Associação de distribuidores de energia vai ao STF por redução de ICMS e busca solução aos subsídios de painéis solares

Segundo presidente da ABRADEE, custo extra que será pago por consumidores na conta de luz pode chegar a R$ 270 bi por novos pedidos da geração distribuída

Anderson Figo

Painéis solares (Reprodução Reset)

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Subsídios oferecidos nos últimos anos a quem utiliza novas tecnologias na geração de energia limpa no Brasil, como a instalação de painéis solares, via geração distribuída (GD) — termo dado à energia gerada no local de consumo ou próximo a ele — estão inflando a conta de luz da população e onerando as distribuidoras, segundo Marcos Madureira, presidente da ABRADEE (Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica). A entidade articula com o governo soluções para o peso dos descontos no bolso das pessoas e para reduzir impostos do setor.

Em 2012, a Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) criou um incentivo para quem quisesse instalar painéis de energia solar em suas propriedades via geração distribuída. Essas pessoas estão isentas de pagar pelo uso da rede de distribuição e transmissão, isentas de pagar por perdas de energia e também não contribuem para a CDE (Conta de Desenvolvimento Energético) — espécie de fundo abastecido por todos os consumidores de energia no mercado regulado para bancar descontos na conta de luz da população de baixa renda.

“Na época, realmente seria inviável pelo preço daquela tecnologia, principalmente da fotovoltaica, cobrar esses custos de quem utilizava a geração distribuída. Havia projetos com taxas de retorno de 4% a 7% ao ano, muito baixos”, explica Madureira. “Mas o preço de investimento dos painéis solares caiu cerca de 80% nos últimos dez anos. Ou seja, algo que custava, por exemplo, R$ 1 mil, passou a custar só R$ 200. Foi uma redução muito grande nos custos de investimento da energia fotovoltaica”, continuou.

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A regra da Aneel foi revista em 2019. Após uma consulta pública, a entidade entendeu que não tinha mais sentido manter o subsídio, pois o custo de instalação da nova tecnologia havia caído. A discussão seguiu para o Congresso Nacional, com a aprovação da Lei 14.300, de 7 de janeiro de 2022, que ficou conhecida como o Marco Legal da Geração Distribuída.

Ele estabeleceu que os projetos de geração distribuída solicitados e aprovados pela agência reguladora até 7 de janeiro de 2023 estariam isentos de pagar os custos do sistema até 2045, provocando uma explosão de novos pedidos. De outubro de 2022 até 7 de janeiro de 2023, foram mais de 480 mil novas solicitações, que juntas somam um potencial de geração de energia de cerca de 35 GW. A potência instalada de geração distribuída no país até então era de 17 GW.

Quem entrou com pedido para ter um projeto de geração distribuída depois de 7 de janeiro de 2023, cai numa regra de transição. Por sete anos, essas pessoas vão pagar apenas uma parte dos custos do sistema e, posteriormente, a Aneel vai estabelecer o valor a ser cobrado via análise de custos e benefícios de cada projeto.

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“O custo que vai deixar de ser pago por esses novos consumidores de geração distribuída, se todos os projetos forem viáveis, pode chegar a R$ 270 bilhões. Esse dinheiro, pela regra atual, deve ser bancado por todos os consumidores do mercado regulado. Ou seja, entram na conta de luz da população em geral, que não tem painéis solares em suas casas ou comércios.

Segundo Madureira, a ABRADEE defende que há distorções no modelo da Aneel para a geração distribuída. Uma delas é a chamada geração remota, na qual a pessoa pode instalar painéis fotovoltaicos em um terreno ou local longe de onde essa energia gerada será utilizada. Esse conceito, segundo ele, foi expandido para a chamada geração compartilhada, na qual pessoas se juntam para instalar painéis em um determinado local, gerando energia que será utilizada em diferentes pontos.

“O que nós vimos foi uma distorção desse conceito, com investidores instalando pequenas usinas e comercializando essa energia gerada”, disse. “O dono não tem nenhuma relação de propriedade entre um e outro. O pessoal que está entrando é como se estivesse alugando a usina. No nosso entendimento, houve uma distorção no que a lei permitiu. E o custo aos demais consumidores é muito alto.”

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Outro ponto que chama atenção é a desigualdade do problema: embora o custo de instalação dos painéis fotovoltaicos tenha diminuído nos últimos anos, ele ainda só cabe no bolso da classe média, média alta e alta ou empresas — isso cria uma “perversidade” no sistema, uma vez que a população de poder aquisitivo menor teoricamente está pagando a conta dos subsídios dados aos mais ricos.

Você tem uma inversão na pirâmide. Você tem cada vez mais uma população de menor renda pagando mais caro pagando mais caro para que uma população de maior renda se beneficie.”

De acordo com o site da Aneel, a maior parte dos usuários de GD no Brasil hoje é formada pela categoria “comércio” — grandes redes varejistas, empresas de telecomunicações, bancos, indústrias etc. As pessoas físicas são consumidores residenciais com contas de energia historicamente elevadas, de maior renda.

Soluções

Na avaliação da ABRADEE, a GD subsidiada precisa de uma solução o quanto antes porque já causa problemas ao sistema que vão além do custo maior para a população. “É uma geração inflexível. Você não sabe onde ela entra, não tem nenhum planejamento, e você não sabe quando e como ela vai entrar. Já tivemos no Brasil alguns eventos em que, por alguma razão, houve uma desconexão da geração distribuída. Isso provocou um problema no sistema elétrico. Tivemos o uso do ERAC [Esquema Regional de Alívio de Carga], que é um sistema de alívio quando há perda de geração ou aumento de carga, provocado por uma geração que você não tem controle sobre ela”, disse Madureira.

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“Na Europa, já houve até blecaute por causa disso, do descontrole de GD. Quando você tem em pequena quantidade, não é um problema. Mas, hoje, os 17 GW que nós já temos são quase 10% da capacidade de geração instalada que nós temos no Brasil. Se nós ampliarmos isso para esse volume de demanda do final do ano, isso atinge um nível muito mais elevado. É uma geração que você não tem controle sobre ela. O ONS [Operador Nacional do Sistema] não tem controle sobre a energia gerada dessa forma. Nós já tivemos que desligar usinas eólicas no Nordeste porque não havia capacidade de transmissão em determinado momento da energia gerada, ou não havia necessidade daquela quantidade de energia”, completou.

Uma das alternativas para o problema seria o governo se responsabilizar pela conta que hoje está sendo cobrada da população. “Subsídios em determinadas situações são necessários, mas é preciso ter responsabilidade fiscal: se o governo vai ceder um benefício de um lado, tem que apontar uma compensação para esse dinheiro que vai deixar de ganhar do outro. Isso não foi feito lá atrás e deve ser revisto”, disse o presidente da ABRADEE.

Madureira defendeu ainda que o governo reveja os prazos de benefícios. “Dentro da CDE, por exemplo, há alguns incentivos com duração de 50 anos. Faz sentido? Não faz. É preciso olhar para o que está ali dentro e ver o que não é necessário mais. E o que for necessário tem que ser tratado como o que é: política pública”, afirmou.

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Se é política pública, tem que ser pago com recursos da União.”

Outra sugestão dele é a reformulação de tarifas na distribuição, separando o que for custo da rede e o que for custo de geração de energia. “Aí, começamos a ver sentido [nos subsídios]. Se alguém está gerando sua própria energia elétrica limpa, tem desconto na energia, mas não deixa de pagar pela rede. A geração distribuída não existe sem a rede elétrica.”

Prorrogação do prazo

Aprovado em dezembro de 2022 na Câmara, o Projeto de Lei 2.703/22 prevê a prorrogação do prazo final para a instalação de microgeradores e minigeradores de energia fotovoltaica com isenção de taxas pelo uso da rede de distribuição para inserir a energia elétrica no sistema. É o prazo que expirou em 7 de janeiro de 2023, o qual seria aumentado em seis meses, dando mais tempo para que mais investidores pudessem se beneficiar da isenção até 2045.

Segundo o texto, que ainda deve passar pelo Senado, a isenção também valerá para as novas PCHs (pequenas centrais hidrelétricas) com geração de até 30 MW e autorização outorgada a partir da vigência da futura lei. Haverá ainda necessidade de vínculo à unidade consumidora. Entretanto, o prazo para as PCHs seria estendido por mais um ano e meio.

“Eu espero que não passe. É um absurdo”, avaliou Madureira. “Não é do interesse de consumidores que isso aconteça, mas sim de investidores em centrais de geração. É uma distorção do modelo, sem dúvida nenhuma. Quando a gente avaliou essa prorrogação, ela dava alguma coisa como R$ 108 bilhões [de custos extras]. Ela vinha com mais outras coisas, como uma extensão da potência e um prazo de instalação de GD se fosse de origem hidráulica PCH”, explicou Madureira.

“Nós somos o elo mais próximo do consumidor. Quem entrega a conta de energia somos nós. Quando um deputado vai lá e solta um Projeto de Lei para tentar impedir um reajuste tarifário, ele não está preocupado com o que gerou aquela conta alta, que às vezes foi até um benefício que ele mesmo colocou dentro da conta. Ele só quer que não tenha um reajuste, o que não faz sentido. A conta de energia é um somatório de custos. Uma distribuidora fica em média com 22%-23% do custo final numa conta de energia, o restante é tributo, encargo, transmissão e geração. Só que nós entregamos a conta inteira”, continuou.

Nós que nos responsabilizamos por toda a inadimplência, por toda a perda. Então, lutamos sim por uma conta justa. Um valor que o consumidor consiga pagar.”

(Getty Images)

ICMS no STF

Em outra frente, a ABRADEE pretende atuar junto ao STF (Supremo Tribunal Federal) pela redução do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) sobre a energia elétrica. A Lei Complementar 194/2022 estabeleceu um teto de 18% para o imposto, mas uma liminar do ministro Luiz Fux suspendeu, em fevereiro de 2023, tal limite. Na prática, a entidade diz que a medida deve aumentar ainda mais a conta para os consumidores.

A associação, segundo Madureira, vai trabalhar para que o plenário do STF tenha acesso a todos os efeitos da decisão e possa validar a redução que teve o ICMS sobre a energia elétrica. “49% da conta era encargo, impostos. É um absurdo. Metade da conta não vem de trabalho nenhum realizado, é imposto puro. As alíquotas de ICMS [sobre a energia] se comparavam a itens como cigarros e bebidas. Eles não estão na base da cadeia produtiva. A energia elétrica está. Mas é assim porque é a forma mais fácil de arrecadar, não se gasta um ‘tostão’ com a máquina de arrecadação”, disse o presidente da ABRADEE.

Com a decisão do STF, os estados que já adequaram a base de cálculo do ICMS em atendimento à Lei 194/2022 teriam aumento na conta de luz em torno de 10%. Já aqueles estados que ainda não haviam se ajustado à nova regulamentação continuariam cobrando o ICMS sobre a atual base de cálculo. Apenas oito estados haviam regulamentado completamente a redução do ICMS até a decisão de Fux.

“O nosso entendimento é que a lei tem que ser cumprida. Foi uma decisão monocrática de um ministro do STF que [para valer] tem que ser referendada pelos demais. Vamos trabalhar para mostrar a eles como a lei 194 reduziu de fato a conta de luz para os consumidores”, disse Madureira. “Tanto que a distribuição passou a ter um peso maior na conta de luz final, antes era de 18% e, agora, está entre 22% e 23%, como falei anteriormente. Foi por causa dessa limitação do ICMS”, concluiu o presidente da ABRADEE.

Anderson Figo

Editor de Minhas Finanças do InfoMoney, cobre temas como consumo, tecnologia, negócios e investimentos.