As mudanças silenciosas na Localiza

Com o setor de locação sendo atacado por todos os lados, a companhia vem realizando mudanças internas e se preparando para uma maior competição 

Letícia Toledo

(Divulgação)

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SÃO PAULO – Não são poucas as histórias de empresas que dominaram seus segmentos por décadas, mas que tiveram de mudar para continuar no topo. No Brasil, a Localiza (RENT3) está nesse processo.

Líder no segmento de locação de veículos, a companhia vem fazendo importantes mudanças internas. O momento é decisivo. Apesar do faturamento anual de quase R$ 8 bilhões e da expansão de mais de 60% do lucro entre 2015 e 2018, especialistas acreditam que a empresa pode ser afetada por um aumento da concorrência (com empresas de outros segmentos entrando na locação de veículos) e políticos estudando medidas para reduzir os benefícios das locadoras brasileiras.

A própria Localiza reconhece que mudanças são importantes para seguir como líder do segmento. “As empresas que estão na liderança não podem ficar presas a paradigmas do passado. É importante inovar e nós temos feito isso ao longo dos anos”, afirma Bruno Lasansky, diretor executivo de operações da Localiza, em entrevista ao InfoMoney.

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Uma das principais mudanças que a Localiza vem fazendo para se adequar a esse novo cenário é a troca de executivos que estavam há décadas na empresa por alguns nomes novos. Segundo InfoMoney apurou, juntamente com as alterações realizadas na diretoria nos últimos anos, a empresa vem realizando um processo para preparar o sucessor para o atual presidente do grupo, Eugênio Mattar — um dos fundadores da companhia, criada em 1973.

Segundo fontes próximas à empresa, o atual diretor de operações Bruno Lasansky está sendo preparado para assumir o posto. Lasansky, que é formado em engenharia de produção, fez carreira na consultoria Bain & Company, onde ficou por 11 anos e se tornou sócio, e entrou na Localiza em 2016.

Contratado inicialmente para comandar a divisão de aluguéis de veículos, neste ano ele teve suas funções ampliadas e hoje é responsável por todas as divisões de negócios (além do aluguel, a gestão de frotas e seminovos). “O Bruno tem uma cabeça jovem, que condiz com as mudanças e os novos desafios do setor de mobilidade. É um processo que ainda precisa de tempo e deve demorar cerca de mais dois anos”, afirma uma pessoa a par do assunto.

Além de Lasansky, outros dois nomes importantes dessa nova era da Localiza são o atual diretor financeiro, Mauricio Fernandes Teixeira, e o diretor de recursos humanos, Daniel Guerra Linhares, ambos contratados em 2017.

“A Localiza é uma empresa que tem planejamento e todo o processo de sucessão é conduzido com muito rigor e cuidado”, afirma Lasansky quando questionado se estaria sendo preparado para assumir os negócios. “Meu nome deve estar cotado para a sucessão, assim como o de outros diretores”, completa.

“A Localiza fez uma mescla interessante com nomes internos, que entendem muito do negócio de locação e com nomes externos, que tem uma experiência maior em mobilidade e trazem uma visão complementar para a empresa”, afirma Patrick Pereira, um dos gestores do fundo NEO future, que detém ações da companhia.

Segundo pessoas a par do assunto, outro passo importante que a Localiza vem adotando é a revisão de sua cultura e políticas internas — para poder atrair e reter talentos. Uma das regras que a companhia tinha até pouco tempo, por exemplo, era a de pedir que seus funcionários escondessem suas tatuagens no trabalho. “Hoje, por conta das mudanças no setor, a Localiza precisa ser cada vez mais uma empresa de tecnologia. Se continuasse presa ao modelo antigo, poderia sofrer no recrutamento de pessoas mais jovens”, afirma um executivo.

Novas concorrentes no setor

Especialistas veem as montadoras como potenciais competidoras das locadoras em um futuro próximo. Em setembro, a Toyota começou a alugar carros diretamente nas concessionárias. O serviço por enquanto está disponível para as cidades de São Paulo, Belo Horizonte, Brasília, Porto Alegre, Recife e Salvador. Os valores das diárias de aluguel variam entre R$ 190 e R$ 599.

“A Toyota costuma ser a referência das montadoras hoje em dia. Quando ela entra em um segmento, a concorrência tende a segui-la”, afirma Raphael Galante, consultor do setor automotivo e colunista do InfoMoney.

Sobre essa competição, Lasansky afirma que o diferencial é justamente a experiência que a Localiza já possui no segmento. “A Localiza tem uma escala muito grande, estamos em mais de 350 municípios, e temos uma trajetória exemplar em encantar o cliente”, afirma o executivo.

Além disso, ele ressalta alguns produtos que a Localiza conseguiu lançar, como o Localiza FAST, que permite que o cliente alugue o carro diretamente pelo app da companhia, sem precisar passar pelo balcão, e o Localiza Pass, que permite que o cliente possa passar por pedágios e estacionamentos sem precisar parar para pagar.

“Mais do que a competição com as locadoras em si, a Localiza precisa pensar que ela vai ter que competir cada vez mais com outras empresas que vêm ampliando a oferta de produtos que solucionam as dificuldades de mobilidade das pessoas. É isso o que precisa ser trabalhado lá dentro”, afirma um executivo que acompanha o setor

Mudanças na legislação

Outro ponto que tem chamado a atenção e pode afetar o setor das locadoras é um projeto de lei que quer tornar mais rígida a regra de revenda de veículos. Hoje, as locadoras compram seus automóveis diretamente com as montadoras e obtêm descontos entre 30% e 35%, além da isenção do Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS).

Por conta disso, as locadoras conseguem revender carros com pouco tempo de uso a preços mais baratos que as revendas tradicionais. No ano passado, por exemplo, a Localiza teve uma receita líquida de R$ 7,9 bilhões, sendo que R$ 4,5 bilhões vieram da venda dos veículos seminovos. Em 2018, as locadoras foram responsáveis por 19% do total de automóveis vendidos no país.

O projeto de lei 3.844, do deputado Mário Heringer (PDT-MG), quer estabelecer que os veículos comprados diretamente das montadoras só possam ser vendidos sem tributação depois de 24 meses. “Meu objetivo com esse projeto foi criar um projeto para incomodar as locadoras. Os benefícios que elas possuem hoje precisam ser repensados”, afirma Heringer em entrevista ao InfoMoney.

“O projeto da maneira como está hoje só prejudica a empresa. Se ele for aprovado, a perda de receita pode ser grande. Para compensar isso, a tendência é que as locadoras aumentem o preço do aluguel dos veículos, o que seria ruim não só para as locadoras como também para o consumidor”, afirma Welliam Wang, sócio e co-gestor de renda variável da AZ Quest.

O projeto atualmente está em discussão na Comissão de Desenvolvimento sob relatoria do deputado Jesus Sérgio (PDT-AC). Segundo relatório da XP Investimentos, a tendência é que o deputado apresente um parecer favorável na comissão no fim de outubro, mas o texto pode sofrer alterações. Passando na comissão, o texto passaria pela comissão de Constituição e Justiça e, por tramitar em caráter conclusivo, seguiria diretamente para o Senado, que deve indicar as comissões para debater o tema.

Sobre o projeto de lei, a Localiza afirma que vem mantendo diálogo por meio da associação que representa o setor. “A venda do carros na Localiza é necessária para se desfazer de um ativo no fim de um ciclo. Não compramos carros pensando em revender. O aluguel é o local em que a gente gera o real valor para os acionistas”, afirma Lasansky.

Por enquanto, os investidores não parecem tão preocupados com as perspectivas de mudança que podem afetar a Localiza e suas concorrentes. As ações da Localiza subiram 52% neste ano, bem mais que o Ibovespa, que teve alta de 19%. Os papéis de Movida e Locamérica, suas competidoras na Bolsa, tiveram alta de 77% e 44%, respectivamente.

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Letícia Toledo

Repórter especial do InfoMoney, cobre grandes empresas de capital aberto e fechado. É apresentadora e roteirista do podcast Do Zero ao Topo.