Biotecnologia atrai capital de risco, mas fatia do Brasil ainda é pequena

Capital de risco global destinou US$ 35 bilhões para startups deste setor entre 2019 e 2021, mas Brasil só US$ 32 milhões desde 2015

Wesley Santana

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A biotecnologia moderna, dentro de suas vertentes, já permitiu a criação de novas formas de fermentação para bebidas, criação de medicamentos especiais e terapias genéticas com foco em doenças raras até a elaboração de pesticidas para situações (e pragas) específicas.

Esse mundo de possibilidades atraiu os fundos de investimentos de capital de risco, que destinaram cerca de US$ 35 bilhões para startups deste setor entre 2019 e 2021, de acordo com a consultoria McKinsey. Só no último ano deste relatório, mais de 3,1 mil soluções receberam investimentos externos, elevando a um patamar 50% superior um número que já era atrativo.

No Brasil, uma das biotechs que receberam investimentos foi a Symbiomics, que trabalha para aumentar a produção agrícola com base em produtos biológicos. Fundada em 2021 por dois estudantes de doutorado, o principal ramo de atividade é o isolamento de micro-organismos para nutrição vegetal, biocontrole, sequestro de carbono e bioestimulantes.

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A startup levantou R$ 10 milhões para escalar o negócio, montante que viabilizou a construção de seu próprio laboratório, em Florianópolis (SC), inaugurado nesta segunda-feira (5). O espaço de 300m² foi criado para que a empresa tivesse autonomia de não só pesquisar os materiais, mas testá-los na prática, podendo conduzir os cincos passos necessários do processo: isolamento do microorganismo, sequenciamento genético, desenho do produto, teste em casa de vegetação e, por fim, teste em campo.

“Agora, a nossa linha de pesquisa e desenvolvimento vai de ponta a ponta: da descoberta dos micro-organismos em ambientes naturais do Brasil, um processo feito por meio da coleta de amostra dos biomas, aos testes em campo”, detalha Rafael de Souza, CEO e cofundador da Symbiomics. “O laboratório tem toda a infraestrutura de microbiologia e de biologia molecular, que permite que se faça tudo internamente”.

Em seu modelo de negócio, a empresa faz todo o processo de desenvolvimento de microorganismo e, quando aprovado, licencia para empresas do ecossistema do agronegócio. Em seu primeiro acordo global, também anunciado nesta semana, a Symbiomics fez parceria com a norte-americana de fisiologia vegetal Stoller para a pesquisa e futuro licenciamento de consórcios microbianos.

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“Nós entregamos toda a combinação de micro-organismos para a empresa, que tem capacidade de produzi-los em larga escala para revender ao produtor final. Com isso, para cada dose do produto vendido, nós recebemos uma porcentagem”, destaca Rafael, que fundou a marca ao lado de Jader Armanhi.

Retorno no longo prazo

Embora os investidores estrangeiros estejam de olho na biotecnologia, no Brasil a situação é um pouco diferente. Pelos registros da Distrito, nos últimos cinco anos, as startups deste segmento levantaram pouco mais de US$ 32,5 milhões (cerca de R$ 160 mi) na cotação atual.

“O mercado de biotech ainda é incipiente em relação aos investimentos provenientes de investidores de risco (Venture Capital). No Brasil, grande parte do volume de financiamento para projetos desse mercado é proveniente de iniciativas públicas”, esclarece Eduardo Fuentes, head de research da plataforma que conecta empresas e startups.

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Essa realidade está ligada ao fato de que os retornos nesta área nem sempre são rápidos. Ao contrário de startups de outros segmentos, como o financeiro, que tem seus produtos factíveis desde o começo, no caso das biotech, os resultados dependem de estudos e testes subsequentes que podem demorar anos. Mas esse tempo tem diminuído cada vez mais.

Gabriel Montovani, CEO e fundador da Vesper Venture, uma venture builder catarinense focada em biotecnologia, recorda que nos últimos 15 anos houve avanços que reduziram drasticamente o custo e o tempo do lançamento de um produto desta área. Apesar disso, ele comenta que o atual modelo de investimentos em startups foge à realidade do mercado de biotechs, pois foi criado pensando em empresas de softwares, que têm tempo de escala e formato diferentes.

Esse tipo de negócio se diferencia, ainda, pelo alto nível de propriedade intelectual e por, em sua maioria, não ter um perfil comercial, ou seja, trabalha para desenvolver e validar patentes, com o objetivo de posteriormente vender o licenciamento para uma farmacêutica, por exemplo. “Hoje, grande parte da inovação das multinacionais em agro e farma é a partir da aquisição de tecnologia de startups, então isso fez com que se precisasse de muito menos tempo e capital para se ter retorno em um capital como esse”.

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“O Brasil é um celeiro de oportunidades e grande parte das publicações nacionais já estão dentro da área de biotecnologia. O problema é que temos um abismo que separa a academia da indústria nacional e internacional. Na nossa visão, a startup é o mecanismo mais eficiente para levar a inovação da universidade para a sociedade”, destaca.

A Vésper conseguiu juntar R$ 25 milhões, montante que já foi para a rua financiar sete projetos inovadores, incluindo o da Symbiomics. Outra investida, a Futr Bio recebeu recursos para ampliar os estudos de vacinas de RNA mensageiro (mRNA) para prevenção e cura de doenças complexas, como o câncer.

Agora, com o caixa esgotado, o fundo abriu uma segunda rodada de captação -esta no valor de R$ 100 milhões- para se consolidar como um veículo de investimento referência no campo da biotecnologia. Na projeção do conselho, esse montante deve apoiar 10 novas startups que preencham critérios como: corpo técnico de alto nível, projetos de inovações patenteadas e que sejam soluções que resolvam problemas globais.

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“No Brasil, as incubadoras e aceleradoras se preocupam mais em conquistar o máximo de market share num curto período de tempo do que ajudar o departamento de P&D das empresas embrionárias. Para o desenvolvimento pleno de biotecnologia, no entanto, a estratégia é totalmente oposta, uma vez que utiliza tecnologias inéditas. Primeiro é preciso validar as hipóteses e só então negociar licenciamentos no mercado”, conclui Gabriel.

O que é a biotecnologia

No ano passado, a bioquímica francesa Carbios anunciou a construção da primeira fábrica de plástico PET totalmente reciclável do mundo, previsto para entrar em operação em 2025. Segundo a empresa, a produção do material inovador vai ser viabilizada pela descoberta de enzimas que desconstroem os resíduos plásticos em seus componentes básicos, permitindo sua refabricação com a mesma qualidade em infinitas vezes.

Esse é só um dos procedimentos possíveis a partir da biotecnologia, que, como o nome sugere, é a junção entre a biologia e a tecnologia. Essa área científica estuda o manuseio de micro-organismos vivos para atingir um resultado que não se alcançou pelos meios convencionais.

Embora seus primeiros resultados sejam antigos, a biotecnologia moderna, nos padrões que se conhece hoje, ficou conhecida no século 20. Ela é subdividida em categorias, todas identificadas por cores diferentes, em que cada uma se refere a um tipo de aplicação. A vermelha, por exemplo, está relacionada à saúde humana, enquanto a verde é da agricultura.