdo, interação frequente com o consumidor por meio de produtos digitais. É a mistura entre o físico e o digital que vai transformar as lojas em espetaculares pontos de experiência”, afirma.

Segundo ele, a CVC lidou por anos com um debate interno: a digitalização vai ou não acabar com as agências? “Eu não acredito nisso. A digitalização pode ajudar as agências a venderem muito mais”, diz.

Hoje, no Brasil, do total de vendas feitas pela CVC Corp. cerca de 50% ainda são feitas nas agências físicas, incluindo viagens de lazer e as corporativas. “Por isso, nós acreditamos que vai ser fundamental ter no nosso universo de venda todos os canais convergindo e interagindo entre si. Não importa em qual canal o cliente esteja, eles precisam ser vistos como uma coisa só”, afirmou o CEO.

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Giovanna Sutto

Repórter de Finanças do InfoMoney. Escreve matérias finanças pessoais, meios de pagamentos, carreira e economia. Formada pela Cásper Líbero com pós-graduação pelo Ibmec.