CPI de Brumadinho abala ação da Vale, mas qual é a real ameaça para a mineradora?

Para analistas, medidas sugeridas não devem ser implementadas da forma proposta, mas há fator de incerteza que pode retardar recuperação das ações 

Lara Rizério

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SÃO PAULO – A sessão da última terça-feira (2) apontava para ser de tranquilidade para as ações da Vale (VALE3), que operavam perto da estabilidade após seguidos pregões de ganhos com o recorde na cotação do minério de ferro em cinco anos.

Porém, os ativos aceleram fortemente as perdas durante a leitura do parecer do senador Carlos Viana (PSD-MG) na CPI de Brumadinho, que fizeram os papéis caírem 6,67% na mínima do dia para fechar em baixa de 4,21%, enquanto outros papéis, como a CSN (CSNA3), também fecharam em queda expressiva. 

O documento, além de recomendar indiciamento de 14 pessoas, entre elas executivos da mineradora, apresentou três projetos que tratam de crimes ambientais, da segurança de barragens de rejeitos e da tributação da exploração de minério no país. E foram justamente esses projetos que elevaram os temores com relação à mineradora – principalmente o último ponto. 

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O maior destaque foi a apresentação de um Projeto de Lei que altera as regras de tributação do setor de mineração e uma alíquota máxima da Participação Especial de 40%, que recai apenas sobre as empresas com grande produção.

Conforme destaca a XP Research, em 2017, a regra dos royalties da mineração mudou, passando de 2% sobre a receita líquida para 3,5% do faturamento bruto da empresa.

O projeto prevê a criação de dois tipos complementares de tributação: royalties e participação especial. A primeira cobrança incide sobre o valor bruto da produção, enquanto o segundo se refere à receita líquida obtida em cada mina. De acordo com esse sistema, todos os empreendimentos pagam royalties, mas a participação especial recai apenas sobre aqueles com grande produção. A alíquota máxima será de 40%.

Naquele momento, houve propostas mais extremas que acabaram não se materializando por conta do entendimento da época de que boa parte do setor mineral seria inviabilizado. 

 E com base nisso os analistas mostram que o cenário mais extremo não deve ocorrer, apesar de destacarem que isso pode gerar mais um fator de incerteza e volatilidade para as ações. 

“Não esperamos um resultado tão significativo quanto os 40% de Participação Especial, dado que inviabilizaria o setor mineral no Brasil”, avalia a XP em relatório assinado pela analista fundamentalista Betina Roxo e pelo analista político Erich Decat. 

A XP aponta que o Ebitda (lucro antes de juros, impostos, depreciações e amortizações) da Vale diminuiria 1,3% para cada 1% de aumento dos royalties. Caso fosse assumido 7% de royalties (o dobro de hoje e o valor mais próximo do que são as mineradoras australianas, apesar dos encargos totais já serem maiores no Brasil), o Ebitda de 2020 cairia 4,5%.

De acordo com o Credit Suisse, ainda existe um elevado nível de incerteza com relação ao resultado final da CPI e parece razoável esperar algum nível de revisão, o que pode interromper uma escalada para um patamar mais alto que vinha acontecendo nas últimas semanas: em um mês e meio, os papéis saltaram quase 16%.

Os analistas do banco suíço apontam que a participação especial de 40% poderia impactar o lucro em até US$ 920 milhões por ano e levaria a um valor presente líquido de US$ 11,5 bilhões, correspondente a 17% do valor de mercado da Vale. 

Eles ainda apontam que outros termos da proposta parecem de difícil implementação e poderiam sofrer pressões de outras frentes do governo. “O descomissionamento total e também a decisão de impossibilitar novas barragens trariam um impacto muito severo para atividade de mineração no Brasil e, consequentemente, para a arrecadação”, o que dá mais margem de otimismo para a revisão da proposta. 

Desta forma, tanto a XP quanto o Credit Suisse mantêm recomendação equivalente à compra para os ativos, com a XP possuindo um preço-alvo de R$ 68 para as ações, o que configura um potencial de valorização de 32% em relação ao fechamento da última terça.

“Na nossa visão, após provisionar a maior parte do passivo com a tragédia de Brumadinho (US$ 5 bilhões), a Vale está focada em chegar a acordos com partes e autoridades afetadas até 2019 ou início de 2020. O acordo colocaria um fim às incertezas operacionais e legais remanescentes, permitindo que a empresa se concentre em seus negócios e que as ações sejam negociadas de volta aos fundamentos”, destaca a XP.

Betina ressalta que as ações da Vale permanecem com desconto aos pares (20%), negociadas a 4,7 vezes o EV/Ebitda projetado para 2020 e espera uma convergência gradual para os 10% que considera justos, com uma rentabilidade de 10% a 15% de sua geração de caixa em 2019-2020. O Credit também aponta que continua recomendando compra para a Vale com base no valuation. 

Enquanto isso, o Morgan Stanley reforça que, mesmo com alguns projetos do relatório que impactariam negativamente a Vale sendo considerados não-convincentes, o desenrolar dos acontecimentos mostra que as incertezas persistem após o acidente de Brumadinho, o que leva a uma recomendação da equipe de análise do banco equivalente à neutra. 

Próximos passos

Assim, os investidores em Vale devem ficar de olho nos próximos passos do relatório da CPI de Brumadinho no Congresso. Em primeiro lugar, o projeto passa pelo Senado, depois pela Câmara e em seguida é sancionado pelo presidente. 

Contudo, conforme ressalta a XP, esse tipo de proposta não é votado tão rapidamente em decorrência dos diversos interesses envolvidos e o aumento de tributação também não tem feito parte da agenda da atual equipe econômica.

“Ou seja, até o momento, não há sinalização de que o Executivo tem interesse na proposta, o que é importante do ponto de vista de articulação política em torno do projeto”, avalia. 

Desta forma, o relatório da CPI de Brumadinho não gera tanto temores para os investidores em Vale. Contudo, todo o processo pode retardar a avaliação dos ativos da companhia para patamares mais altos e representar um fator adicional de incerteza para a companhia, que já enfrenta muitos desafios. 

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Lara Rizério

Editora de mercados do InfoMoney, cobre temas que vão desde o mercado de ações ao ambiente econômico nacional e internacional, além de ficar bem de olho nos desdobramentos políticos e em seus efeitos para os investidores.