Consumidor vs. investidor: futuro do delivery de comida é promissor, mas fora da Bolsa

Startups famosas fizeram a alegria dos consumidores com programas agressivos de descontos, mas parece que os investidores querem colocar um fim nessa festa

Sérgio Teixeira Jr.

(Foto:Robert Anasch/Unsplash)

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Não existe almoço grátis, como diz a frase que virou título de um livro do Nobel de Economia Milton Friedman e tornou-se um dos maiores clichês do mundo dos negócios. Mas nos últimos tempos, no ultracompetitivo mercado americano, pelo menos a entrega do almoço é gratuita. Ou era.

Financiadas por um manancial aparentemente inesgotável de capital de risco e com o imperativo de crescer a qualquer custo, várias startups famosas fizeram a alegria dos consumidores com programas agressivos de descontos, créditos e incentivos. Mas tudo indica que os investidores querem colocar um fim nessa festa.

A péssima performance de empresas de base tecnológica que estrearam na bolsa no ano passado – como Uber, Lyft e Pinterest – foi um sinal claro de que pode estar com os dias contados a estratégia de estabelecer liderança primeiro e preocupar-se com os lucros depois.

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Isso é especialmente verdadeiro no setor de entregas de refeições. Em novembro de 2017, a Grubhub tinha uma liderança confortável no mercado americano, com cerca de 55% do mercado. Meros dois anos depois, a participação da companhia havia caído para 31%, segundo a empresa de pesquisa de mercado Second Measure.

Quem comeu parte do negócio da Grubhub foi a DoorDash, que no mesmo período passou de 13% para 37% do mercado de delivery de comida no mercado americano. As duas companhias – bem como concorrentes como Uber Eats, Postmates, entre outras – oferecem essencialmente o mesmo serviço: conectar restaurantes, entregadores e clientes. Como a DoorDash conseguiu crescer tão rápido? Aceitando prejuízos monumentais em troca da liderança de mercado.

Estima-se que, globalmente, somente as empresas de entrega de refeições tenham levantado mais de US$ 30 bilhões de fundos de capital de risco nos últimos cinco anos. Boa parte desse dinheiro acaba virando um crédito de US$ 10 para quem usa o serviço pela primeira vez, mais US$ 5 para cada novo cliente indicado para a plataforma, outros US$ 5 para quem experimentar o restaurante X e entrega gratuita para quem pedir pela primeira vez do restaurante Y.

Por enquanto, a Grubhub é a única empresa exclusivamente no negócio de delivery de comida que tem ações na bolsa – e está pagando um preço alto por isso. No ano passado, a companhia viu suas ações perderem mais da metade do valor e em dezembro houve os primeiros sinais de recuperação – quando começaram a circular rumores de uma possível venda.

“Acreditamos que os clientes de serviços de entrega de refeições estão ficando mais promíscuos”, escreveu o CEO da Grubhub, Matt Maloney, numa carta endereçada em outubro passado aos seus acionistas. Em entrevista ao Wall Street Journal na mesma época, ele afirmou que o setor de entregas atravessava uma “bolha esquisita, prestes a estourar”.

Mas Maloney bateu na trave, mas não disse o que os investidores de empresas como Uber e Lyft – que têm modelos semelhantes – pagaram caro para descobrir: a barreira de entrada nesse tipo de negócio é pequena: as relações com entregadores e restaurantes não é exclusiva, e a maioria deles está em várias plataformas.

O mesmo vale para a lealdade do cliente. Segundo dados do banco de investimentos Cowen & Company, há três anos, 84% dos clientes usuários do Grubhub não faziam pedidos em outro serviço; no fim do ano passado, a porcentagem tinha caído para 24%.

Durante anos a Amazon teve de repetir para os acionistas que a entrega em dois dias garantida para todos os assinantes do serviço Prime valeria a pena no longo prazo, apesar dos prejuízos iniciais (o que provou ser verdadeiro).

Na hora de abandonar o serviço Amazon Restaurants, entretanto, a companhia de Jeff Bezos não teve de pensar muito. Depois de menos de quatro anos de operações, o serviço deixou de funcionar em junho do a no passado. A Amazon anunciou que vai concentrar esforços na entrega de compras de supermercado da rede Whole Foods.

Em um ano e meio, o Uber Eats vai sair dos mercados em que não ocupa a primeira ou segunda posições. Apesar de crescer em ritmo mais acelerado que o de transporte de passageiros, o serviço de entrega de comida não justifica os enormes prejuízos (US$ 316 milhões no terceiro trimestre de 2019, um aumento de 67% em relação ao mesmo período de 2018).

Enquanto isso, os dois outros grandes players do mercado de delivery de comida, Postmates e DoorDash, estão em compasso de espera. A Postmates registrou o prospecto do IPO no começo do ano passado, mas meses depois decidiu adiar a entrada na Bolsa. A DoorDash estaria considerando uma listagem direta, em vez do caminho tradicional da oferta pública inicial.

Apesar das atribulações e da inevitável chacoalhada no mercado, o negócio de entrega de refeições vai continuar crescendo rapidamente no mundo inteiro. Uma estimativa aponta que globalmente esse setor movimente mais de US$ 200 bilhões até 2025.

Jovens que vivem sozinhos ou com amigos não gostam, não sabem ou não têm tempo para cozinhar. Uma pesquisa realizada com jovens profissionais chineses apontou que um em cada três estaria disposto a morar num apartamento sem cozinha, tamanha a conveniência do delivery. Somente em Pequim, quase 2 milhões de refeições são entregues diariamente.

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Sérgio Teixeira Jr.

Jornalista colaborador do InfoMoney, radicado em Nova York