US$ 6,5 bi em espécie: como pagamentos em dinheiro atrapalham a Uber

Cerca de 13% dos pagamentos das corridas foram feitas com dinheiro em espécie. Uber diz que prática é arriscada para a companhia e motoristas

Allan Gavioli

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SÃO PAULO – A Uber gosta de dizer que revolucionou o universo da mobilidade, mas, em algumas áreas do mundo, chamar um veículo ou pedir comida tem uma abordagem de pagamento antiquada – e potencialmente problemática: o dinheiro em espécie.

Em 2018, as viagens pagas em dinheiro representaram cerca de 13% das receitas das corridas e entregas de alimentos, o que equivale a cerca de US $ 6,5 bilhões.

Contra os valores da empresa?

Em boa parte dos mercados onde atua, incluindo Índia, Brasil e México, além de outros países da América Latina, Europa, Oriente Médio e África, a Uber permite que os consumidores paguem em dinheiro a corrida ou entregas de refeições via Uber Eats, já incluindo sua taxa de serviço.

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Mas aceitar dinheiro contradiz alguns dos maiores pontos de venda do Uber para os consumidores e para a empresa. Entre eles, a segurança e conveniência de pagar com cartão de crédito/débito e receber pagamentos em nome de motoristas que não precisam lidar com dinheiro.

A Uber tem de implementar sistemas caros para os motoristas coletarem e depositarem dinheiro e para a empresa coletar, depositar e contabilizar adequadamente o dinheiro recebido. Mas essas políticas nem sempre são “eficazes, convenientes ou amplamente adotadas pelos motoristas”, admitiu a empresa em nota.

Operar um sistema que aceita dinheiro em espécie também gera riscos adicionais de conformidade legal e regulatória, como preocupações com potencial lavagem de dinheiro. E, em locais onde o crime é violento e constante e a evasão fiscal é recorrente, a Uber pode nunca ver o dinheiro.

O último boletim trimestral da Uber junto à SEC (Securities and Exchange Commission) classifica o dinheiro físico como um “fator de risco” do negócio.

Os riscos associados à operação fora dos EUA incluem o desafio de administrar operações em locais onde os passageiros e clientes de alimentos preferem dinheiro por crédito ou débito.

Nos casos mais recentes, a Uber afirma que seus negócios são “substancialmente dependentes de operações fora dos Estados Unidos”.

Problemas no Brasil

A Uber diz que em certas jurisdições, como o Brasil, foram relatados graves incidentes de segurança que resultaram em roubos e ataques violentos e fatais a motoristas durante o uso da plataforma.

A endêmica violência urbana que se alastra pelo Brasil causa muitos problemas para a Uber e, principalmente, para os motoristas cadastrados no aplicativo. Ao permitir que as viagens possam ser pagas em dinheiro, a Uber força o motorista a andar com quantias consideráveis de moeda em especie, tornando-se um alvo em potencial para criminosos.

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O portal G1 apurou que entre o primeiro e o segundo trimestre de 2018 houve um aumento de 18,5% nos casos de roubos a motoristas de aplicativo e, de acordo com o Estadão, a Uber registra um roubo a cada oito horas no estado de São Paulo.

Mesmo assim, a cidade de São Paulo é a que mais usa o aplicativo no mundo, entre os 65 países em que a companhia opera, como divulgado na pesquisa do Datafolha. O Brasil é o segundo maior mercado da Uber no mundo, perdendo apenas para os Estados Unidos.

“É provável que os motoristas da Uber prefiram dinheiro se pegarem e deixarem passageiros em áreas fora do São Paulo e Rio, por exemplo, em bairros controlados por gangues criminosas”, disse um executivo que prefere permanecer anônimo ao MarketWatch. “Nesses locais, os motoristas provavelmente têm que pagar propinas em dinheiro às gangues para poder operar”.

Em junho, a Folha de São Paulo informou que a polícia do Rio de Janeiro estava investigando a relação entre milícias na favela Rio das Pedras, na zona oeste da capital, e um aplicativo de transporte criado para uso exclusivo em favelas.

A polícia está investigando se os responsáveis pelo aplicativo têm ligações com a gangue que controla o bairro. Quando um passageiro em potencial solicita o Uber na região, recebe uma mensagem de que o serviço não está disponível.

“Para aumentar a segurança dos motoristas e usuários parceiros, nosso aplicativo pode impedir solicitações de viagens de áreas com desafios de segurança pública em horários específicos ou dias específicos”, disse a Uber ao jornal naquela época.

Na hora da contabilidade

Para fins contábeis, a Uber afirma que não reconhece taxas de serviço não coletadas por viagens pagas em dinheiro em suas demonstrações financeiras consolidadas até que elas sejam realmente pagas à companhia.

Tom Selling, professor emérito da Thunderbird School of Global Management, disse ao MarketWatch que a política da Uber de atrasar o reconhecimento da receita até que a cobrança em dinheiro pareça apropriada e de acordo com os US GAAP.

“Isso cria uma dificuldade para a Uber cumprir com as divulgações que explicam as tendências materiais nos fluxos de caixa de suas operações brasileiras”, acrescentou.

“Por exemplo, é provável que as cobranças em dinheiro dos motoristas variem materialmente ao longo do tempo”, exemplifica Selling.

A Uber em números

O último relatório de lucros da Uber, divulgados na semana retrasada, mostrou um prejuízo de US $ 5,24 bilhões no segundo trimestre e fez com que as ações caíssem 12% em resposta ao péssimo desempenho da companhia.

A Uber informou em documentos do seu IPO que 24% de suas reservas brutas em 2018 vieram de apenas cinco áreas metropolitanas – Los Angeles, Nova York e São Francisco nos EUA; Londres no Reino Unido; e São Paulo no Brasil.

A empresa define reservas brutas como o valor total, em dólares, incluindo impostos, pedágios e taxas, de viagens de passageiros e entregas de refeições Uber Eats sem ajuste para descontos e reembolsos ao consumidor, ganhos de motorista e restaurante e incentivos de motorista. As reservas brutas também não incluem bonificações para os motoristas.

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Allan Gavioli

Estagiário de finanças do InfoMoney, totalmente apaixonado por tecnologia, inovação e comunicação.