Integrante do Jota Quest, fundador da MaxMilhas e outros sócios criam startup de NFTs que leva direitos autorais de músicos ao blockchain

A Brodr atuava com os “non-fungible tokens” antes de eles terem alta nas buscas; mais de 4 mil NFTs foram gerados pela startup em 2020

Mariana Fonseca

Fone de ouvido ligado a celular (Kaboompics.com/Pexels)

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SÃO PAULO – As NFTs ganharam o interesse de diversos investidores nas últimas semanas, inclusive de brasileiros. Algumas empresas de tecnologia estão se monetizando com a tendência de transformar itens artísticos e colecionáveis em ativos digitais.

É o caso da brasileira Brodr. A startup comercializa NFTs de direitos autorais de letras de músicas e fonogramas. Em 2020, mais de 4.000 NFTs foram distribuídos por meio de três ofertas no marketplace que conecta artistas e investidores.

Em 2021, a Brodr espera lançar 12 ofertas iniciais de direitos musicais e atender também investidores do mercado americano. O InfoMoney conversou com Ricardo Capucio, cofundador da Brodr, para entender qual o potencial dos NFTs no Brasil — mesmo com queda nas buscas e desvalorização no preço médio desse tipo de investimento na comparação entre a segunda quinzena de março e a primeira quinzena de abril.

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O que são NFTs?

NFT é a sigla para non-fungible tokens — em português, tokens não fungíveis. O especialista em mercado financeiro Gustavo Cunha explicou os conceitos de fungibilidade e de token em coluna publicada no InfoMoney.

Fungibilidade significa quanto um item pode ser trocado por outro da mesma espécie, qualidade e quantidade. Dinheiro, bitcoin ou um smartphone produzido em massa, por exemplo, são bens fungíveis. Já os bens não fungíveis não podem ser substituídos facilmente por outros da mesma espécie, qualidade e quantidade. É o caso de uma obra de arte, uma música ou um ingresso para um evento.

Já os tokens são os representantes digitais de algo, geralmente atrelados a um direito de propriedade. Segundo Cunha, ter um token é ter direito ao que ele representa. Os tokens são registrados no blockchain, tecnologia que garante descentralização, desintermediação, anonimato e livre negociação de bens. É o mesmo sistema usado para negociar criptomoedas, como ethereum e bitcoin.

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O NFT, como token não fungível, é a representação de um bem único. O NFT pode ser negociado de maneira completamente digital, mas garantindo que um usuário é de fato dono do token. Alguns exemplos de NFTs são animações, pinturas, músicas e até tuítes. Você pode comprar réplicas dessas obras — mas apenas uma pessoa será a dona do bem original.

Uma aplicação conhecida dos NFTs está nos games. O jogo CryptoKitties foi lançado em 2017 e permite que jogadores comprem tokens que representam gatinhos virtuais e os revendam. Ainda no universo da tecnologia, Jack Dorsey, fundador da rede social Twitter, vendeu seu primeiro tuíte por US$ 2,9 milhões.

Empresas tradicionais também estão de olho nos tokens não fungíveis. A revista Playboy está vendendo edições e fotos como NFTs. Já a liga de basquete americana NBA criou uma plataforma própria de negociação dos melhores momentos dos jogos, transformados em NFTs.

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Para os compradores, adquirir uma NFT permite apoiar seu criador e fazer qualquer uso do token não fungível, inclusive revendê-lo. Já o criador recebe não apenas na primeira venda, mas possivelmente royalties pelo uso de direitos autorais e uma taxa cada vez que o NFT troca de mãos. Os NFTs são guardados em carteiras virtuais, assim como criptomoedas.

Brodr: direitos musicais viram NFTs

A Brodr foi criada por cinco sócios: Henrique Mascarenhas, Khalil Sautchuk, Márcio Buzelin, Max Oliveira e Ricardo Capucio.

Mascarenhas é entusiasta do blockchain e empreendedor — criou a RM Sistemas, vendida para a gigante de tecnologia Totvs. Sautchuk tem experiência em marketing, principalmente com influenciadores. Buzelin é tecladista da banda Jota Quest e responsável pela curadoria artística com olhar empresarial da Brodr. Oliveira é fundador do site MaxMilhas, apaixonado por música e investidor-anjo da Brodr. Por fim, Capucio é advogado e responsável por entender a legislação sobre direitos autorais em obras musicais.

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Capucio conta que a inspiração para atuar em NFTs surgiu de uma missão junto de Mascarenhas para conhecer o ecossistema suíço do Crypto Valley, especializado em iniciativas envolvendo blockchain.

“Vimos que o segmento atraía cada vez mais investidores, e ficamos impressionados com o potencial do blockchain em segmentos como cartórios, educação e finanças. Focamos especialmente na tecnologia de NFT. Tudo que conhecemos será tokenizado, com uma representação segura dentro do blockchain”, diz o cofundador.

Em 2019, Capucio e Mascarenhas participaram de um programa de um ano na Singularity University, no Vale do Silício. A ideia trabalhada foi a Cryptolands: um jogo que envolvia a compra e venda de lotes de planetas e doações associadas. Os terrenos são ficcionais, mas o dinheiro transacionado era de verdade.

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A mentoria na Singularity University levou os empreendedores a focarem em um segmento do dia a dia, em que o NFT chegaria mais rápido.

“O NFT pegou na arte. Entendemos que o segmento da música teria a primeira grande aplicação global de tokens não fungíveis com alto valor agregador. A música se digitalizou, então está próxima do NFT. Receber royalties pela música é uma prerrogativa e, como advogado, me apaixonei pelo projeto de transformar o direito autoral em NFT”, diz Capucio. A legislação brasileira garante a posse dos direitos autorais por até 70 anos após a morte do autor.

O Morgan Stanley estima que a receita da indústria da música deverá mais que dobrar entre 2017 até 2030, chegando a US$ 131 bilhões graças à substituição da mídia física pela audição por serviços de streaming. Fundos de investimento estão comprando ativos musicais como reserva de valor há cerca de quatro anos, segundo Capucio.

Um exemplo é o fundo europeu Hipgnosis. Criado em 2018, o fundo tem um valor de mercado acima de 1 bilhão de euros e se tornou parte do índice FTSE 250, da Bolsa de Londres. O Hipgnosis tem os direitos autorais de artistas como Fleetwood Mac e Neil Young. “O ativo musical é bom para diversificação do portfólio, com geração de receita em longo prazo e falta de correlação com o cenário econômico e político do momento”, diz o cofundador.

A Brodr não é um fundo, e sim um marketplace curado que conecta artistas e investidores. “Os fundos compram direitos e melhoram sua receita por meio de licenciamento e conversas com entidades de direitos autorais. Nós atuamos em um segundo passo, vendendo parte desse ativo a investidores no mercado secundário como forma de gerar uma camada adicional de valor. A revenda é uma fonte de renda adicional aos royalties”, diz Capucio. Um empreendimento com modelo similar ao da Brodr é a plataforma americana Royalty Exchange.

A Brodr adquire uma fatia minoritária no ativo do artista, como forma de manter seu interesse pela obra. A startup divide esse contrato em centenas de “frações musicais” (music shares). Os pedaços são vendidos em seu marketplace. Seus investidores receberem uma renda mensal proporcional à quantidade de music shares.

A startup afirma que todos os ativos musicais ofertados passam por conferência da propriedade por um time de advogados. A Brodr também se responsabiliza em receber os valores devidos das entidades pagadores e repassá-los aos investidores em um sistema com registro e segurança das transações. Em troca, a Brodr cobra uma taxa de 5% no recebimento de todo royalty pago. Esse valor já é considerado na apresentação da receita de cada artista apresentada no site, que é líquida.

Para comprar uma music share, o investidor faz uma transferência para a Brodr. A startup valida os dados, minera o NFT, certifica sua originalidade e registra o proprietário para ele que seja o recipiente dos royalties. Os royalties serão recebidos na carteira digital da Brodr e podem ser usados tanto para comprar mais participações ou para transferências em contas bancárias com o mesmo CPF. O investidor pode transferir seu NFT para sua carteira digital de preferência e eventualmente revender o ativo por ela.

Crescimento na pandemia

A startup fez uma primeira oferta inicial de direitos autorais (initial rights offering) em junho de 2020. No último ano, foram três ofertas de participação em obras musicais e mais de 4 mil NFTs gerados para cerca de 100 investidores.

Essas ofertas tiveram rentabilidade média mensal líquida de 1,5%, 1,5% e 3% até o momento. Vale lembrar que o pagamento de royalties tem característica sazonal, dependendo do uso da obra ou fonograma. “Provamos que o ativo musical tem pago uma rentabilidade interessante”, diz Capucio.

A Brodr divulga estimativas de rentabilidade líquida anual em seu site. Segundo o cofundador, essas projeções são baseadas na análise dos royalties pagos nos últimos anos. Quanto mais maduro o ativo, mais anos de análise de receita existem. Também são consideradas as tendências daquele nicho da indústria da música e do crescimento de todo o mercado de música em streaming. O artista também pode oferecer um deságio para receber o dinheiro dos investidores, aumentando a rentabilidade de quem empresta o dinheiro.

“Temos um departamento que avalia esse ativo e faz uma projeção. Mas vale lembrar que essa é apenas uma expectativa: o valor pago depende da performance real do ativo musical. Todo investidor deve fazer sua própria análise”, alerta Capucio.

A Brodr ganhou força um ano de isolamento social, segundo o cofundador. “A pandemia dizimou shows e os artistas zeraram suas receitas. A própria música se tornou um grande ativo”.

Recentemente, o interesse pelos NFTs também cresceu. As buscas brasileiras pelo termo tiveram um salto na segunda quinzena de março deste ano, segundo o Google Trends. “No começo do negócio, escondemos a parte tecnológica. NFT era conversa de maluco, mais prejudicava do que ajudava nosso negócio. Agora estamos voltando para as origens, atualizando o site para destacar que trabalhamos com tokens não fungíveis.”

Porém, a plataforma NonFungible.com registra uma queda no número de vendas de NFTs e no valor desses tokens não fungíveis, na comparação entre a segunda quinzena de março e a primeira quinzena de abril.

“Acredito que existe uma acomodação natural no mercado. Muitas NFTs foram criadas na ‘onda’, conforme a empolgação da novidade e de grandes projetos que saíram na mídia. O mercado dos NFTs para colecionáveis não é grande o suficiente para acomodar uma enxurrada de ativos desse tipo, pois o número de colecionadores e fãs é limitado”, analisa Capucio. “Acredito fortemente nos NFTs que possuem lastro, especialmente aqueles que geram receita recorrente. Apesar de serem mais recentes no mercado, essa classe de NFTs está vindo para ficar pois gera valor agregado real e possui fundamentos sólidos.”

Outra preocupação é com a sustentabilidade: a mineração de criptomoedas para comprar e vender NFTs é associada à emissão de milhões de toneladas de dióxido de carbono, segundo o site americano The Verge. Alguns artistas defendem usar parte dos ganhos com a venda para investir em projetos que reduzam a pegada de carbono desse investimento.

A Brodr afirma ter mais de 100 projetos musicais em seu fluxo de trabalho, que podem virar ofertas na plataforma. A startup conversa com os donos dos ativos, sejam eles os próprios músicas ou editoras e gravadoras. “Focamos em ativos com potencial de crescimento, mal explorados em termos de receitas”, diz Capucio.

Neste ano, a Brodr busca fazer 12 ofertas iniciais de direitos musicais. Essas ofertas podem ter uma fase de preferência na compra de music shares que inclui itens colecionáveis do artista, como manuscritos. A ideia é atrair fãs do artista, que investirão antes da abertura para o mercado em geral. Outro plano para este ano é abrir a operação nos Estados Unidos – a sede da Brodr fica em Belo Horizonte (Minas Gerais).

“A música será o último segmento a voltar depois da pandemia, e não sabemos quando isso acontecerá e com qual velocidade. Se a música se aproximar do blockchain, pode fazer uma virada histórica em termos de retomada de receitas. O NFT é algo do presente e está pronto tanto para artistas quanto para investidores.”

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Mariana Fonseca

Subeditora do InfoMoney, escreve e edita matérias sobre empreendedorismo, gestão e inovação. Coapresentadora do podcast e dos vídeos da marca Do Zero Ao Topo.