5 passos de uma derrocada: como as ações do Pão de Açúcar desabaram de R$ 100 para R$ 30

Desde 2013, quando Abílio Diniz deixou a empresa, o mercado já via sinais para duvidar da empresa, que viu seu valor desabar na Bolsa em poucos meses

Rodrigo Tolotti

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SÃO PAULO – No início de 2015 era quase unânime a recomendação dos analistas para comprar ações do Pão de Açúcar (PCAR4), com uma visão de empresa muito bem gerida e em um negócio que, mesmo impactado pela crise econômica, é bastante resiliente e não deveria sofrer muito. O tempo mostrou que nada disso foi capaz de impedir uma das mais duras perdas da Bolsa em 2015: a ação que ano passado chegou a valer acima de R$ 100 perdeu de 60% de seu valor.

Mesmo neste cenário há alguns analistas que sustentam a recomendação de compra para os papéis da rede de supermercados. Enquanto isso, há analistas que não veem um bom momento de compra mesmo com o preço cada vez mais convidativo para o investidor que gosta de caçar barganhas no mercado – a recomendação de neutralidade vale também para quem ficou “paralisado” nesse movimento de queda e não se desfez do papel: agora não há motivos para vender a ação tão barata. Mas o que muitos tentam entender é: o que aconteceu para a empresa cair tanto e por que ainda se “animar” com esta ação?

O InfoMoney consultou diversos analistas para tentar entender como a companhia perdeu tanto valor no último ano e o que se pode perceber é que está ocorrendo uma “tempestade perfeita” no Pão de Açúcar. Desde a mudança de controle da empresa, ainda em 2012, com a saída de Diniz, até a atual desaceleração da economia, a companhia tem levado muitas dúvidas para o mercado, que passou a “fugir” dos ativos PCAR4.

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Na época em que o empresário brasileiro deixou o comando da companhia, as ações do Pão de Açúcar eram cotadas a R$ 98,00, passando para R$ 70,00 no início de 2015 quando muitos analistas viram uma boa oportunidade de compra diante das quedas. Porém, o último ano foi bem mais complicado do que previam os especialistas e os papéis desabaram pressionados em grande parte pelo seu novo controlador, o francês Casino, encerrando 2015 em R$ 41,86.

Novo controle e o fim da confiança
Apesar de distante, para entender o atual preço dos papéis do Pão de Açúcar é preciso lembrar dos anos de briga entre Abílio Diniz e o Casino pelo controle da companhia. Ainda em 2012, o grupo francês passou a ter mais da metade dos papéis da varejista brasileira, mas Abílio seguia como presidente do Conselho de Administração, o que manteve uma disputa dentro da empresa por pelo menos mais um ano, quanto em 6 de setembro de 2013 o empresário anunciou que deixava por completo o Pão de Açúcar, que foi fundado por seu pai.

Segundo a equipe da XP Investimentos, essa troca de controle fez muita diferença no Pão de Açúcar, já que a partir daquele momento o grupo francês passava a deixar como prioridade o ganho de margem, realizando cortes de custos e despesas na varejista. Era um grande desafio, mas o mercado não deixou de ver com bons olhos uma das empresas mais caras da Bolsa.

Mas então os resultados começaram a mostrar que aquela estratégia adotada pelo Casino poderia não ser uma boa ideia. Para um gestor que não quis se identificar, no momento em que os investidores passaram a ver uma forte queda nas vendas do Pão de Açúcar, deixando a companhia atrás dos números do Carrefour, por exemplo, foi quando começou-se a duvidar dos cortes feitos pelos franceses e os impactos que eles tiveram nos negócios.

Este passa a ser um momento crucial no futuro da empresa, já que desde então o Pão de Açúcar não conseguiu ter te volta a total confiança do mercado. 2014 foi um período, segundo o gestor, que os investidores passaram a analisar se a piora dos resultados ocorriam por conta do cenário macroeconômico, fatores pontuais, ou de um erro na estratégia do Casino quando assumiu a empresa.

Com muitas questões a serem respondidas, mas com a demonstração de uma gestão forte e em um setor resiliente, as ações da companhia praticamente não saíram do lugar durante 2 anos. Entre março de 2013 e dezembro de 2014, os papéis oscilaram entre R$ 90 e R$ 110, mas começando e terminando este período no nível de R$ 100. Mas mal sabia o mercado que este preço não voltaria a ser o mesmo.

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Franceses “desprezam” Pão de Açúcar: R$ 100 nunca mais
A confiança do mercado estava cada vez pior, mas foi em julho de 2015 que o Casino praticamente confirmou que os investidores estavam certos em temer o futuro do Pão de Açúcar. No dia 30 daquele mês, o grupo francês anunciou que iria compartilhar com sua controlada colombiana Éxito o controle direto da varejista brasileira, como parte de uma reorganização das atividades do grupo na América Latina para rebalancear sua estrutura financeira.

O Casino vendeu 50% da empresa francesa Segisor, que detinha a maior parte das ações com direito a voto do Pão de Açúcar em uma operação que também incluiu a venda para a Éxito de 100% da subsidiária do Casino na Argentina, a varejista Libertad. Tudo isso em um negócio de € 1,7 bilhão.

“Apesar de ser difícil de algo desse tipo acontecer no Brasil por conta das nossas leis, o mercado olhou nesta operação uma grande questão sobre se o Casino seria capaz de realizar algum tipo de negócio também com o Pão de Açúcar para balancear suas contas, o que seria muito negativo para a brasileira”, afirma o gestor que pediu para não ser identificado.

Naquele momento, já era claro para o mercado que os franceses estavam bastante alavancados e tinham uma grande necessidade de capital. Com a operação na Colômbia, o mercado começou a se preparar para algum tipo de negócio envolvendo o Pão de Açúcar.

Ainda antes da notícia, quando as ações começavam a se distanciar dos R$ 100, analistas começaram a ver uma grande oportunidade em comprar ações da varejista já que viam um negócio sem grande impactos da crise e com uma gestão vista como muito boa. Mas cada vez mais os especialistas se mostravam errados, e após a notícia envolvendo o Éxito, o medo do mercado aumentou e fez com que as ações PCAR4 desabassem na bolsa em pouco tempo, passando de R$ 85,47 em abril de 2015, para R$ 63,50 em agosto.

Perdendo os R$ 40: o impacto da crise
Mas não foram apenas os fatores dentro da companhia que acabaram fazendo os papéis desabarem. O impacto pode ter sido adiado, mas o Pão de Açúcar não conseguiu fugir da crise econômica que assola o País. A questão que pesa para a varejista está relacionada ao “downgrade de produtos”, ou seja, quando o consumidor passa a comprar produtos mais baratos para tentar economizar.

Ou seja, enquanto a expectativa era de que o segmento de varejo de alimentos não seria tão impactado pela piora do PIB (Produto Interno Bruto) e alta da inflação, já que os consumidores precisam continuar adquirindo estes produtos, os gastos foram reduzidos drasticamente, o que acabou afetando principalmente empresas como o Pão de Açúcar, focadas em um negócio “premium”.

Recentemente, o Grupo Pão de Açúcar divulgou que sua receita líquida consolidada ficou praticamente estável no quarto trimestre, com leve alta de 0,2%, para R$ 19,7 bilhões, com o segmento alimentar compensando o desempenho fraco da empresa de móveis e eletroeletrônicos Via Varejo. O segmento alimentar teve alta de 6,7% na receita, enquanto o segmento de multivarejo – que reúne Pão de Açúcar e Extra – teve variação negativa de 0,3%. Já o segmento não alimentar viu a receita recuar 6,2%.

Os números ajudaram a reforçar a visão negativa do mercado com a companhia, que ainda aguarda os primeiros sinais de uma reação da empresa. Para o analista Lenon Borges, da Ativa Investimentos, as pressões negativas macroeconômicas devem continuar pressionando o setor como um todo no curto prazo. Porém, considerando a forte queda recente dos papéis, o analista começa a se preparar para uma oportunidade com o Pão de Açúcar.

“Ao nosso ver podemos estar perto de uma oportunidade muito rara de aquisição de uma empresa bem gerida, consolidada em seu mercado, forte geradora historicamente de caixa, e com estrutura de capital muito melhor que os peers. No entanto, continuamos aguardando alguma melhora na perspectiva do mercado sobre as principais variáveis macroeconômicas para mudarmos nossa recomendação que atualmente é Neutra para o papel”, afirma Borges em relatório.

Com mais este fator se juntando ao cenário já duvidoso da companhia em relação ao seu controlador, os papéis que já foram cotados a mais de R$ 100 agora estão valendo “apenas” R$ R$ 38,91 (fechamento do dia 1 de fevereiro), após terem chegado a R$ 32 em meados de janeiro. E por enquanto não há uma perspectiva de melhora tão cedo, já que, segundo analistas, não há sinais de mudança no ambiente do Pão de Açúcar que justifiquem começar a comprar ações.

Dá para piorar: Cnova é investigada por desvios
O impacto não foi tão forte no Pão de Açúcar ainda, mas para piorar todo o cenário, no fim de 2015 a Cnova, empresa de comércio eletrônico do Casino que reúne os sites de Casas Bahia, Ponto Frio e Extra, passou a ser investigada por supostos desvios de mercadorias em estoque. Os números podem acabar afetando o resultado do Grupo como um todo.

Em relatório divulgado no último dia 12 de janeiro, a Cnova identificou que suas receitas líquidas foram sobrestimadas em cerca de R$ 110 milhões até dezembro após os desvios. Segundo a empresa, as investigações sobre irregularidades na conduta de funcionários relacionada à gestão de estoques estão sendo “tratadas e remediadas”.

As investigações realizadas até o momento indicam que será necessária uma baixa na mensuração do valor de itens danificados ou devolvidos representando aproximadamente 10% dos estoques totais. “Uma discrepância material nas contas a receber relacionadas aos itens danificados/retornados também foi identificada”, disse a Cnova no comunicado.

O impacto combinado, baseado em estimativas preliminares, resultaria em provisões sem efeitos caixa entre R$ 110 milhões e R$ 130 milhões que reduziriam o Ebit (lucro antes de juros e impostos) da Cnova.

O barato pode sair caro: fique de fora
Analistas não têm dúvida de que o Pão de Açúcar é bem gerido e está entre os players mais fortes do mercado, mas seu controlador na França tem gerado tantas questões que está afastando qualquer oportunidade de recuperação dos papéis na Bolsa. Segundo um gestor que não quis se identificar, em caso de uma melhora na margem da empresa, as ações teriam potencial para voltar para R$ 50,00. Ou seja, a pressão do Casino faz com que as ações PCAR4 valham apenas metade dos R$ 100 de seu auge.

“O Casino é uma gestão que não se provou ainda, e isto é o que mais pesa para o Pão de Açúcar”, afirma o gestor. Segundo ele, os dados recentes do grupo francês mostram uma alavancagem tão alta que á quase insolvência.

Para a equipe do JP Morgan, liderada por Andrea Teixeira, as principais prioridades da companhia para 2016 são: manter uma melhora da competitividade dos preços; concentrar-se em eficiência operacional, melhorando os níveis de serviço de estoques; e maximizar as sinergias dentro das diferentes empresas do grupo.

“No entanto, a baixa confiança deve continuar a custar caro nos resultados, como as iniciativas são suscetíveis de serem apenas gradativamente refletidas nos resultados  dado ‘o grande tamanho das operações'”, disseram em relatório. Para o banco, não há razão para se tornar mais otimista com a companhia nos próximos 9 a 12 meses.

Rodrigo Tolotti

Repórter de mercados do InfoMoney, escreve matérias sobre ações, câmbio, empresas, economia e política. Responsável pelo programa “Bloco Cripto” e outros assuntos relacionados à criptomoedas.