Clubhouse veio para ficar? Rede salta 4.900% nas buscas no Google, mas usuários do Android ficam fora

Rede social baseada em conversas de áudio pode se consolidar, mas ainda há desafios, afirmam especialistas

Giovanna Sutto

(Unsplash)

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SÃO PAULO – A nova rede social Clubhouse, focada em conversas por áudio, ganhou muita popularidade nos últimos dias: apenas entre os dias 1 e 9 de fevereiro as buscas pelo aplicativo saltaram 4.900% na comparação com todo o mês de janeiro, segundo dados exclusivos do Google enviados ao InfoMoney. Nas últimas 24 horas, o Brasil foi um dos dez países que mais buscou por “Clubhouse”.

A rede social também apresentou um salto impressionante no número de usuários: até dezembro, eram cerca de 600 mil. No último dia 5, já eram 6 milhões de usuários, segundo informações da Backlinko, consultoria especializada em estratégias e treinamento de SEO (sigla em inglês para “otimização de mecanismo de busca”).

Paul Davison e Rohan Seth, ambos ex-funcionários do Google, fundaram a startup em abril de 2020 em meio à pandemia. Hoje, a empresa já vale US$ 1 bilhão, conforme o site The Information informou após conversas com pessoas próximas à empresa. Entre os investidores, estão as companhias de venture capital Andreessen Horowitz e Kortschak Investments, além de Tim Kendall, CEO da Moment Health, empresa de saúde focada em bem-estar.

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O que é o Clubhouse? 

A rede social é baseada em conversas de áudio e permite a criação de salas de bate-papo com duração pré-determinada e sobre temas específicos.

Há três tipos de salas: as públicas, em que qualquer membro pode entrar; as sociais, que são menores e restritas às pessoas que o criador da sala segue; e as privadas, em que o usuário pode controlar quem entra ou sai. Todas as interações acontecem por áudios e ao vivo. Não há fotos ou vídeos, e não é possível gravar os debates.

Nas salas públicas, o usuário pode até interagir com seus ídolos. Elon Musk, fundador da Tesla; cantores como Caetano Veloso e Drake; o ator Ashton Kutcher; e a apresentadora Oprah Winfrey são alguns dos nomes que já estão na rede e fizeram aparições em algumas salas.

Luísa Barwinski, professora do curso de Marketing da PUC-PR, explica que o formato da rede em si não é inovador. “O aplicativo Discord, por exemplo, muito usado por gamers e na área de tecnologia, tem uma dinâmica muito similar a essa. A grande diferença do Clubhouse e o que explica esse boom da rede é a exclusividade“, diz.

Convites, usuários Apple e conteúdos ao vivo

O Clubhouse tem algumas características que selecionam o público que consegue usar o aplicativo. Ele só está disponível para usuários que tenham aparelhos da Apple, porque só funciona no sistema operacional iOS. Além disso, um novo usuário só consegue entrar no app se receber um convite de uma outra pessoa que já esteja na plataforma, ou se essa pessoa aceitar a entrada dele na rede.

“Foi esse mecanismo que gerou essa procura explosiva pela rede social. Ao restringir a participação, você gera curiosidade e atrai muitos usuários que querem saber o que está acontecendo nessas salas. Há apenas dois convites por usuário, que também funcionam como seleção e atraem o público por sua escassez. Se tem pouco, se é algo exclusivo, quero fazer parte”, diz Luísa.

Esse interesse é claro: a pergunta “Como conseguir [um] convite [para o] Clubhouse?” registrou alta de 470% entre domingo (7) e terça-feira (9), na comparação com toda a semana passada, segundo dados do Google.

Mas, de novo, a fórmula não é inovadora. “Em 2004, o Orkut também tinha essa lógica de convidados, por exemplo. Só podia entrar com convite de um amigo que já estava na plataforma. De qualquer maneira, essa estratégia costuma ser eficiente e vem dando certo”, complementa a professora.

Além disso, Luísa pontua que o fato de o conteúdo não ficar gravado adiciona uma camada de exclusividade, mais um ponto que chama a atenção. “Só quem está dentro da plataforma realmente sabe o que se passa ali. Como consequência, vemos o efeito Fomo (sigla em inglês para “medo de ficar de fora”). Se você não estiver ali naquele momento, nunca mais terá acesso ao conteúdo.”

Apple x Android

Por enquanto, os usuários que possuem aparelhos com o sistema operacional Android não conseguem participar da rede social, o que gerou críticas nas redes sociais. Uma pesquisa do Google, desenvolvida em parceria com a consultoria global Bain & Company, mostra que 90% dos brasileiros possuem um aparelho Android.

“Não aguento mais falarem do Clubhouse, que ainda não tem para Android, muita exclusão”, disse uma usuária no Twitter. Outro internauta comentou que “era uma pena” o app não existir para Android ainda. Veja alguns comentários:

Fato é que os desenvolvedores da startup informaram em janeiro que começariam a trabalhar na versão Android em breve. Embora não haja previsão para isso se concretizar, foi um sinal de que os usuários Android terão acesso à rede.

“Desde os primeiros dias, quisemos construir o Clubhouse para todos. Com isso em mente, estamos entusiasmados em começar a trabalhar em nosso aplicativo Android em breve e em adicionar mais recursos de acessibilidade e localização para que as pessoas em todo o mundo possam experimentar o Clubhouse de uma forma que lhes pareça nativa”, disse a empresa em um post em seu blog.

“Há estudos que mostram que usuários da Apple têm mais o perfil de early adotpters, ou seja, têm mais predisposição a usar uma nova tecnologia que os usuários Android. A partir disso, é preciso fazer os testes técnicos. Você precisa validar o seu produto com um grupo menor de pessoas antes de expandir muito rapidamente”, explica Luísa. “Toda startup faz isso: trata-se de encontrar o MVP [sigla em inglês para “produto mínimo viável”]. O próprio Instagram, no início, só funcionava para usuários da Apple. Até hoje, algumas funcionalidades ficam disponíveis antes apenas para o iOS e depois são liberadas para o público geral.”

A professora acrescentou que vincular a rede social à Apple “é uma forma de associar a nova rede com algo consolidado e que já tem sucesso”, explica. “Assim, excluir o Android foi uma estratégia de negócio. A empresa optou pela estratégia de escassez: poucos convites e menos usuários, o que vem se provando acertado”, diz.

Mesmo assim, Luísa entende que a chegada do Clubhouse ao sistema Android é questão de tempo. “Não faz sentido, do ponto de vista de negócio, ficar fora do Android. Eles estão validando o produto em um sistema operacional com menos volume de usuários para testar a aderência ao mercado e ter a capacidade técnica para ajustar algumas coisas e depois ampliar a atuação”, diz.

A febre veio para ficar? 

Naturalmente, ainda é cedo para cravar se o Clubhouse vai se consolidar como uma rede social popular ou se é uma novidade passageira. O mercado ainda está entendendo como a rede funciona.

Luísa acredita que o aplicativo tem potencial para ficar. A demanda existe, já que o interesse na rede vem subindo rapidamente, como mostram os dados de busca do Google. Para além do interesse atual, a rede pode se consolidar pela possibilidade de monetizar o conteúdo.

“Já tem gente monetizando. As pessoas estão vendendo convite de entrada por valores que variam entre R$ 300 e R$ 500 cada. Claro que não é a forma ideal de monetização, mas os usuários já encontraram caminhos. Há também a possibilidade de fazer cursos e marcar horário com os alunos. O professor envia o link e libera os acessos à sala privada conforme os alunos forem pagando. No caso de influenciadores, é possível cobrar ‘ingressos’ para ver palestras e eventos feitos dentro da plataforma. Quanto mais exclusivo é o conteúdo, mais caro o preço cobrado. Se um consultor der aulas para dois ou três alunos em uma sala privada, consegue dar mais atenção. Pode ser uma forma concreta de fazer dinheiro”, explica a professora.

Felipe Russi, diretor de marketing da Tatix Full Commerce, empresa especializada na gestão e operação de e-commerce, acrescenta que outra forma vender dentro da plataforma seria por meio de comando de voz. Mas nesse caso, é uma oportunidade que pode surgir no futuro, já que, por enquanto, não existe esse recurso dentro do Clubhouse.

“A popularização de assistentes pessoais virtuais tende a tornar as compras realizadas por comando de voz cada vez mais comuns. É esperado que as conversas conduzidas por inteligência artificial fiquem cada vez mais naturais e eficientes, enquanto isso os recursos humanos ficam livres para as tarefas nas quais são insubstituíveis. Baseando-se nos históricos de buscas e de compras dos consumidores, as lojas podem oferecer recomendações mais assertivas”, diz.

Um em cada cinco consumidores nos Estados Unidos já fizeram alguma compra por meio de um dispositivo controlado por voz, como o Amazon Echo ou Google Assistant, segundo aponta o estudo Future of Retail 2017, da agência de marketing Walker Sands. Estima-se que, até 2022, o volume transacionado por assistentes de voz será de US$ 40 bilhões, de acordo com uma pesquisa da OC&C Strategy Consultants.

Porém, Luísa diz que o caminho não é tão simples. “O grande desafio virá quando mais usuários entrarem para a plataforma. Se nada fica gravado, como controlar a propagação de discursos de ódio, por exemplo? Fica difícil comprovar algo. É um ponto de atenção. Outra questão tem a ver com a infraestrutura tecnológica para aguentar todos os usuários ao mesmo tempo. É um volume de conteúdo muito grande acontecendo ao vivo e a todo momento. A empresa precisa investir em bons servidores e muita tecnologia para evitar que o app caia”, diz.

Um último ponto a ser observado ainda é o excesso de plataformas voltadas à interação social. Com Facebook, Twitter, Telegram, Instagram, TikTok e outras, a concorrência no setor é grande e o tempo do usuário escasso.

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Giovanna Sutto

Repórter de Finanças do InfoMoney. Escreve matérias finanças pessoais, meios de pagamentos, carreira e economia. Formada pela Cásper Líbero com pós-graduação pelo Ibmec.