Compromisso genuíno ou encenação? A reação das empresas ao racismo

Por que, desta vez, muitas companhias estão se posicionando ao lado dos manifestantes nos protestos que denunciam a violência contra os negros nos EUA

Sérgio Teixeira Jr.

(Maddie Meyer/Getty Images)

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NOVA YORK – Em meados de 2016, num jogo da pré-temporada do futebol americano, o quarterback Colin Kaepernick, do San Francisco 49ers, ficou sentado no banco enquanto todos os seus companheiros estavam de pé para a execução do hino nacional.

“Não vou ficar em pé e demonstrar orgulho pela bandeira de um país que oprime os negros e a população não-branca”, disse o atleta, uma das estrelas do esporte, numa entrevista depois da partida. “Para mim, isso é maior que o futebol americano.”

O protesto de Kaepernick, que é negro, contra a violência policial se alastrou pela NFL, a liga profissional de futebol americano. Diversos outros jogadores e técnicos aderiram ao movimento, ficando com um joelho no chão durante a execução do hino.

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Alguns donos de times se manifestaram contra as demonstrações. O então candidato à presidência dos EUA Donald Trump disse que os jogadores que participavam do protesto “não deveriam jogar, talvez nem devessem estar no país”.

No final daquela temporada, o contrato de Kaepernick não foi renovado. Há três anos um dos quarterbacks mais promissores da NFL não disputa uma partida oficial. Os donos das equipes — em sua imensa homens brancos — quiseram distância de Kaepernick.

Mas a Nike anunciou um contrato milionário com o jogador em setembro de 2018. Muita gente foi pega de surpresa, porque raramente a companhia oferece patrocínios para atletas desempregados.

A campanha foi anunciada pelo próprio Kaepernick, via Twitter: “Acredite em algo, mesmo que isso signifique abrir mão de tudo. #JustDoIt”.

A controvérsia em torno dos protestos de Kaepernick vem sendo lembrada com frequência nos últimos dias. Os protestos contra a violência da polícia contra a população negra americana, desta vez estimulados pelo assassinato de George Floyd, já acontecem há mais de dez dias seguidos. Houve manifestações em mais de 350 cidades americanas.

E muitas empresas, um ano e meio depois da Nike, estão se posicionando ao lado dos manifestantes.

Em momentos de crise e conflito, muitas marcas preferem dar um passo atrás, com medo de se envolver em questões controversas ou “errar a mão”. Não é o que está se vendo nos Estados Unidos hoje.

Disney, Apple, Netflix, TikTok, YouTube, Gucci, Calvin Klein, para mencionar apenas alguns nomes conhecidos globalmente, usaram suas redes sociais para demonstrar apoio ao movimento Black Lives Matter (vidas negras importam).

“David, João Pedro, João Vitor, George Floyd e tantos mais. Ficar em silêncio é ser cúmplice, e eu não vou mais me calar. Eu tenho um compromisso e um dever com meus assinantes, funcionários, criadores de conteúdo e talentos negros”, foi a mensagem publicada pela Netflix Brasil no último dia 30, acrescentando casos brasileiros à mensagem da matriz. Até ontem, o post tinha recebido 102 mil likes e 20 mil retuítes.

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Mas, em alguns casos, não basta publicar uma hashtag no Twitter ou uma frase genérica no Instagram.

A grife francesa Celine publicou um post no Instagram afirmando ser contrária “a todas as formas de discriminação, opressão e racismo”.

Nos comentários, a história contada foi outra. O estilista Jason Bolden, responsável pelos looks de celebridades negras de Hollywood como Cynthia Erivo e Taraji P. Henson, afirmou que a marca só empresta roupas para celebridades negras se elas tiverem estilistas brancos.

Um post do @diet_prada, perfil que acompanha o mundo da moda e é seguido por 1,8 milhão de pessoas, indicou que, nos últimos seis desfiles, o número de modelos negros nas passarelas da Celine sempre ficou abaixo de 10%.

E mais: a grife não publicava uma foto com modelos negros no Instagram havia mais de um ano.

Mas talvez nenhuma outra empresa tenha suscitado tantas reações quanto a própria NFL, um negócio que faturou US$ 15 bilhões no ano passado.

A liga de futebol americano publicou um comunicado lamentando a morte de Floyd e de outros negros assassinados pela polícia, prometendo continuar atacando “as questões sistêmicas” do racismo. A reação foi de incredulidade.

Dias depois, algumas das maiores estrelas do esporte foram às redes sociais pedir que a NFL “ouça os jogadores” e reconheça o problema da violência da polícia contra a minoria negra.

“É isso o que queremos ouvir: ‘Nós, a NFL, condenamos o racismo e a opressão sistemática da população negra. Nós, a NFL, admitimos o erro por silenciar os jogadores que protestavam pacificamente. Nós, a NFL, acreditamos que Vidas Negras Importam.”

“Os consumidores estão cada vez mais aptos a enxergar a verdade por trás dos posicionamentos das marcas”, diz Rony Rodrigues, fundador da consultoria de marketing Aurora3.

“A Nike tem uma pauta preta há mais de 20 anos. Vários dos altos executivos da empresa são pretos. Não tem como questionar essa credibilidade”, afirma Rodrigues.

O posicionamento em relação às causas sociais também significa humanizar as marcas. Isso se traduz em lealdade e conexões pessoais.

Rodrigues aponta para o tom coloquial e despojado usado pela Netflix no Twitter. “Já vi mais de uma pessoa dizendo em focus groups que sairia para tomar uma cerveja com a Netflix.”

Mas, novamente, a palavra-chave é credibilidade. O que no passado era chamado de “greenwashing” – propalar compromisso com o meio ambiente como mera jogada de imagem – hoje se conhece por “causewashing”.

Como na onda verde, há exemplos de empresas que querem apenas pegar carona na causa do momento. Mas os riscos de elas serem desmascaradas nunca foi tão grande.

“Não basta dizer que não é racista. Você precisa demonstrar que é antirracista. Vamos ver se os negros ocupam cargos de liderança na empresa. Vamos ver se existem políticas internas que promovem a diversidade”, afirma Rodrigues.

Alguns exemplos anteriores à convulsão racial americana também estão sendo apontados como modelos de responsabilidade social que vão muito além do posicionamento público.

A BlackRock, maior gestora de fundos do mundo (US$ 6,8 trilhões sob sua administração), anunciou há mais de um ano um programa agressivo para promoção da diversidade. A companhia não será mais dirigida “por um monte de homens brancos”, disse o fundador Larry Fink.

Quatro dias depois do assassinato de Floyd, o CFO do Citibank, Mark Mason, escreveu um post pessoal no blog do banco.

O texto começava com a frase “não consigo respirar” repetida dez vezes. A frase foi dita por Floyd quando ele estava sendo sufocado pelo joelho de um policial branco:

“Não tinha certeza se deveria me manifestar. Mas, depois de conversar com a minha família, me dei conta de que sim, preciso. Na realidade, todos nós precisamos.”

Sérgio Teixeira Jr.

Jornalista colaborador do InfoMoney, radicado em Nova York