‘Há um grande potencial no Brasil que não é explorado’, diz presidente do conselho do Goldman Sachs International

De acordo com Durão Barroso, as oportunidades estão em commodities e recursos naturais, já que o mundo está voltado para sustentabilidade

Estadão Conteúdo

José Manuel Durão Barroso (Foto: Wilson Dias/Agência Brasil)

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Com pandemia, invasão da Ucrânia pela Rússia e tensões mais acirradas entre EUA e China, o mundo está mais incerto, o que gera custos econômicos para todos. No caso de países emergentes como o Brasil, a tendência é de que investidores resistam a colocar seus recursos aqui e prefiram destinos considerados mais seguros. Mas “cada caso é um caso”, diz o presidente do conselho do Goldman Sachs International, José Manuel Durão Barroso, e o Brasil é, no momento, um país com grande potencial – mas subaproveitado.

De acordo com Durão Barroso, as oportunidades brasileiras estão nas commodities e nos recursos naturais, sobretudo em um momento em que o mundo está voltado para as questões de sustentabilidade. Assim, o País poderia ser um líder global na transição energética. “Talvez isso não esteja sendo aproveitado ainda como se deveria porque há certas decisões nessa área (ambiental) que ainda não foram assumidas como prioridade nacional.”

Primeiro-ministro de Portugal entre 2002 e 2004 e presidente da Comissão Europeia entre 2004 e 2014, Durão Barroso evita tratar das questões domésticas brasileiras, mas destaca que o importante é não haver extremismo no futuro governo.

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A seguir, os principais trechos da entrevista.

Após a pandemia e a invasão da Ucrânia, agora temos a relação entre EUA e China se deteriorando. Quais impactos econômicos podemos esperar dessa instabilidade geopolítica?

Incertezas têm custos. Neste caso, estamos assistindo a um aumento dos custos. Também temos uma situação de cadeias de abastecimento indo para áreas mais próximas dos países consumidores. Por isso, surgem custos adicionais, dado que grande parte da chamada globalização ocorria para maximizar a economia e reduzir os custos. Agora, quando parte da produção que era feita no Sudeste Asiático passa para a Europa, os custos aumentam. Outra dimensão dessa crise é o custo da energia. A invasão da Ucrânia pela Rússia tem levado a um aumento acelerado dos custos. A própria incerteza também causa uma retração do investimento. Os investidores esperam mais à procura de alguma clarificação. Tudo isso leva a um quadro prejudicial para a economia.

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O sr. vê esse cenário como de curto ou médio prazo?

Acho que vai durar algum tempo. A inflação, para além dessa questão do aumento de energia, tinha fatores estruturais mais pronunciados: a própria situação geopolítica pode gerar um aumento de preços. Eu não uso muito a palavra desglobalização, porque o comércio internacional e o investimento transfronteiriço continuam a aumentar, mas em ritmo menor. Neste momento, não há uma completa reversão da globalização, mas há uma reglobalização, com maior incerteza e uma ordem econômica mais fragmentada. Isso vai continuar porque o dado de fundo importante é a competição entre EUA e China, que tende a piorar. Devemos estar preparados para esse cenário no médio prazo. Penso também que a invasão da Ucrânia pela Rússia, infelizmente, vai durar algum tempo.

Se não é uma desglobalização, o que seria essa mudança que vemos na organização mundial?

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Talvez seja prematuro falar de desglobalização. Mas há essa característica de regionalização (crescente). Na Europa, por exemplo, isso já existe, há uma importação das cadeias de abastecimento. É provável um cenário em que a fricção geopolítica entre EUA e China leve, por exemplo, as empresas ocidentais a ser mais prudentes em relação à China.

Como ficam os países emergentes nessa nova ordem?

É muito mais desafiador porque, em um momento de incerteza, os investidores ficam mais prudentes e gostam menos dos chamados países emergentes. Eles vão atrás de investimentos seguros, e há uma tendência de se concentrarem nas economias ditas mais desenvolvidas. Mas cada caso é um caso, e acho também que cada país deve ver as oportunidades que existem. Há uma procura maior por algumas commodities, e o Brasil é grande produtor. O País tem potencial para energias renováveis, e diria que a transição climática é um dos grandes desafios.

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O que o País precisa fazer para aproveitar ao máximo esse potencial?

Um exemplo que conheço bem: o acordo entre a Europa e o Mercosul. É óbvio que o Brasil poderia ter um acesso muito maior ao mercado europeu. O País poderia aumentar a performance, o desempenho. O Brasil talvez seja o país no mundo com maior riqueza em biodiversidade. O Brasil pode ser um líder global na transição energética, negociando condições para essa transição, e também pode dar uma contribuição em um futuro com menos carbono. Espero que o Brasil aproveite essas oportunidades.

O sr. falou da questão ambiental e do Mercosul. Um dos motivos que têm travado o acordo Mercosul-União Europeia é a postura do Brasil em relação ao meio ambiente. Como está hoje a imagem do Brasil no exterior em relação a isso?

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Basicamente, isso que estou a dizer: há um grande potencial que não está sendo totalmente explorado. Quero ser bastante prudente no que vou dizer, porque é uma questão de soberania. Também não gosto quando vejo alguém de fora do meu país dizer aquilo que devo ou não fazer. Ao mesmo tempo, acho que faz sentido, do ponto de vista brasileiro, o País ser um líder nas discussões ambientais, pois tem recursos naturais, e não aparecer, como às vezes aparece, como um parceiro relutante. O Brasil deve pensar: o que faz melhor para si próprio e para o planeta, como um líder global que é? O Brasil é uma das maiores economias do mundo e tem, portanto, responsabilidades também. A dimensão traz consigo responsabilidades. Há uma boa vontade em relação ao Brasil. Se compararmos com as outras economias ditas emergentes, nenhuma outra tem isso. Mas talvez isso não esteja sendo aproveitado ainda como se deveria porque há certas decisões nessa área (ambiental) que ainda não foram assumidas como prioridade nacional.

Quando o sr. esteve à frente de Portugal e da Comissão Europeia, havia uma força da esquerda no comando dos países da América Latina. Agora, ela parece estar voltando e, no Brasil, o ex-presidente Lula é o candidato mais bem posicionado na corrida eleitoral, de acordo com as pesquisas de intenção de votos. Como o sr. vê o retorno da esquerda na região e o que pode mudar na ordem global com isso?

Mais uma vez, não quero interferir nos assuntos internos. Hoje não estou na política, mas fui conhecido como um político de centro-direita, em termos europeus. Dito isso, não vejo problema em direita ou esquerda. Vejo problema em extremistas. Se o futuro da América Latina é uma esquerda moderada, reformista, que luta por mais justiça social, me parece legítimo e aceitável. Agora, se vamos para uma esquerda populista, protecionista ou até com ideias totalitárias, como temos em situações não democráticas, como Cuba e Venezuela, obviamente que não é bom, pelo menos na minha visão de mundo.

Isso também vale para a direita?

Mesma coisa com a direita. Se é reformista, moderna, procura o desenvolvimento de uma economia mais competitiva, é válido. Se temos uma direita nacionalista, revanchista, xenófoba, sob o ponto de vista dos meus valores, isso é negativo. O grande problema não é um conflito entre esquerda e direita. Nos sistemas democráticos, isso é positivo. O problema são visões radicais de uma certa esquerda ou de uma certa direita. Isso pode acontecer não apenas na América Latina, mas em outras partes do mundo.

O sr. vê Lula e Bolsonaro como extremistas?

Não vou entrar nessa qualificação. Compete ao povo brasileiro escolher o presidente. Mas há uma coisa que quero dizer: continuo a acreditar que o Brasil é uma grande democracia e tenho grande confiança na força da sociedade civil brasileira, em parte por causa da mídia.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.