Como as baterias passaram de revolução a gargalo do mundo moderno

Um trio de cientistas recebeu o Nobel de Química por seu trabalho com as baterias de íons de lítio. Mas elas têm evoluído pouco

Sérgio Teixeira Jr.

(Denys Prykhodov / Shutterstock.com)

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NOVA YORK – Um cientista americano, um britânico e um japonês foram agraciados com o Nobel de Química deste ano por seu trabalho com as baterias de íons de lítio, componente que talvez você tenha nas mãos agora, se estiver lendo este artigo na tela do celular.

O prêmio foi mais que merecido. As baterias de íons de lítio são uma das inovações mais revolucionárias do século passado. Sem elas, provavelmente não teríamos laptops, smartphones nem tablets, muito menos carros elétricos.

Também não poderíamos aproveitar de fato energias renováveis como a do sol e a do vento, que são geradas de forma intermitente e dependem de meios de armazenamento para representar uma alternativa viável aos combustíveis fósseis.

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Mas o Nobel de Química também deixou clara uma verdade inconveniente: as baterias que usamos hoje têm a mesma química daquelas idealizadas mais de 25 anos atrás pelos cientistas premiados. Não existe no mundo das baterias nada parecido com a Lei de Moore, uma observação batizada em homenagem a um ex-CEO da Intel, Gordon Moore, segundo a qual o poder de processamento dos chips dobra mais ou menos a cada dois anos.

As baterias de íons de lítio de fato estabeleceram “as fundações de uma sociedade sem fios e livre dos combustíveis fósseis”, como disse a Academia Real de Ciências da Suécia no comunicado que anunciou o prêmio. Mas ainda há obstáculos importantes no caminho para que essa visão seja realidade.

“A maioria das melhorias que vimos até hoje foi resultado de otimizações de engenharia”, diz Alexej Jerschow, diretor de estudos de graduação e professor de química da Universidade de Nova York. “Mas os ingredientes estruturais das baterias não mudaram. Hoje, na indústria, não há uma alternativa comercialmente viável num horizonte próximo.”

Mesmo sem grandes inovações disruptivas, as baterias melhoraram muito em termos de tamanho, peso, capacidade e durabilidade. Basta comparar os celulares de alguns anos atrás com os smartphones mais modernos, que têm telas grandes, coloridas e luminosas e estão conectados à internet o tempo todo. Parte da explicação se deve a chips mais eficientes, capazes de fazer mais com menos energia, mas parte tem a ver com os ganhos incrementais na tecnologia de baterias.

Esses ganhos marginais de eficiência devem continuar reduzindo o custo das baterias de íons de lítio — uma estimativa coloca em 80% a redução entre os valores de 2016 e os de 2028. As principais medidas de melhoria são a quantidade de energia armazenada, a velocidade com que essa energia é liberada e a vida útil das baterias.

Avanços nos softwares que regulam o uso das baterias e sistemas de resfriamento também contribuíram para a redução de 24% no custo das baterias no ano passado, segundo estimativa do banco de investimentos Berenberg. A queda foi maior que a registrada nos dois anos anteriores.

A produção de baterias também aumentou, e os preços de matérias-primas como cobalto, níquel e lítio caíram. Mas a indústria das baterias está à mercê das flutuações do preço desses metais.

A Gigafactory e os carros elétricos

A Sila Nanotechnologies, startup do Vale do Silício avaliada em mais de US$ 1 bilhão, recebeu US$ 170 milhões da alemã Daimler para o desenvolvimento de baterias que usam anodos à base de silício em vez de grafite. A substituição de materiais (o silício é uma matéria-prima abundante) aumentaria a densidade energética das baterias em 20%, um salto considerável.

O interesse do conglomerado alemão, dono da Mercedes-Benz, é claro: as células de energia de um carro elétrico representam entre 35% e 45% do custo do veículo, segundo a consultoria McKinsey.

As baterias são uma das várias dores de cabeça da Tesla, símbolo da revolução do carro elétrico. A empresa fez uma parceria com a japonesa Panasonic para construir a Gigafactory, a maior fábrica de baterias para carros elétricos do mundo.

Para Elon Musk, o fundador da Tesla, a unidade seria a garantia de acesso ao componente mais essencial de seus veículos. Para a Panasonic, seria um pé em um mercado que promete revolucionar o que se entende por transporte.

Mas o empreendimento bilionário vem causando problemas para os sócios. Desentendimentos em relação aos preços, além do comportamento errático de Musk – que chocou os japoneses ao aparecer fumando maconha numa entrevista transmitida ao vivo pela internet –, são um gargalo para a Tesla, a maior consumidora de baterias de íons de lítio do mundo.

Os rumores publicados na imprensa americana, com base em pedidos de patente e contratações de especialistas, indicam que a companhia esteja planejando produzir suas próprias baterias.

Em equipamentos que contam com milhares de células de energia, como os carros, existem dois desafios principais. O da capacidade já foi mais ou menos equacionado: os carros elétricos já rodam algumas centenas de quilômetros com uma só carga, o que significa que para o uso diário eles são tão convenientes quanto um veículo a gasolina. Mas a questão da durabilidade das baterias ainda não foi solucionada.

“A bateria de um Tesla dura cerca de dez anos”, afirma Jerschow. Isso cria um problema no mercado secundário: como determinar o estado da bateria de um carro usado? Como saber em que condições de temperatura ela operou, ou a que velocidade média andava o carro, dois fatores determinantes da vida útil desse componente?

Jerschow, autor de um estudo inovador que permite checar a integridade das baterias, diz que essa é uma questão que vai ter cada vez mais importância num mundo movido a eletricidade.

Células que não trabalham com eficiência ótima podem ser recicladas para usos menos críticos, como grandes baterias domésticas, diz Jerschow. Mas, quando elas realmente chegam ao fim da vida útil, ainda não se sabe bem o que fazer.

O Departamento de Energia dos Estados Unidos anunciou em janeiro uma competição com prêmio de 5,5 milhões de dólares para quem encontrar a melhor maneira de recuperar materiais críticos das baterias, como cobalto e lítio.

Com dezenas de milhões de unidades vendidas, os fones sem fio AirPods, da Apple, são um dos maiores sucessos da empresa nos últimos tempos – mas também podem estar virando um problema de imagem para a companhia. Quando a bateria começa inevitavelmente a se degradar, não há como substituí-la, porque a construção dos AirPods não permite acesso fácil aos componentes internos.

Quem leva os fones na esperança de conserto só tem a opção de comprar um novo par, com desconto. Por causa do problema ainda intratável das baterias, os fones de ouvido são, para todos os efeitos, descartáveis.

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Sérgio Teixeira Jr.

Jornalista colaborador do InfoMoney, radicado em Nova York