Brasil estreia com vitória na Copa: há motivos para o futebol feminino comemorar?

Recorde de público nos estádios e no streaming empolgam torcida, mas queda de braço entre redes de transmissão e FIFA ainda deve ter um ‘segundo tempo’

Mariana Amaro

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A Copa do Mundo de Futebol Feminino estreou batendo recordes de público na Austrália e Nova Zelândia. Em Sydney, 75.784 pessoas assistiram à vitória da Austrália sobre a República da Irlanda. Como comparação, o torneio masculino realizado no Catar, no ano passado, contou com público de 67.000 pessoas na sua noite de abertura.

No Brasil, o recorde de público aconteceu no streaming. O canal CazéTV, do streamer Casimiro Miguel, no Youtube, contabilizou 1 milhão de aparelhos conectados simultaneamente na vitória da seleção brasileira feminina contra o Panamá e quebrou o recorde de público no esporte. “A maior audiência de uma partida de futebol feminino da história do YouTube é nossa. Uma ‘milha’. E é só o primeiro jogo do Brasa, ‘hein’? ‘Vambora’ por muito mais e pela primeira estrela”, escreveu o perfil oficial do canal em rede social.

Estreia da seleção brasileira na Copa do Mundo de Futebol Feminino em 2023
Ary Borges comemora seu terceiro gol durante partida entre Brasil e Panamá, em Adelaide, Austrália (Foto: Matt Turner/AAP Image via REUTERS)

A CazéTV detém os direitos de transmissão digitais dos jogos, em uma negociação que começou em 2020 e envolveu a própria FIFA e sua necessidade de monetizar na internet e a LiveMode, uma empresa que ajudou a estruturar a plataforma do Casimiro e cuida da sua área comercial. “A Fifa nos contratou como agência exclusiva para América do Sul, na comercialização de patrocínios regionais (…) Em seguida, teve uma renegociação do contrato com a Globo, em que eles recuperaram os direitos digitais, não-exclusivos, e falaram que gostariam de monetizar esses direitos”, contou Edgar Diniz, sócio da LiveMode, em entrevista ao podcast Dinheiro em Jogo. Sem entrar em disputas por direitos, a CazéTV, em alguns casos, paga um valor fixo por direitos, em outros, faz um modelo de divisão de receita.

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Na TV aberta, os direitos permanecem com a Rede Globo, ao menos em partes: a emissora carioca adquiriu o direito de 50% partidas e exibirá parte delas na TV aberta. O mesmo modelo será aplicado na próxima copa masculina, em 2026, com a exibição de 52 dos 104 jogos previstos. Em entrevista a jornalistas durante o anúncio, o diretor de esportes da emissora, Renato Ribeiro, afirmou que  “a Copa feminina inaugura essa nova fase de negociação dos direitos de transmissão perante a Fifa”.

Divisor de águas

Para os organizadores, a Copa “se tornará um divisor de águas no esporte feminino global”. A frase é de Sarai Bareman, diretora de futebol feminino da FIFA, que classifica o evento como ponto de virada “não apenas do ponto de vista do público, mas muito além disso, do desenvolvimento global do jogo e da celebração do empoderamento feminino”.

Mas, embora a crescente popularidade do esporte tenha ajudado a fazer grandes progressos principalmente no que se refere aos salários das jogadoras, empecilhos em acordos de transmissão de TV afetaram a preparação para a competição. Há razões para isso.

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O futebol masculino, de fato, é mais consolidado (e consumido) que o feminino no mundo. Segundo dados da consultoria e agregadora de dados Statista, a previsão de audiência total de televisão da Copa Feminina de 2023 é de 2 bilhões — um número muito superior aos 1,12 bilhão registrados na edição anterior, de 2019. Na versão masculina do campeonato, contudo, esses mesmos 2 bilhões foram alcançados somando apenas o jogo de abertura (500 milhões) e a final (1,5 bilhões).

O dinheiro que circula no campeonato de 2023 também é menor, mas cresce a um ritmo bem mais acelerado. A edição masculina mais recente distribuiu US$ 440 milhões aos jogadores — um aumento de 10% na comparação com o torneio anterior. Já a versão feminina, deve distribuir US$ 110 milhões, um número 366% maior que os valores distribuídos na edição anterior. Mesmo com o aumento, o valor ainda não passa de uma fração do que foi distribuído para os jogadores homens.

De acordo com Gianni Infantino, presidente da FIFA, a federação teria um plano para “equalizar os pagamentos feitos a homens e mulheres até os eventos de 2026 e 2027”. Mas, para isso, ele precisaria que as companhias e as empresas que transmitem os jogos ‘embarcassem’ no plano. “Precisamos estar do mesmo lado. A FIFA está dando um passo à frente com ações e não apenas palavras”, disse.

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Este passo à frente, no caso, começou com a criação de um departamento específico dentro da entidade para cuidar da negociação de patrocínio e direito de transmissão dos jogos femininos. Mas o que começou como uma teórica demonstração de boa vontade, acabou se transformando em uma queda de braço entre a federação e as grandes redes de televisão no mundo que chegaram a oferecer 1% do que foi pago para transmitir os jogos do torneio masculino.

Um mês antes do início competição, a FIFA ainda não havia alcançado um acordo de transmissão na Europa e os governos locais chegaram a reagir para evitar um blecaute na transmissão.

Embora os valores do acordo não tenham sido abertos, no começo de maio, as emissoras britânicas haviam colocado na mesa uma proposta para pagar entre US$ 9 e US$ 10 milhões pelos direitos de exibição — cerca de 5% do valor pago pela versão masculina do torneio, US$ 200 milhões. Os valores oferecidos foram considerados “um tapa na cara” do futebol feminino, segundo Infantino.

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Para além do esporte

A seleção brasileira acabou de fazer uma boa estreia na Copa do Mundo de futebol feminino, mas, bem antes do futebol, muitas outras questões, que vão da falta de recursos e patrocínio até pedidos de aumento de pagamentos, já haviam entrado em campo.

A equipe do Haiti, por exemplo, desembarcou na Oceania sem qualquer patrocínio. Na seleção inglesa, a briga entre as jogadoras e a Associação de Futebol da Inglaterra é por garantir bônus por performance, como aqueles que normalmente são pagos aos jogadores homens, enquanto as canadenses protestaram sobre a falta de recursos. “Muitas vezes, precisamos escolher qual tratamento médico poderemos receber porque nossa equipe de fisioterapia é pequena”, afirmou uma das jogadoras.

A seleção da Espanha está desfalcada depois que 15 jogadoras escreveram uma carta para a federação espanhola de futebol exigindo mudanças e melhorias nas condições de trabalho. A resposta foi dura: a Federação afirmou que não aceitará pressão das jogadoras e classificou a carta como uma manobra ‘distante dos valores do esporte’. Como resultado, algumas das estrelas do time acabaram ficando de fora da seleção. Nesses embates, o esporte saiu perdendo.

Mariana Amaro

Editora de Negócios do InfoMoney e apresentadora do podcast Do Zero ao Topo. Cobre negócios e inovação.