Coronavírus ou 737 Max: o que prejudica mais a Boeing?

Fabricante enfrenta fase turbulenta, mas especialista acredita que crise do Max é pior no curto prazo

Giovanna Sutto

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SÃO PAULO – Mesmo em meio ao surto do coronavírus e o derretimento dos mercados ao redor do mundo, a crise do 737 Max foi o pior evento da história da Boeing – até agora.

Os problemas com o jato custaram 346 vidas, pelo menos US$ 20 bilhões em prejuízos e a reputação outrora popular da empresa.

Nas últimas semanas, a indústria aérea vem sofrendo com cancelamento de voos e o receio das pessoas de viajar. A combinação entre restrições de viagens do governo americano, mudanças nas práticas comerciais e medo dos passageiros em relação ao vírus resultou em quedas de receita e cancelamentos em massa nos horários dos voos para empresas que formam toda a cadeia do setor.

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“Você verá algumas mudanças na maneira como as companhias aéreas planejam aviões pelos próximos dois ou três anos”, disse Michael Boyd, presidente do Boyd Group, consultoria especializada em aviação, em entrevista ao site da CNN.

A Associação Internacional de Transporte Aéreo (Iata, na sigla em inglês) estimou na semana passada que o vírus poderia custar US$ 113 bilhões à indústria. Essa estimativa já pode ser considerada baixa, dadas as novas restrições de viagens anunciadas desde então, incluindo a proibição americana da maioria dos voos vindos da Europa.

Qual o impacto do coronavírus?

Para Arthur Siqueira, sócio e analista de investimento da Geo Capital, o efeito do surto seria no longo prazo. Mas, para a Boeing ser realmente impactada, alguns fatores precisam se concretizar.

“O primeiro deles é se daqui três ou cinco anos houver uma mudança de hábitos dos consumidores e eles pararem de viajar. Se isso não acontecer, o problema é passageiro. Por exemplo, analisando o 11 de setembro, hoje é mais chato viajar porque a revista é mais rígida, tem que tirar os sapatos, mudaram alguns procedimentos. Mas as pessoas deixam de viajar por isso? O impacto no longo prazo não foi tão significativo”, explica.

Segundo ele, no “olho do furacão” o viés da análise fica negativo, mas a verdade é que ainda não dá para saber os impactos concretos do coronavírus na Boeing. “Eu acredito que daqui dois ou três anos a Boeing terá um volume de viagens parecido com o de hoje. A empresa já tem cerca de 4.500 aeronaves encomendadas para serem entregues nos próximo 5 anos. Ou seja, o volume de pedidos é grande”, afirma.

A própria Gol tem um pedido de 100 aeronaves que a Boeing ainda vai produzir ao longo de alguns anos.

O que pode prejudicar de fato a fabricante de aeronaves é a cadeia terciária. “Se companhias aéreas quebrarem em meio ao esse caos no setor, aí sim a Boeing sente os efeitos, porque pode perder clientes ou enfrentar diminuição no pedidos. E é possível as aéreas passarem por problemas, seis meses de receita baixa e alavancagem alta mudam os balanços”, afirma Siqueira.

Ainda, ele explica que podemos interpretar a produção da Boeing sob dois aspectos: parte dela simplesmente vai repor aeronaves do mercado e outra parte vai fazer a indústria aérea crescer. “Certamente, a segunda parte preocupa mais. Esse impacto [devido ao coronavírus] pode existir no futuro, ainda mais se as pessoas viajarem menos, impactando as companhias aéreas, que em ultima instância vão pedir menos aeronaves para a Boeing”, diz.

Por isso, ele acredita que a Covid-19 pode afetar a Boeing mais que a crise do 737 Max apenas se o conjunto de fatores se concretizar.

“É verdade que o setor de turismo será afetado, incluindo aéreas, hoteleiras, cruzeiros, entre outros. E a Boeing pode sofrer se esses players estiverem muito machucados. São níveis diferentes da cadeia. Depois que essa crise passar, os impactos serão provados a partir da percepção da população de retomar a vida normal – e se haverá mudança de hábitos depois da pandemia”, afirma.

No curto prazo, o problema é o 737 Max

Apesar dos receios do longo prazo, o curto prazo segue preocupante com a crise do 737 Max ainda se desenrolando.

“Por ora, o 737 Max estar parado afeta muito mais a empresa, que dependia bastante desse modelo de aeronave. A Boeing mantém a estrutura de produção, tem que ajudar os fornecedores que dependem do 737 pra ter fluxo de caixa e tem que negociar concessões com a companhias áreas que não estão recebendo as aeronaves e esperavam por isso”, afirma Siqueira.

Agora, a demanda por novas aeronaves está em cheque, pelo menos no curto prazo. A Boeing anunciou, na última quarta-feira (11), que recebeu um pedido de 17 aviões modelo 787 Dreamliner e uma unidade do 767 em fevereiro, um de seus melhores meses de vendas desde que a crise do Max começou.

Mas também informou que foram cancelados pedidos de 41 jatos 737 Max, além de um 777 e quatro outros Dreamliners durante o mesmo mês.

Enquanto o modelo está sob escrutínio, a empresa gasta mais do que ganha, acumula dívidas e fragiliza o balaço: ou seja, está ficando mais alavancada e está consumindo mais caixa. Esse processo continua até que a produção normalize.

“Acredito que isso leva pelo menos mais esse ano. Se tudo der certo, a empresa vai entregar as 400 aeronaves em estoque e conseguirá gerir o balanço”, diz.

“Estrela do setor”

“A Boeing é uma empresa indispensável pra cadeia aérea. Sem ela não tem avião pra voar porque a Airbus não supre toda a demanda. E também é empresa estrela dos EUA, sendo fornecedora de produtos militares”, resume o analista. “Por isso, ela vai atravessar o momento turbulento”.

“Será um ano difícil, mas a normalização do processo fará com que a Boeing saia desse momento bem rápido. Eu vejo duas empresas diferentes: a de 2020 frágil e a de 2022 recuperada. Hoje, a questão do Max é exógena, depende da aprovação da autoridade americana para voltar a operar e esse é o desafio”, afirma.

Os problemas com a aprovação do 737 Max e de definir um cronograma de entrega das unidades são outra parte do motivo pelo qual a Boeing enfrenta um desafio maior contra o vírus do que a rival Airbus.

“Já ia levar tempo para voltar ao normal. E o coronavírus dificulta o momento dessa recuperação”, afirmou Ron Epstein, analista do Bank of America Merrill Lynch.

Crise é passageira

Os executivos da Boeing sugeriram que o impacto do vírus sobre os pedidos e entregas é de curto prazo.

“Acreditamos que o efeito coronavírus é de curto prazo e passamos muito tempo com nossos clientes na China procurando oportunidades de como ajudá-los. É algo que todos nós vamos nos concentrar e certamente posso ver isso impactando resultado de tráfego e algumas entregas no primeiro trimestre”, afirmou Greg Smith, diretor financeiro da Boeing, segundo o site da CNN.

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Giovanna Sutto

Repórter de Finanças do InfoMoney. Escreve matérias finanças pessoais, meios de pagamentos, carreira e economia. Formada pela Cásper Líbero com pós-graduação pelo Ibmec.