Como serão os supermercados do futuro? Saiba como startups brasileiras estão mudando as gôndolas

A tecnologia não está mais apenas em sistemas de estoque ou em aplicativos de entrega: reconhecimento facial e compras autônomas já fazem parte do varejo

Mariana Fonseca

Loja autônoma da Zaitt (Divulgação)

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SÃO PAULO – Nunca mais esperar na fila para passar seus produtos no caixa. Assim funciona a Amazon Go, a marca de lojas autônomas da gigante de tecnologia Amazon. Os consumidores colocam produtos de padaria, orgânicos ou refeições prontas em suas sacolas e saem andando – um cadastro prévio no aplicativo da Amazon Go permite descontar a fatura direto do cartão de crédito. Câmeras instaladas na loja são responsáveis pelo reconhecimento dos usuários e das mercadorias, além do escaneamento de QR Codes por meio dos smartphones dos usuários.

Mas não apenas a Amazon está de olho em digitalizar as compras de itens essenciais. As startups atacam setores com grandes tamanhos e oportunidades – e o de supermercados ganhou destaque durante a pandemia de Covid-19.

Apenas no Brasil, o faturamento dos supermercados brasileiros foi de R$ 378 bilhões em 2019, segundo o Ranking Abras/SuperHiper. Os números de 2020 ainda não foram divulgados, mas devem apontar maior ida aos supermercados diante do fechamento de bares e restaurantes durante boa parte do ano.

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O Brasil tem 644 startups que atuam com varejo, segundo o Distrito Retailtech Report 2020. Suas soluções servem para desde melhorar processos internos dos estabelecimentos até ajudar consumidores com conveniência de compra ou com ofertas personalizadas.

O InfoMoney ouviu um especialista de inovação para o varejo e alguns fundadores de retailtechs para entender como os últimos meses trouxeram à luz a necessidade de digitalizar um setor de números tão imensos quanto sua tradição.

Do código de barras ao smartphone

Alejandro Padron, cofundador do espaço de inovação para o varejo OasisLab, afirma que a história do setor de supermercados com a tecnologia começou na década de 1950, com os códigos de barras. “Foi a primeira inovação quando falamos em automatizar a frente de caixa. Depois teríamos as maquininhas”, explica.

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Uma segunda onda de tecnologia nos supermercados foi a de modernização da administração (backoffice), com sistemas de gestão (ERPs). “A maioria desenvolveu sistemas dentro de casa, porque o varejo tem suas peculiaridades na comparação com indústrias que já adotavam ERPs.”

Para Padron, a terceira onda de tecnologia nos supermercados foi a participação no comércio eletrônico. “A pressão dos consumidores por conveniência recaiu também sobre os supermercados. Aquela discussão antiga sobre ter lojas físicas e virtuais juntas ou separadas acabou: o amadurecimento trouxe a compreensão de que o contato com o cliente deve ser um só, ainda que ele apresente diversos comportamentos de compra.”

Todas essas relações foram impulsionadas nos últimos anos, pelo maior acesso à internet e aos smartphones. Também permitiu que startups pudessem criar soluções de uso mais simples e por custos menores para supermercados de diversos portes.

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“A explosão das startups trouxe um novo modelo de tecnologia para as empresas. No lugar de um sistema legado complexo, elas preferem ter um conjunto de startups com diversas soluções. Pode-se fazer um piloto de pouco tempo e investimento mínimo com cada uma delas, e muitas startups apresentam cobrança flexível ao uso e ao resultado. Com isso, atingem inclusive negócios de pequeno porte”, diz Padron.

Esse potencial transformou as retailtechs não apenas em fornecedoras, mas em alvos de aquisição por supermercados. O Grupo Pão de Açúcar adquiriu o empreendimento James Delivery em 2018. A B2W fez um movimento similar em 2020, comprando o serviço de entregas Supermercado Now.

“O varejo como um todo está em um processo de comprar empresas – basta ver os anúncios de empresas como a Magazine Luiza. É natural a consolidação das startups de ponta, seja por aquisição ou por crescimento independente.”

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A pandemia ajudou a acelerar o processo de transformação digital dos supermercados, na visão do cofundador do OasisLab. “As pessoas ficaram mais casa e começaram a interagir com recursos digitais. Não precisam mais ponderar se o mercado terá o produto de que precisam naquele momento, por exemplo. A pandemia vai passar, mas parte dessas conveniências vão permanecer como um hábito.”

Compra simples, cliente próximo

Padron diz que as startups costumam trazer dois benefícios aos supermercados quando falamos de tecnologias específicas para apresentação ao consumidor: a simplificação da compra e o aprofundamento da relação com o cliente.

A Payface tem acompanhado a corrida pela digitalização do setor na frente de simplificação da compra. “Os aplicativos não ficaram apenas para delivery, mas entraram dentro dos supermercados”, diz o cofundador Eládio Isoppo.

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Isoppo foi executivo em empresas como Softplan e Fast Shop antes de empreender. Juntou-se a Ricardo Fritsche, também empreendedor e especialista em reconhecimento facial, para criar uma solução que reduzisse as filas em estabelecimentos.

Ricardo Fritsche e Eládio Isoppo, da Payface (Divulgação)
Ricardo Fritsche e Eládio Isoppo, da Payface (Divulgação)

Criada em 2018, a Payface fornece um aplicativo white label (que pode ser integrado aos apps e marcas dos estabelecimentos) junto de um hardware que permite o pagamento por reconhecimento facial.

O consumidor cadastra sua face e seus dados de pagamento no aplicativo, que depois são checados pela câmera instalada no caixa. A câmera da fintech é ativada apenas quando o usuário manifesta seu interesse por pagar com o escaneamento da face.

Ou seja, os estabelecimentos não a usam para vigilância —mas para identificar o consumidor e acessar os dados de compra registrados no aplicativo. “O reconhecimento permite trazer mais receita, por meio de estratégias de crossell [vender produtos complementares] e upsell [vender produtos mais sofisticados da mesma categoria]”, afirma Isoppo.

O fundador também afirma que a solução poupa 30 segundos em cada compra  – e que cada segundo perdido no checkout custa de 15 a 40 centavos para a varejista. “Esse custo soma gastos com energia, funcionários e metragem. Quanto mais metros quadrados para colocar produtos, maiores são as vendas.”

Tecnologia de reconhecimento facial da Payface (Divulgação)
Tecnologia de reconhecimento facial da Payface (Divulgação)

A Payface atende principalmente farmácias e supermercados, como Drogaria Iguatemi e Angeloni. A fintech cresceu três vezes seu número de usuários cadastrados em 2020, com muitas pessoas evitando contato com dinheiro ou com maquininhas. “Os supermercados viam a tecnologia como um mal necessário. Agora, virou parte da estratégia. Os diretores de tecnologia interagem com os de negócios, e a decisão surge das duas áreas”, diz Isoppo.

Em 2021, a Payface busca crescer 20 vezes em usuários cadastrados. “Estamos fechando parcerias com varejistas de grande porte. As pessoas também estão mais adaptadas ao pagamento por reconhecimento facial”, diz Isoppo. A Payface também lançará uma versão de pagamentos com reconhecimento facial para comércios eletrônicos. O foco estará desta vez em prevenção de fraudes, não em redução de filas. Mas a maior identificação dos compradores é colocada como trunfo para qualquer tipo de varejo.

A Logstore também atua tanto para simplificar compras quanto para aprofundar a relação com o cliente. A startup foi criada apenas para atender a primeira frente, em 2017: vendia hardware para movimentação de caixas e separação de pedidos em galpões logísticos. Helson Santos, seu fundador, trabalhou com logística em uma multinacional de alimentos.

O empreendimento pivotou um ano depois para oferecer um software de gestão de pedidos (order management system), principalmente para farmácias e supermercados.

Nas lojas físicas, os consumidores acessam um aplicativo e confirmam sua localização por meio de um QR Code nas gôndolas. Assim, conseguem acessar promoções daquele corredor, aprofundando sua relação com o supermercado, e também as coordenadas exatas de cada item. Também para simplificar a compra, o consumidor escaneia itens e os coloca em sua sacola. Gera-se um QR Code que une toda a cesta. No caixa, é preciso apenas apresentar o QR Code, sem tirar e recolocar produtos na sacola. Esses produtos costumam estar taggeados, para evitar possíveis furtos.

Aplicativo da Logstore (Divulgação)
Aplicativo da Logstore (Divulgação)

O aplicativo da Logstore é integrado com os ERPs das farmácias e supermercados, para facilitar a baixa de estoque. A solução da startup é usada em 218 pontos de venda.

A Logstore afirma que 78% do tempo de compra nos supermercados é reduzido pela localização dos produtos e menos tempo de fila. O índice de compras abandonadas cai entre 30% a 40%. “Quando o consumidor não acha um produto, acaba desistindo de toda a compra. Esse processo é conhecido no varejo como ruptura”, explica Santos.

No segundo semestre deste ano, a Logstore espera incluir a parte de pagamentos no aplicativo – cartão de crédito, cartão de débito e Pix. Assim, o consumidor nem precisa apresentar o QR Code no caixa. A Logstore faturou R$ 4 milhões em 2020 e espera crescer 50% em 2021. “Estamos em um momento de experimentação. O objetivo é chegar a um sistema para criação de lojas autônomas em farmácias e mercados de diversos portes”, diz o fundador.

Helson Santos e Diego Dias, da Logstore (Divulgação)
Helson Santos e Diego Dias, da Logstore (Divulgação)

A Zaitt resolveu criar suas própria versão da Amazon Go, no lugar de transformar estabelecimentos que já existem. A startup foi criada pelos amigos de faculdade Rodrigo Miranda, Tomás Scopel, Renato Antunes Jr e Mário Miranda. Em 2020, foi vendida para o empresa de restaurantes corporativos Sapore.

O empreendimento começou em 2016, como um aplicativo de delivery de bebidas. “Um ano depois, surgiu a ideia de endereçar o problema de conveniência no Brasil de uma forma diferente, com uma loja de conveniência automatizada”, diz Miranda.

Rodrigo Miranda, da Zaitt (Divulgação)

A primeira loja autônoma abriu as portas no Espírito Santo. 2018 foi dedicado a validar o modelo de negócio, enquanto 2019 serviu para expandir a loja autônoma para São Paulo.

O cliente baixa o aplicativo da loja autônoma e cadastra dados pessoais e de pagamento. Na porta do mercado, escaneia um QR Code para entrar. Assim como na Logstore, existe um sistema de escaneamento dos produtos pelo aplicativo. O pagamento é feito pelo app. Quando confirmado, a porta de saída do supermercado se abre.

O foco da Zaitt está na conveniência de último minuto. “Não somos para a compra de abastecimento, mas para quando falta um azeite, um vinho ou um produto de higiene e limpeza”, diz Miranda.

A startup retomou seus planos de expansão no segundo semestre de 2020, apostando no modelo de franqueamento. A Zaitt tem cinco lojas em operação, sendo que uma delas é franqueada. As lojas próprias servem para fazer testes em operação e tecnologia. Cada franquia pede investimento inicial de R$ 200 mil a R$ 250 mil. O faturamento médio mensal é de R$ 70 mil, com prazo de retorno entre 24 e 30 meses e taxa de lucratividade de 13%.

Loja autônoma da Zaitt (Divulgação)
Loja autônoma da Zaitt (Divulgação)

A Zaitt cresceu 9% de 2019 para 2020 – algumas lojas tiveram de fechar por alguns meses, por conta da pandemia de Covid-19. Neste ano, a startup busca crescer 200% também na comparação anual. A Zaitt já assinou nove contratos de franquia e espera chegar até 35 em 2021.

A Zaitt tem oito contratos de franquia assinados e está desenvolvendo sua tecnologia de visão computacional para validação ainda em 2021. Por meio da instalação de câmeras, a visão computacional permite reconhecer tanto as pessoas quanto os produtos colocados na sacola. Não seria mais preciso escanear QR Codes. “Atuamos no modelo de escaneamento, e deve continuar assim no curto e médio prazo. Isso por conta do custo de instalação e operação da visão computacional. Mas com certeza é o futuro”, explica Miranda.

Estado e futuro da tecnologia no supermercado

Para Padron, do OasisLab, o maior exemplo do benefício de simplificação da compra continua sendo a Amazon Go. “É uma frente que vai demorar um pouco para ser desenvolvida no Brasil, mas já estamos caminhando para isso.”

Já o benefício de aprofundar a relação do consumidor com o supermercado está mais maduro no país. “Avançamos em relação aos antigos programas de fidelização, nos quais se juntavam pontos que nunca eram usados”, diz. O cofundador do OasisLab cita como exemplos plataformas que acumulam pontos entre diversos estabelecimentos e que permitem saber qual consumidor comprou mais produtos, valorizando-o de acordo.

Um terceiro benefício, também amadurecido no Brasil, não está tão visível para o consumidor: melhorar o backoffice e o fluxo de caixa de supermercados. “Existem startups que usam inteligência artificial para entregar previsão de demanda, fazendo varejistas compraram quantidades adequadas. É uma vertente sem muito glamour, mas que ajuda muito no capital de giro e tende a evoluir junto da IA.”

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Mariana Fonseca

Subeditora do InfoMoney, escreve e edita matérias sobre empreendedorismo, gestão e inovação. Coapresentadora do podcast e dos vídeos da marca Do Zero Ao Topo.