Mercado brasileiro é sofisticado o suficiente para promover soluções para a indústria financeira ‘verde’, dizem especialistas

Para especialistas, a América Latina e o Brasil estariam em posição de vantagem para liderar a agenda de transição para uma economia de baixo carbono

Mariana Amaro

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O avanço de uma agenda ESG no Brasil esbarra em diversos obstáculos, como a regulação – ou falta dela. Mas algumas entidades estão se movimentando para mudar isso. O tema foi debatido durante painel da Expert XP nesta quinta-feira (4).

“O BC está fazendo seu papel de conscientização e acrescentou, em 2020, o pilar de sustentabilidade na sua agenda oficial”, afirma Ricardo Eyer Harris, chefe do gabinete do diretor de regulação do Banco Central. Isso trouxe o tema para a ordem do dia e acendeu uma luz amarela dentro do sistema financeiro nacional, incentivando os bancos a lidar com uma consciência ambiental, segundo o executivo do Bacen.

A autarquia publicou, em setembro de 2021, um conjunto de normas que tratam da gestão de riscos sociais, ambientais e climáticas no âmbito do sistema financeiro e divulgou o primeiro Relatório de Riscos e Oportunidades Sociais, Ambientais e Climáticas.

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Na ocasião, Roberto Campos Neto, presidente da instituição, afirmou que há uma clara associação entre riscos sociais, ambientais e climáticos com os tradicionais das instituições financeiras, como de crédito, de liquidez e operacional. “Choques ambientais e climáticos podem afetar a taxa de inflação. Esses choques são difíceis de prever, afetam a oferta, e, assim, a política monetária”, afirmou Campos Neto, na ocasião.

O papel dos reguladores

Os agentes reguladores são responsáveis pelo bom funcionamento do mercado. Para Claudio Maes, gerente de desenvolvimento de normas da CVM, o regulador de mercado tem um papel a desempenhar mais especificamente com relação a seus agentes regulados. Mesmo assim, ele afirma que não se deve esperar regulamentações específicas sobre sustentabilidade. “Seria um erro [ter uma regulamentação específica sobre sustentabilidade]. Regulamentação é custosa e deve ser feita para atacar alguns problemas específicos que não necessariamente estão em finanças sustentáveis – ainda em um estágio inicial”, afirma Maes.

Um dos exemplos de regulamentação mencionados por Maes é sobre a diversidade na composição de conselhos de companhias abertas. Ele afirma que já há comprovação de que uma maior diversidade na composição de um conselho leva a soluções mais complexas e sofisticadas do que uma composição com membros seniores, porém com o mesmo histórico. “Há valor em diversidade, isso está comprovado. Mas o papel do regulador do mercado é exigir que as companhias busquem [diversidade]? A Nasdaq seguiu este caminho, mas eu, pessoalmente, acho um erro. Não compete ao estado interferir no financiamento do setor privado”, diz e afirma ainda que a regulação de mercado tem que servir para o desenvolvimento e não para ser um empecilho.

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Contudo, Maes reconhece que, se essa questão for relevante para os investidores, se torna uma questão do regulador de mercado. “Se os investidores querem porque essa informação colabora para uma formação de preço, esse dado tem que ser fornecido e de forma padronizada para que o investidor possa comparar”, diz.

Os investidores institucionais parecem concordar – ao menos parte deles. José Carlos Sampaio Chedeak, diretor de orientação técnica e normas da Superintendência Nacional de Previdência Complementar (PREVIC) afirma que os grandes investidores precisam ter esse tipo de preocupação. “Os fundo de pensão, devido ao seu grande volume, podem incentivar ações”, diz.

Chedeak diz ainda que a regulação precisa despertar, não só as empresas, mas outros participantes que estejam indiretamente ligados para integrar a sustentabilidade. E rápido.

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A demora, avalia Harris, pode levar ao pior dos cenários: um no qual o sistema financeiro não teria  condições de financiar a transição de forma ordenada. “Teríamos, então, um aumento de temperatura com consequente aumento de eventos extremos, o que, por sua vez, teria um impacto na economia e transformaria muitos ativos em obsoletos”, avaliou. De acordo com Harris, para evitar uma situação mais drástica, seria necessário investir quase R$ 5 trilhões até 2030 na viabilização desse processo e os bancos centrais do mundo estão caminhando para isso. Em 2017, o Bacen entrou para a Network for Greening the Financial System (NGFS), uma rede criada com BCs de oito países que, então, eram responsáveis por 30% das emissões do planeta. “O assunto entrou na pauta dos bancos centrais pelo mundo e, hoje, a NGFS conta com 15 BCs e supervisores do mundo inteiro representando 85% das emissões”, afirma Harris.

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Brasil na liderança

A América Latina e o Brasil, particularmente, estariam em posição de vantagem para liderar a agenda de transição para uma economia de baixo carbono. A informação é de Claudio Maes, da CVM, que afirma que a razão para isso é o lastro ambiental do país. “É muito difícil imaginar como economias maduras poderiam gerar lastro ambiental. Se não conseguirem, terão que ir comprar e o mercado brasileiro é complexo e sofisticado o suficiente para estruturar produtos para isso”, afirma.

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“É até natural que o Brasil seja um mercado líder não só de green, mas de social investing”, diz. Maes explica que a grande demanda de atenção ao clima vem da Europa que já ‘resolveu’ sua agenda social, mas para grande parte dos países em desenvolvimento, esta ainda é uma questão a ser solucionada. “É um momento de oportunidades não apenas para o mercado financeiro, mas para empreendedores. Há uma busca por companhias que resolvam questões sociais”, afirma.

Para o mercado evoluir, de forma consistente, em direção à sustentabilidade, a conclusão de Harris é que os agentes reguladores têm, sim, um papel importante, mas não de únicos protagonistas. “É uma tarefa de toda a sociedade: dos reguladores, do congresso, de todo o mundo”, afirma.

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Mariana Amaro

Editora de Negócios do InfoMoney e apresentadora do podcast Do Zero ao Topo. Cobre negócios e inovação.