Na contramão de gigantes da tecnologia, Apple pede volta de alguns funcionários a escritórios

Facebook, Microsoft e Google, por exemplo, estenderam seus períodos de trabalho remoto

Allan Gavioli

Logotipo da Apple (Shutterstock)

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SÃO PAULO – Passados alguns meses do início da pandemia, diversas empresas já têm planos para retomada de seus negócios e atividades. E as big techs do Vale do Silício não ficaram de fora.

Enquanto Google, Microsoft e Facebook estenderam os períodos de trabalho remoto e ainda planejam mudanças permanentes nas dinâmicas do trabalho de escritório, a Apple solicitou a alguns funcionários que retornassem ao trabalho presencial nas próximas semanas, indicando a retomada do desenvolvimento normal de produtos críticos e confidenciais da companhia.

A posição da Apple contrasta com o que suas concorrentes planejam sobre trabalho remoto pelos próximos meses, acreditam especialistas consultados pelo InfoMoney.

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“A cultura da Apple é bem especifica. Ao contrário das outras empresas de tecnologia, a Apple é uma empresa de hardware. Você não pode pedir para o trabalhador da fábrica ficar em casa. É preciso compreender essa dinâmica do negócio”, explica Pedro Waengertner, professor da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), em entrevista ao InfoMoney.

O professor argumenta que a Apple flexibilizar uma parte dos trabalhadores faz sentido do ponto de vista prático da operação da empresa. Para ele, é importante ressaltar que a companhia possui uma forte atuação em vários setores distintos e que isso é um ponto central para a empresa.

“A Apple tem toda uma operação de distribuição, design, logística, varejo. É um negócio muito diferente da média das empresas do Vale do Silício”, explica Waengertner.

Para Luana Castro, gerente na divisão de tecnologia da Michael Page e da Page Personnel, consultoria especializada em recrutamento, o discurso da Apple vem como um contraponto ao mercado de tecnologia.

“Olhando pro mercado de tech, a Apple está sim em um movimento contrário das empresas do setor, que é aderir, ou, minimamente, aumentar políticas de trabalho remoto. Mas há um contraponto a dizer que o trabalho remoto veio para ficar”, explica Luana ao InfoMoney.

“Há empresas que simplesmente não conseguem manter a produtividade e a eficiência em um trabalho remoto. As companhias possuem modelos de negócios e operação diferentes. Isso está relacionado à cultura, ao seu presidente e ao que as pessoas que tomam as decisões acreditam”, conclui a especialista em recrutamento.

Trabalhar remotamente em um novo hardware é um desafio, ainda mais para uma empresa que tem valoriza o sigilo de seus projetos. Essa ‘cultura do segredo’ faz com que as condições de trabalho na Apple sejam bem diferentes das outras empresas do Vale do Silício.

As portas do campus em Cupertino têm janelas opacas, para preservar a privacidade, e os funcionários só podem levar produtos em desenvolvimento para casa se receberem permissão do vice-presidente de sua divisão, de acordo com informações da “Bloomberg”.

Volta aos trabalhos

A primeira fase do retorno ao trabalho presencial da Apple vai envolver funcionários cujas funções são complexas demais para serem executadas em casa.

A empresa também pediu a volta de funcionários considerados como “críticos” para os negócios, como engenheiros de data center e alguns verificadores de hardware. Enquanto isso, empregados de áreas menos sensíveis permanecem trabalhando de forma remota.

Waengertner explica que a decisão da Apple tem um peso importante, considerando a influência da companhia, não apenas entre as empresas de tecnologia, mas no mercado de uma forma geral.

“Todo mundo olha a Apple como uma referência. Ela é famosa pela inovação e por seus projetos de desenvolvimento de produtos e design, mas ela nunca se destacou pelas praticas inovadoras de gestão, em comparação com empresas como Google e Microsoft. Mas certamente ela influência [o mercado] em decisões em todo lugar do mundo”, argumenta.

Luana também acredita que o retorno da Apple aos escritórios pode ser visto como um estímulo para outras empresas que sentem no bolso os efeitos do afastamento do trabalho presencial.

“Há muitas empresas de tecnologia e da área financeira que gostariam de voltar o quanto antes. Então, a Apple pode ter algum impacto nessas decisões”, argumenta Luana.

O professor da ESPM, porém, pondera que o momento é delicado para qualquer empresa e que todas as decisões devem ser estudadas com bastante cautela antes de ser aplicadas.

“Vivemos tempos estranhos, em que as políticas de home office viraram um assunto de extrema importância. Mas acho que é muito porque ninguém sabe direito o que fazer, estamos tentando de tudo. É preciso ficar bastante atento com as decisões que beneficiam e protejam os funcionários”, explica Waengertner.

O retorno em um mundo pós-pandemia

A decisão da Apple de fazer os funcionários voltarem ao escritório durante a pandemia se afasta da abordagem adotada por outras grandes empresas de tecnologia.

A Amazon disse que os funcionários em home office podem ficar trabalhando em casa até o dia 2 de outubro, segundo a Reuters.

A Microsoft, que como Amazon, Apple e outras empresas de tecnologia está remota desde março, também disse que a maioria dos trabalhadores pode continuar trabalhando em casa até outubro.

Os escritórios do Facebook devem reabrir em julho. Mas a gigante das mídias sociais disse que permitiria que a maioria dos funcionários trabalhasse em casa pelo resto do ano.

O Google, da mesma forma, disse aos funcionários que eles provavelmente trabalhariam em casa pelo resto do ano, embora aqueles que precisem voltar ao escritório devem fazê-lo em junho ou julho.

Já o Twitter permitiu que seus funcionários trabalhem permanentemente em casa, naquela que pode ser a mudança mais extrema nas políticas de trabalho remoto de uma grande empresa de tecnologia até agora.

Mas ainda existem muitas dúvidas sobre como será o retorno ao trabalho em mundo pós-pandemia. Até os planos estabelecidos por empresas como a Apple podem mudar, dependendo de como a situação evolui, dada a natureza imprevisível do coronavírus.

Para Luana, o momento que vivemos pode alterar permanentemente as políticas de emprego e as diretrizes das empresas em relação aos seus funcionários.

“Não sabemos quais serão as profissões do futuro, mas sabemos quais serão as habilidades que serão requeridas do profissional do futuro”, explica a especialista em recrutamento.

Segundo ela, capacidade de adaptação, flexibilidade, diálogo, senso crítico, soluções criativas, foco em resultado e inteligência emocional se tornarão cada vez mais importantes para definir se um candidato é apto ou não a trabalhar na companhia.

“Tudo isso ainda está sendo muito desenhado, mas a tendência é que as empresas tenham uma possibilidade de trabalho misto, já que a interação social é importante”, argumenta Luana.

Allan Gavioli

Estagiário de finanças do InfoMoney, totalmente apaixonado por tecnologia, inovação e comunicação.