Uber no detalhe: 16 brasileiros foram mortos por segurança falha no app, mostra livro

O livro "Super Pumped: The Battle for Uber" será lançado no dia 3 de setembro e relata a ascensão e os graves problemas da companhia ao longo dos anos

Allan Gavioli

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SÃO PAULO – Revolucionária, a Uber conseguiu conectar motoristas a passageiros de forma rápida, com o enorme diferencial de ser praticamente livre de burocracias cadastrais. Porém, aqui no Brasil, essa estratégia não teve exatamente o resultado esperado: veículos roubados e incendiados, assaltos constantes e 16 motoristas assassinados fizeram parte da história da empresa no país.

É o que relata o jornalista Mike Isaac em seu novo livro-reportagem “Super Pumped: The Battle for Uber” (ainda sem tradução oficial), cujo lançamento está marcado para a próxima terça-feira (3) nos Estados Unidos. Mike Isaac é repórter do The New York Times e cobre a companhia desde sua fundação em 2009.

No livro, ele descreve a trajetória da Uber ao longo da última década e como a empresa mudou para sempre o conceito de mobilidade urbana, mas também relata as transformações que a companhia sofreu para crescer cada vez mais rápido e como essas mudanças acarretaram em problemas graves.

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São abordados desde os escândalos que culminaram na saída do fundador Travis Kalanick (e forçaram uma remodelação dos valores da companhia) até como as falhas de segurança fizeram do Brasil, um importante mercado para a Uber, uma verdadeira incógnita na questão da segurança.

Roubos e assassinatos: a ‘roleta russa’ da Uber

Uma das maiores vantagens iniciais do aplicativo em relação aos táxis convencionais foi uma experiência em que nem o motorista nem o passageiro se preocupassem em manusear cédulas de dinheiro ou maquininhas.

As cobranças eram feitas diretamente no cartão de crédito – e posteriormente débito – do cliente e já repassadas para a conta do motorista. Mas em muitos mercados emergentes, como o Brasil, a gigante da mobilidade aceitou receber pagamentos em dinheiro para acelerar o crescimento e manter o usuário na plataforma.

Também nesses mercados, a Uber, para aumentar consideravelmente o número de motoristas em polos como São Paulo e Rio de Janeiro, começou a solicitar apenas um e-mail válido e um telefone para cadastro.

Para os passageiros, funcionou da mesma forma: apenas um e-mail e um telefone para contato já era o suficiente para conseguir chamar um carro. Mas a medida, que facilitou o ingresso de muitos motoristas na plataforma, diminuiu consideravelmente a segurança. 

Sem necessidade de comprovações cadastrais via número de cartão de crédito, motoristas estavam sujeitos a ações de criminosos, que tinham uma extrema facilidade em criar contas falsas para entrar no aplicativo com intuito malicioso.

Isaac relata que, no Brasil, as corridas funcionavam como uma espécie de ‘roleta russa’, pois, de acordo com o autor, era impossível saber se realmente seria feita uma corrida, ou se o motorista seria assaltado, agredido ou, em casos extremos, morto.

“Veículos foram roubados e queimados; os motoristas foram agredidos, roubados e ocasionalmente assassinados”, diz um artigo publicado pelo autor no New York Times na última sexta-feira. “E a empresa manteve o sistema de cadastramento de baixa segurança por anos, mesmo com o aumento da violência.”

No total, pelo menos 16 motoristas foram assassinados no país, relata Isaac. O autor ainda diz que a obsessão por um crescimento acelerado e constante fez com que a questão da segurança, principalmente em mercados emergentes, ficasse um pouco de lado.

Ao longo dos episódios violentos, o ex-CEO Travis Kalanick e Ed Baker, ex-funcionário do Facebook que havia sido contratado para aumentar a presença sul-americana da empresa, afirmaram que o Uber era mais seguro do que um táxi tradicional porque as corridas poderiam ser rastreadas via GPS.

“Kalanick e outros executivos da Uber não ficaram totalmente indiferentes aos perigos enfrentados pelos motoristas nos mercados emergentes”, diz um trecho do livro.

“Sua fixação no crescimento, sua crença em soluções tecnológicas e uma aplicação casual de incentivos financeiros que muitas vezes inflamavam os problemas culturais existentes eram mais importantes que a segurança em si”, conclui o autor.

Estatísticas

Em setembro de 2016, o motorista da Uber Osvaldo Luis Modolo Filho, de 52 anos, aceitou um pedido de corrida de um casal de adolescentes em São Paulo para ser pago em dinheiro.

A poucas quadras do destino, os passageiros – que chamaram a corrida pelo aplicativo com um nome falso – anunciaram o assalto, armados de facas.

Osvaldo reagiu e foi repetidamente esfaqueado pelo casal, que foi embora com seu SUV preto. De acordo com o relato dos criminosos, a dupla queria o carro de Osvaldo para desmanche.

Mais tarde, a polícia encontrou o carro, prendeu o casal e os acusou de assassinato. Em resposta, a Uber lamentou a morte e disse que Osvaldo foi o primeiro motorista a ser assassinado no Brasil. Mas ele não seria o último.

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De acordo uma reportagem feita pela Reuters em 2017, baseada em um estudo feito com dados da Secretaria de Segurança Pública (SSP) de São Paulo, os roubos envolvendo motoristas da Uber aumentaram dez vezes após a companhia ter começado a aceitar pagamentos em dinheiro.

Os ataques aumentaram de uma média de 13 por mês nos primeiros sete meses de 2016 para 141 por mês no resto do ano, mostram os dados.

O discurso da polícia, de acordo com a Reuters, foi que política de aceitar dinheiro físico como forma de pagamento fez com que motoristas se tornassem alvos fáceis para criminosos, já que obriga o profissional a andar com quantidades relevantes de dinheiro em espécie.

Medida polêmica para aumentar a segurança

Era abril de 2014 e a Uber anunciava uma nova tarifa de US$ 1, a chamada “taxa de corridas seguras”.

A companhia descreveu a cobrança como necessária para financiar “um processo de verificação de antecedentes, checagens regulares de veículos, educação sobre segurança aos motoristas, desenvolvimento de recursos de segurança no aplicativo e seguro”, relata Isaac em seu artigo.

Porém, de acordo com o autor do livro, essa nova tarifa se mostrou uma farsa. A taxa de corridas seguras foi planejada principalmente para adicionar US$ 1 de margem liquida a cada viagem, ou seja, uma forma de arrecadar um dinheiro sem precisar repassar nada ao motorista.

O artigo ainda diz que, ao longo do tempo, documentos judiciais provaram que essa tarifa trouxe quase meio bilhão de dólares para a empresa. Depois que o dinheiro foi arrecadado, apenas uma fração de US$ 30 milhões foram para uma campanha de marketing sobre “viagens mais seguras”

Por fim, a Uber lançou um serviço aprimorado de verificação de identidade e aumentou a segurança em seu aplicativo para clientes brasileiros.

De tempos em tempos, a empresa pede, aleatoriamente, que o passageiro confirme sua identidade ao entrar em uma corrida, evitando assim fraudes ideológicas e contas falsas.

Posicionamento da Uber

Procurada pelo InfoMoney, a Uber, em nota, afirmou que a segurança de seus motoristas e usuários é a prioridade do negócio e que seus investimentos constantes novas tecnologias são para garantir a maior segurança possível na plataforma.

Uma dessas tecnologias é um recurso de machine learning, que usa a tecnologia para bloquear viagens consideradas mais arriscadas. E, para os motoristas parceiros, uma ferramenta que inclui um botão para ligar para a polícia em situações de risco ou emergência diretamente do app.

Os usuários e motoristas também podem compartilhar a localização, o trajeto e o horário de chegada, em tempo real, com quem desejar. Já a comunicação entre passageiro e motorista é sob sigilo telefônico e mensagens ofensivas enviadas via bate-papo pelo app acionam, imediatamente, um processo de desativação permanente da conta.

“A Uber vem atuando permanentemente para tornar sua plataforma a mais segura possível para usuários e motoristas parceiros – o que foi reforçado depois que o seu atual CEO, Dara Khosrowshahi, tornou a segurança a principal prioridade da empresa”, diz a companhia em nota.

Em relação aos problemas gerados pelo pagamento em dinheiro, a Uber diz que possui uma tecnologia para validar as informações de quem não possui um cartão cadastrado no aplicativo.

“Mais recentemente, a Uber anunciou uma parceria com a Serasa Experian para validar as informações de identificação dos usuários do aplicativo que quiserem pagar suas viagem somente em dinheiro”, diz a nota. “A ferramenta que fará a checagem, denominada U-Check, foi a primeira a ser desenvolvida pelo recém-constituído time de engenheiros do Tech Center instalado pela empresa em São Paulo”. 

A companhia afirma também que os motoristas parceiros possuem um canal telefônico gratuito e 24h para solicitar apoio, tanto da Uber quanto das autoridades, em caso de incidentes.

Além disso, a Uber oferece a seus parceiros e passageiros um seguro com cobertura de até R$ 100.000 em caso de acidentes que ocorram durante as suas entregas e corridas e um reembolso de até R$ 15.000 em despesas médicas.

“A Uber conta com uma equipe de suporte especializada em segurança disponível 24 horas por dia, sete dias por semana, que analisa individualmente caso a caso e que pode banir da plataforma usuários ou motoristas que tiverem uma média baixa de avaliações ou conduta que viole os termos de uso”, termina a nota.

Allan Gavioli

Estagiário de finanças do InfoMoney, totalmente apaixonado por tecnologia, inovação e comunicação.