Com acordo “sem precedentes desde a Telemar”, Qualicorp gera indignação e acionistas ameaçam entrar na Justiça

Decisão de pagar R$ 150 milhões ao fundador José Seripieri Filho, o Júnior, para não competir e não vender ações por seis anos gerou revolta e muita desconfiança no mercado

Lara Rizério

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SÃO PAULO – Após uma derrocada na última segunda-feira de quase 30% da ação da Qualicorp (QUAL3), que a credenciou como o pior papel do Ibovespa em 2018, o fatídico comunicado da companhia de pagar R$ 150 milhões a seu presidente sem conhecimento dos minoritários e por motivos pouco convincentes segue rendendo desdobramentos – e inclusive possibilidade de questionamentos na Justiça sobre a operação. 

Hoje, o fundador da companhia e protagonista de toda a turbulência, José Seripieri Júnior, em entrevista ao Brazil Journal, buscou justificar a decisão da maior administradora de planos de saúde coletivo pagar R$ 150 milhões a ele para não abrir concorrência e nem vender suas ações por seis anos. 

A decisão foi lida como um aumento na remuneração sem precisar de aprovação da Assembleia de Acionistas, minando assim a visão de governança corporativa dentro da empresa. Porém, Júnior afirmou que o acordo foi feito uma vez que ele não é mais acionista controlador há algum tempo e, nesse cenário, passou a querer  desenvolver projetos inovadores na área de saúde com muito potencial de ganho, porém fora da Qualicorp. Foi aí que, afirma Júnior, o Conselho passou a estudar o “non-compete” que alinhasse completamente a empresa. Ele ainda deu um recado aos acionistas: se ele não acreditasse no enorme potencial da Qualicorp e na valorização das ações, não aceitaria esse acordo. 

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Em teleconferência ontem com analistas, a diretora financeira e de Relações com Investidores da Qualicorp, Grace Cury Tourinho, já tinha proferido um discurso parecido, apontando que o mercado de saúde passa por um momento de transição, em que os clientes não conseguem mais absorver determinados reajustes. Nesse ambiente, Seripieri “é uma pessoa ímpar, que ninguém acha” no mercado, afirmou.

Porém, o mercado não comprou as falas de Seripieri e da diretoria da Qualicorp. Os papéis fecharam a última segunda-feira em queda de mais de 29% em meio às declarações de Grace e hoje, em um movimento de recuperação, fecharam em alta de 10,91%, a R$ 12,91, na máxima do dia (vale dizer, em dia euforia para a bolsa brasileira, com o Ibovespa saltando 3,78%). Contudo, isso ainda parece pouco dada a derrocada da véspera, que fez o valor de mercado da empresa afundar em R$ 1,37 bilhão, para R$ 3,3 bilhões. 

Muitas questões ficam no ar e levaram diversas casas de análise a rebaixarem a recomendação para os papéis da companhia que, só olhando pelos seus fundamentos, está muito barata – afinal, conforme o próprio Júnior destacou na entrevista, ela paga bons dividendos e gerou Ebitda (lucro antes de juros, impostos, depreciações e amortizações) de R$ 1 bilhão em 2017.  

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Leia mais em: A bizarra queda de quase 30% da Qualicorp é uma oportunidade de compra?

Muitas questões, respostas pouco convincentes

Dentre os questionamentos, estão: por que Seripieri consideraria sair de Qualicorp para criar uma empresa concorrente com a companhia que ele mesmo fundou (e que ainda detém 15% de participação) e por que o Conselho se sente tão vulnerável a esse potencial concorrente? Ou, por que o vultuoso pagamento para que ele adote uma postura já prevista do cargo que ele ocupa, de CEO? Todas essas perguntas fazem com que o mercado tenha uma péssima visão sobre a governança corporativa da empresa e de que a decisão foi feita exclusivamente para beneficiar o seu fundador. Cabe lembrar que, recentemente, a empresa já havia aprovado um aumento da remuneração de R$ 1,2 milhão para R$ 34 milhões por ano para o executivo.

Vale destacar que a Lei das Sociedades por Ações determina, nos artigos 153 e 155, que o administrador deve “empregar, no exercício de suas funções, o cuidado e diligência que todo homem ativo e probo costuma empregar na administração de seus próprios negócios” e  ainda “servir com lealdade” à companhia. Ou seja, caso Júnior não agisse de forma leal, buscando criar uma concorrente, ele deveria ser punido e não ganhar dinheiro com isso. 

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Com tantas questões e indícios de desrespeito à governança da empresa, ainda mais se tratando de uma empresa do Novo Mercado, os acionistas minoritários da companhia já buscam agir. Em carta a cotistas de quatro dos seus fundos, a XP Gestão, que possui uma fatia de 9% da empresa, informou  que não ficará parada com relação a isso.  “Vamos buscar de todas as formas, inclusive na justiça, os devidos reparos”, afirmam os gestores na carta. 

Para eles, o gritante e sem precedente valor é só um dos problemas. “Consideramos o valor sem justificativa, em uma negociação feita sem a participação ou anuência dos acionistas minoritários. A questão é simples: se é de interesse dos acionistas, por que não foi considerada a possibilidade de aprovação do contrato em assembleia?”, questionam. 

A reação do mercado, avaliam, balizou a desagradável surpresa com o anúncio feito pela empresa.  Uma fonte ouvida pelo InfoMoney, aliás, classificou a decisão como “sem precedentes desde o caso Telemar”, cujos executivos foram advertidos por terem aprovado a incorporação da Oi sem realização de assembleia geral. 

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A expectativa é, agora, que a CVM (Comissão de Valores Mobiliários) interfira na transação. Coincidentemente ontem, a Comissão abriu na segunda um processo administrativo para investigar transações entre partes relacionadas na Qualicorp. 

Assim, tal notícia, que caiu como uma “bomba” para os acionistas da Qualicorp fazem com que o mercado siga bastante reticente com o papel, mas os minoritários já estão em busca de reversão do acordo. Mais do que os R$ 150 milhões de volta, a busca é pela restauração da governança corporativa da empresa após o total desacordo que abalou a confiança do mercado com a companhia. 

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Lara Rizério

Editora de mercados do InfoMoney, cobre temas que vão desde o mercado de ações ao ambiente econômico nacional e internacional, além de ficar bem de olho nos desdobramentos políticos e em seus efeitos para os investidores.