Google mostra quais startups cresceram na pandemia e o novo perfil do fundador de startups

Fernanda Caloi, diretora de programas do Google for Startups na América Latina, fala sobre startups durante a pandemia e participação feminina na tecnologia

Mariana Fonseca

(Helena Lopes/Pexels)

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SÃO PAULO – A pandemia do novo coronavírus completou recentemente um ano em terras brasileiras. A tragédia na saúde teve reflexos no mundo das startups. Algumas tecnologias viram demanda recorde ou queda abrupta de clientes, diante do isolamento social. A cobrança também foi grande para os fundadores desses negócios: o trabalho em casa fez preocupações profissionais e pessoal se misturarem, e os líderes tiveram de se tornar mais empáticos.

O prolongamento da pandemia deve fazer com que tais movimentos continuem. Outro caminho que deve continuar a ser trilhado é o desses fundadores passarem a promover mais diversidade no seu quadro de funcionários – ou que eles próprios representem a variedade de gênero e raça.

A análise é de Fernanda Caloi, diretora de programas do Google for Startups na América Latina. O Google for Startups começou a operar em terras brasileiras no ano de 2016. Fernanda acompanhou desde então o crescimento de negócios escaláveis, inovadores e tecnológicos no país. O maior programa de aceleração do Google for Startups, chamado Google for Startups Accelerator, acumula 85 startups participantes – inclusive algumas que chegariam a avaliações de mercado bilionárias, como Nubank e Loggi.

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Além do crescimento das startups, outra tendência vista por Fernanda é um aumento progressivo da participação de mulheres no ecossistema de tecnologia. Esse percentual passou de 31% para 43% entre 2016 e 2021 na comunidade cadastrada no Google for Startups. Apenas entre fundadores, a participação foi de 21% para 28%.

Para aumentar essa porcentagem, a edição atual do Google for Startups Accelerator é formada apenas por startups com uma fundadora ou executiva C-Level do sexo feminino. As startups selecionadas foram Gupy, Safe Space, Justto, Datarisk, DealerSites, Hygia Bank, Redação Nota 1000, Manipulaê, Grão e Leads2b.

Veja os principais trechos da entrevista com Fernanda Caloi, diretora de programas do Google for Startups na América Latina:

InfoMoney – Quais foram os efeitos da pandemia do novo coronavírus nas startups aceleradas pelo Google?

Fernanda Caloi – Anunciamos uma turma de dez startups para o Accelerator em março de 2020. Poucos dias depois, tivemos de transformar essa residência para um formato 100% online. Vivemos na pele esse “segura na minha mão” entre os empreendedores: todos assumiram esforços repentinos de digitalização e de manutenção da sanidade mental própria e dos funcionários.

A principal mudança foi que os líderes se tornaram âncoras de segurança para além da empresa, ajudando seus membros a passaram por esse momento de pandemia. Entre as startups da nossa aceleração, todas enxugaram todos os gastos que podiam para preservar empregos o máximo possível. Os líderes precisaram ser flexíveis e tomar decisões com agilidade, para não deixar empresas à deriva. Nos primeiros três meses, ninguém sabia direito como seria a demanda pelos negócios. Os empreendedores verificaram apenas depois desse período uma volta na utilização das suas soluções.

Fernanda Caloi, diretora de programas do Google for Startups na América Latina
Fernanda Caloi, diretora de programas do Google for Startups na América Latina (Divulgação)

IM – 2021 será uma continuação de 2020 para os fundadores de startups?

FC – A digitalização entrou até para empresas que não a buscavam, seja pelo trabalho remoto ou pela venda online de produtos ou serviços. O que era adaptação virou consolidação. 2021 é diferente: colhemos aprendizados do último ano e o foco das startups está em melhorar o produto, agradar usuários e finalmente voltar a crescer. Temos startups mais resilientes e robustas, e líderes mais preparados depois de um 2020 muito duro.

Os donos de negócios devem olhar mais para satisfação e segurança do time, porque essas são as garantias de um bom atendimento ao cliente ou bons projetos. A vida da pessoa física e da jurídica se mesclou, os filhos dividem espaço e tempo com o home office. Os líderes precisam praticar a empatia e fazer seus funcionários se sentirem acolhidos. Isso inclui esforços pela diversidade.

Outra tendência trazida pela pandemia, além da digitalização e da importância da liderança, foi a internacionalização das startups. O fundador brasileiro costumava ter uma síndrome de vira lata, e a transformação digital mostrou que não é preciso se limitar ao mercado local. Mais produtos nascem com versões em inglês ou espanhol, e mais fundadores têm esse pensamento interacional. Alguns exemplos no próprio Google for Startups são as startups Creators e Trakto, que conquistaram clientes fora do Brasil.

IM – Quais setores foram vencedores em 2020? E quais serão em 2021?

FC – Negócios que atendem necessidades essenciais foram beneficiados, como delivery de alimentos e logística de outros produtos. As fintechs também ganharam importância, como muitas pessoas não puderam mais ir até agências bancárias. Outro setor beneficiado foi o de ferramentas de atendimento e produtividade: essas áreas tiveram de melhorar muito, o que levou ao crescimento de soluções para trabalho remoto ou para live commerce, por exemplo.

Esses são setores com desenvolvimento de curto e médio prazo. Educação e saúde são importantes faz anos, e a demanda por soluções melhores explodiu na pandemia. Startups de atualização educacional e de prescrição digital de remédios, por exemplo, crescem desde o último ano.

IM – As mulheres fundam 46,2% dos negócios brasileiros, número que cai para 9,8% considerando apenas as startups, segundo o estudo Female Founders Report/Distrito. Por quê, e quais atitudes foram tomadas nos últimos cinco anos para aumentar a participação feminina na criação desses negócios?

FC – As mulheres começam muitos negócios, mas nem sempre se sentem à vontade para começar um negócio com tecnologia. Temos uma lacuna tanto em capacitação quanto em cultura. As mulheres são executoras, mas falta inserção em um meio de conversas com investidores e de ambição em criar um negócio gigante, não apenas resolver um problema.

Diversas organizações levantaram a bandeira de que lugar de mulher também é na tecnologia. Principalmente promovendo educação em desenvolvimento de produto, programação e outras áreas técnicas. O objetivo é que a mulher se sinta confortável para ser tanto programadora quanto uma executiva de tecnologia.

Nós começamos criando o Campus for Moms, um espaço com capacitações onde as mães poderiam levar seus filhos. Depois, criamos iniciativas de networking para fundadoras e apoiamos eventos de outros grupos no espaço do Google. Ouvi muitas empreendedoras falando que se sentiram bem-vindas. O boca a boca na pessoa física foi crescendo, e mais mulheres se sentiam confiantes para fazer a inscrição. Dar visibilidade para as histórias de fundadores também é fundamental, por ser outra fonte de confiança para a criação de mais startups por mulheres.

Vimos uma mudança também por parte dos fundos de capital de risco (venture capital). Quase todos hoje tem pelo menos uma executiva mulher: Canary, Endeavor, Maya Capital, Redpoint eventures, Wayra e Vox Capital, por exemplo. É mais difícil que a reunião seja completamente masculina hoje. Esse é o básico: devemos continuar cobrando e impedir que as organizações tenham apenas uma representante feminina, pelo simbolismo.

IM – Fale sobre a turma atual do Google for Startups Accelerator. Por que é importante ter uma turma completamente composta por fundadoras? A aceleração teve alguma adaptação?

FC – Decidimos que essa turma deveria ter startups com ao menos uma fundadora ou uma executiva C-Level, como uma diretora de área. Isso porque ainda é difícil achar startups avançadas apenas com fundadoras mulheres. O objetivo é que essas mulheres consigam trocar experiências.

As mentorias acontecem entre abril e junho. Em abril, construiremos projetos técnicos. Em maio, teremos um módulo de liderança. Por fim, faremos um demo day [série de apresentações curtas das startups] em junho para uma turma de mentores, com análise dos resultados da aceleração.

Uma diferença neste ano é que colocamos um módulo de liderança bem mais robusto. A parte técnica é um diferencial da aceleração, mas achamos importante também que as participantes troquem experiencias e dificuldades e que descubram suas forças e fraquezas em liderança.

IM – Qual o objetivo de presença feminina do Google for Startups, para além da participação de 43% na comunidade e de 28% nos fundadores de startups?

FC – Buscamos uma representatividade feminina de 50% na comunidade e nos fundadores, e uma mesma representativa em raça parda e preta. Essa a população brasileira e queremos representá-la de acordo. Estamos investindo em iniciativas que gerem qualificação e networking para esses públicos, porque isso aumenta o volume de inscrição e mais mulheres avançam para as próximas fases como consequência.

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Mariana Fonseca

Subeditora do InfoMoney, escreve e edita matérias sobre empreendedorismo, gestão e inovação. Coapresentadora do podcast e dos vídeos da marca Do Zero Ao Topo.