Maffra, da XP: “Não queremos ser neobank e oferecer crédito. Nosso foco é o cliente investidor”

Em entrevista ao InfoMoney, CEO detalhou estratégia do grupo para os próximos anos

Raquel Balarin

Thiago Maffra, CEO da XP (Vivian Koblinsky)

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Nas palestras e corredores do hotel Sheraton Buenos Aires, onde a XP reuniu neste último fim de semana cerca de 650 escritórios de assessores associados, o que mais se ouviu foi a expressão “back to the basics” (volta às origens ou à forma simples de se fazer as coisas), que já tinha sido tema de uma mensagem do fundador Guilherme Benchimol para a rede no início do ano.

Depois de forte crescimento pós-IPO (oferta pública inicial de ações) em 2019, a investida em novas frentes de atuação e um freio de arrumação no fim do ano passado, a empresa tem reforçado a mensagem de que os assessores têm que voltar a investir no básico: o relacionamento com o cliente e a construção de uma relação de confiança com ele.

“Meu grande foco hoje é a qualidade. Não vendemos produto – isso é o que os bancos fazem. Vendemos serviços”, disse ao InfoMoney o CEO da XP, Thiago Maffra, durante o B2BXperience, segundo evento internacional da empresa voltado à rede de escritórios associados e onde ela anunciou neste domingo (19) que atingiu R$ 1 trilhão em ativos de clientes sob sua custódia.

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Na entrevista, Maffra detalhou a estratégia de crescimento da empresa para os próximos anos, ancorada em três pilares: ampliação do market share no segmento que deu origem à empresa, o de investimentos; avanço em novas frentes de negócio – como seguros, cartão de crédito e operações de banking (conta corrente tradicional); e evolução das operações de banco de atacado.

Investimentos e novas frentes

No segmento de investimentos, o objetivo é alcançar uma fatia de 20% a 25% das aplicações de pessoas físicas e empresas. Hoje, essa participação é de cerca de 8% (se considerar apenas pessoas físicas, ela sobe para 10,6%). Para chegar lá, segundo Maffra, é preciso atrair novos clientes, mas também convencer os clientes atuais a trazerem uma participação maior de seu patrimônio financeiro para a XP – em média, a empresa concentra 50% das aplicações totais de seus clientes pessoa física (índice conhecido no mercado como share of wallet).

“Lá atrás já tínhamos identificado que, para conseguir uma fatia maior, precisávamos reduzir o relacionamento dos clientes com os bancos por conta da reciprocidade – o banco dá crédito e cobra uma taxa mais baixa se o cliente tiver investimento lá, dá desconto em tarifa da conta ou do cartão”, diz Maffra. A licença bancária foi dada à XP no fim de 2019, poucas semanas antes do IPO da empresa, que lançou, desde então, conta corrente digital, cartão de crédito, conta investimento internacional e operações de seguros e previdência – em breve, serão lançadas também a conta global com cartão de débito e funcionalidades na conta digital, como cheque especial.

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Números apresentados no evento de Buenos Aires mostram o impacto das operações de banking no negócio de investimentos. Entre os clientes ativos da conta investimento internacional, o patrimônio financeiro aplicado com a XP (share of wallet) cresceu cerca de 26%. A média geral de churn (perda de clientes) entre os investidores que utilizaram as operações de banking caiu cerca de 64% em um período de seis meses.

Os escritórios de assessores têm utilizado os novos serviços também para atrair novos clientes, outra forma de ampliar a participação de mercado da XP em investimentos. Rafael Aparício, sócio da Nomos, disse no evento em Buenos Aires que, em ação recente, a oferta de cartão de crédito permitiu que o escritório abrisse 500 novas contas – a liberação do cartão Visa Infinite está condicionada a um aporte mínimo de R$ 5 mil.

Além do efeito na carteira de clientes investidores, Maffra ressalta que as novas frentes de negócio de banking têm trazido receitas mais resilientes e menos cíclicas, ou seja, menos sujeitas à variação nas taxas de juro. No ano passado, a fatia das novas verticais nas receitas totais da empresa foi de 8,5% e, em 2023, segundo o InfoMoney apurou, pode chegar a 12%.

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Foco no cliente investidor

A entrada da XP em produtos e serviços de banking levou muita gente a dizer que a empresa, que nasceu com uma postura de desafio aos bancos tradicionais, estivesse se tornando um deles. O CEO da XP diz que a estratégia continua sendo atender aos clientes investidores e não aos clientes em geral. “Não queremos ser um neobank que dá crédito e que cobra taxas altíssimas no cartão para compensar a inadimplência. Nosso foco é em quem está interessado em investimentos”, diz Maffra.

Para os investidores pessoa física, a empresa dividiu sua atuação em três grupos: a de clientes com até R$ 300 mil de patrimônio financeiro; de R$ 300 mil a R$ 10 milhões; e acima de R$ 10 milhões. Atualmente, a maior participação da empresa é no grupo de clientes da faixa intermediária, com mais de R$ 300 mil, na qual está concentrada a atuação dos assessores de investimento.

Para ampliar a participação nas outras duas faixas, a empresa está desenvolvendo dois projetos: para os grandes investidores, há o que Maffra chama de “esteira de personalização”, com fluxos e processos customizados e a criação de produtos como fundos exclusivos; para investidores com menos de R$ 300 mil, o projeto é o do digital first, ancorado no intenso uso de tecnologia, com assessoria digital e maior escalabilidade. O digital first foi implementado primeiro na Rico, uma das marcas do grupo, e está agora sendo trazido para a XP.

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Thiago Maffra
“Bons assessores não são os que ficam empurrando produto. São os que se concentram no relacionamento com o cliente e que ganham sua confiança” (Crédito: Vivian Koblinsky/XP)

Tecnologia e mais relacionamento

O uso da tecnologia também é central na estratégia da XP junto aos escritórios de assessores, segundo Maffra – vale lembrar que o executivo, antes de ser alçado ao cargo de CEO, em maio de 2021, era o diretor responsável pela área tecnológica do grupo (Chief Technology Officer, ou CTO, na sigla em inglês). O programa XP Genius, por exemplo, pontua o risco da carteira dos clientes e indica para o assessor se há um desenquadramento em relação ao perfil do investidor. E em novembro do ano passado, a empresa lançou o Matcher XP, que foi chamado no evento de Buenos Aires de “Tinder do mercado financeiro”.

No Matcher, o escritório estipula as características do assessor que quer contratar e o sistema indica os melhores perfis. A ideia por trás do sistema é atacar uma das grandes reclamações dos escritórios: a dificuldade de contratar bons profissionais. Outras iniciativas da empresa nesse sentido incluem o programa de formação de assessores lançada pela XP Educação, com foco em mentoria.

“De novo, o foco é trazer qualidade para a operação. Bons assessores não são os que ficam empurrando produto. São os que se concentram no relacionamento com o cliente e que ganham sua confiança”, diz Maffra.

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A jornalista viajou a Buenos Aires a convite da XP