Da revolução dos negócios ao carro customizado: como a indústria 4.0 vai mudar a sua vida

A Quarta Revolução Industrial deve gerar ganhos incalculáveis para os negócios, mas a pandemia pode atrasar a agenda da indústria 4.0 no Brasil

Giovanna Sutto Allan Gavioli

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SÃO PAULO – Você está dirigindo e uma luz no painel acende indicando que o carro precisa de uma revisão. Você aciona um botão no painel, que manda uma mensagem para a montadora, um guincho busca seu carro no trabalho ou onde você estiver na parte da manhã e depois do almoço o veículo terá sido devolvido. Simples assim.

“É esse processo que a aplicação da indústria 4.0 pode trazer no futuro. Um serviço ágil, por meio de inteligência artificial e internet das coisas (IoT) e outras tecnologias integradas. Esses recursos fornecem análises de rotinas produtivas e de funcionamento de processos, o que promove uma gestão melhor e mais qualidade nos resultados. E as redes têm uma relação comunicacional que podem reportar falhas – como essa do carro”, explica Milad Kalume Neto, diretor de novos negócios, da consultoria automotiva Jato Dynamics.

O serviço do setor automotivo é apenas um pequeno exemplo do que pode acontecer com a chegada da indústria 4.0. Provavelmente você já ouviu o termo, mas os processos envolvidos na chamada Quarta Revolução Industrial são inúmeros.

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“As revoluções anteriores trouxeram uma aceleração da produção, primeiro com animais, depois com a mecânica e posteriormente com linhas de produção. Só que a chegada da indústria 4.0 inclui a gestão de qualidade por meio de dispositivos inteligentes”, explica Rebeca Toyama, especialista em desenvolvimento de carreira, e que estuda a Revolução 4.0 e seus efeitos no mercado de trabalho.

Muito da revolução provocada pela indústria 4.0 vem do simples fato de que as máquinas passam a conversar entre si, por meio da conexão à internet. A mesma revolução que a internet provocou no mundo das comunicações, portanto, deve acontecer com os objetos, segundo os especialistas.

Segundo ela, essa revolução inclui três características que a difere de tudo o que já vivemos: “A velocidade, porque ao contrário do que já foi visto, a evolução acontece em ritmo exponencial e não linear; profundidade, porque combina várias tecnologias, trazendo mudanças de paradigma sem precedentes na economia, nos negócios e na sociedade, que estão modificando não apenas o ‘o que’ e o ‘como’ fazemos, mas também ‘quem’ somos; e por fim, o impacto sistêmico, porque conecta e transforma sistemas inteiros de empresas, indústrias e até países”, complementa.

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Impacto na produção e no dia a dia

Para João Emilio, gerente de política industrial da Confederação Nacional da Indústria (CNI), os impactos potenciais são diversos e incluem aumentar eficiência, usar os recursos de forma mais eficaz, reduzir custos, aumentar o controle da produção e segurança, antecipar falhas e monitorar melhor a qualidade.

“Tudo isso cria condições para uma conexão digital direta com o consumidor. Isso vai gerar a customização on-demand, ou seja, você personaliza cada detalhe do carro no site da montadora e recebe em casa. E a fábrica terá uma capacidade de produção para montar o carro de cada consumidor individualmente, mas na mesma linha de produção. Em outras palavras, a tecnologia 4.0 permite a fabricação exata do que o cliente quer, em uma espécie de customização em massa.”

Na prática, antes cada linha de produção só permitia a manufatura dos mesmos artigos. Então, uma máquina fabricava objetos retangulares, outra triangulares e uma terceira os redondos, por exemplo. Com a 4.0 a mesma esteira produz os três tipos a partir do pedido feito pelo cliente. Isso vale para carros, roupas, decoração etc. “Esse processo dá escala e agilidade na execução, além de ganho de eficiência na venda porque o consumidor fica livre para escolher como quer a mercadoria. Então, a produção artesanal, feita sob medida, ganha escala”, diz Emilio.

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Emílio conta, por exemplo, que visitou uma fábrica de cerâmica que podia estampar desenhos em vários formatos de vasos.

Ele acrescenta que o conceito de pay per use, que consiste no pagamento de um serviço por determinado período, é alavancado pela indústria 4.0, que integra sistemas diferentes para oferecer um serviço. “A camisa de futebol, quando o cliente pede número e nome na parte de trás é uma customização sob demanda. As fábricas de veículos também já possuem recursos que auxiliam na compra online e ganharam espaço em meio à pandemia. O primeiro passo é produzir o que já é feito, mas em ambiente 4.0 para aumentar qualidade, agilidade e segurança”.

Por fim, Rebeca explica que na quarta revolução industrial existem quatro megatendências tecnológicas mais tangíveis: veículos autônomos, impressão em 3D, robótica avançada e surgimento de novos materiais.

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“Várias empresas já testam seus carros autônomos, embora ainda seja preciso avaliar a estrutura urbana; a tecnologia de impressão 3D possui uma ampla gama de utilizações, de turbinas eólicas a implantes em cirurgias médicas. Além disso, os robôs são cada vez mais utilizados em todos os setores, na agricultura, na enfermagem e outros; e materiais mais leves, fortes, recicláveis e adaptáveis estão entrando no mercado e poderão ser usados em diversas situações”, diz.

Panorama no Brasil 

O gerente de política industrial da CNI afirma que, nesse momento, a prioridade das empresas no mundo todo é preservar caixa, então é natural que a agenda da indústria 4.0 fique para depois. “Mas é importante ter estratégia para que a agenda seja retomada o mais rápido possível. Em um momento pós-crise, a busca será por mais produtividade e redução de custo, e a inclusão de tecnologias dessa nova indústria, que tornam sistemas mais inteligentes e eficientes, serão muito bem-vindas” afirma.

Segundo ele, empresas de todos os setores precisam achar oportunidades para serem mais competitivas, em um cenário em que a oferta vai aumentar.

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Eduardo Endo, coordenador de pós-graduação da Faculdade de Informática e Administração Paulista (FIAP), afirma que a pandemia possibilitou a aceleração digital em todo os setores. “Mas algumas empresas se adaptaram e outras não. Indústria, comércio e serviços terão de acompanhar essa transformação constante do crescimento exponencial da expectativa criada pelo cliente. Após a experiência no digital, não tem volta para uma opção analógica. E é isso que vai moldar o desenvolvimento dessa revolução.”

Emilio, da CNI, explica que o Brasil vinha trabalhando na agenda da indústria 4.0 com implementação de tecnologias em empresas de todos os portes. “No país, é um fenômeno novo que ganhou força em 2013. Sempre defendemos que estávamos em um ótimo momento pra acelerar processos de modernização rumo à indústria 4.0. Naturalmente, alguns países tinham e têm contextos mais favoráveis, mas sempre enxergamos a possibilidade para a indústria brasileira ganhar produtividade e visibilidade”.

Não avançar nesse processo significaria separar ainda mais as empresas que operam nacionalmente do resto do mundo. “Era uma pauta fundamental no Brasil pré-pandemia para garantir a competitividade da indústria brasileira. Com a crise, esse tema sumiu da pauta, mas sabemos que grandes empresas continuam perseguindo esse objetivo. Perder velocidade no processo é ter impacto nos negócios – mesmo nas companhias internacionalizadas”, afirma.

Além disso, ele diz que um dos desafios é fazer essa tecnologia chegar nas pequenas e médias empresas, que representam 27% do PIB do país. “Mas ainda estamos em uma etapa que consiste em explicar o que é e quais são os benefícios para a produtividade para desmitificar a crença de que só empresa grande precisa de tecnologia”, diz Emilio.

Setores em destaque

A indústria automobilística e o setor de infraestrutura tecnólogica são os destaques citados pelos entrevistados.

Carlos Hardt, professor do curso de Arquitetura e Urbanismo da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR), ressalta que os setores da indústria brasileira funcionam de forma diferente. “A velocidade de incorporação dos procedimentos será mais ágil em segmentos que têm alto valor agregado em seus produtos (como o setor automotivo, indústria da informática). Ao mesmo tempo há setores de baixo valor agregado e que ainda têm procedimentos do século passado, como a agricultura de pequeno porte”.

O Brasil abriga, além da desigualdade de renda, um grande desequilíbrio nas capacidades e processos de trabalho, segundo ele. “Enquanto alguns setores estão desempregando funcionários por mudar os processos produtivos com a chegada da 4.0, outros ainda operam em sistemas obsoletos”, diz.

Neto afirma que o setor automotivo também está bem desenvolvido no Brasil. “A indústria já tem muita coisa robotizada, processos complexos nesse sentido da 4.0 já operando aqui no Brasil. Mas ainda há um longo caminho até ser possível oferecer um sistema completo de atendimento usando inteligência artificial, internet das coisas, tecnologias integradas e o próprio carro autônomo”, afirma. A Volkswagen, o Grupo Fiat Chrysler Automobiles (FCA), e a Renault são exemplos de empresas que já contam com processos nesse estilo em suas produções.

Ele ressalta que no Brasil ainda há uma questão adicional que pode atrapalhar o desenvolvimento da indústria 4.0: o custo. “Tecnologia é dinheiro. Quando sua população, no geral, não tem poder aquisitivo para consumir a novidade é mais difícil vender. Um carro mais tecnológico e integrado a sistemas internos da empresa é muito mais caro”, explica.

Mas no mundo ideal, as montadoras conseguiriam trabalhar com estoque zero. “Produzir apenas o necessário é ótimo para a indústria e, se precisar, fica mais fácil organizar um estoque para um determinado número de dias”, complementa Neto.

Emilio diz que, naturalmente, o setor de tecnologia, principalmente focado em infraestrutura, também está acompanhando a agenda da indústria 4.0 no Brasil para atender a demanda via e-commerce, ainda mais com a pandemia, que acelerou a necessidade desse tipo de serviço no mundo corporativo.

A indústria 4.0 cresce no sentido de integrar processos que já existiam com os novos que vão surgindo. “Por isso, a ruptura que a quarta revolução causará aos atuais modelos econômicos exigirá que as figuras atuantes reconheçam que são parte de um sistema de poderes distribuídos, que requer formas mais colaborativas de interação para que possa prosperar em meio à mudança de comportamento do consumidor”, finaliza Rebeca.

Giovanna Sutto

Repórter de Finanças do InfoMoney. Escreve matérias finanças pessoais, meios de pagamentos, carreira e economia. Formada pela Cásper Líbero com pós-graduação pelo Ibmec.