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O único país árabe que já venceu um Oscar aposta agora em um épico cinematográfico sobre um herói anticolonial e na abertura de novos estúdios de produção para recuperar seu lugar no mapa mundial do cinema.
A Argélia, que levou o prêmio de melhor filme estrangeiro em 1970 com o thriller político Z, planeja uma “reorganização histórica” da indústria cinematográfica nacional, segundo o assessor para assuntos culturais do presidente Abdelmadjid Tebboune.
Isso inclui mais histórias ambientadas no país do Norte da África — conhecido por sua postura fortemente independente — entre elas uma cinebiografia apoiada pelo Estado sobre o líder da resistência do século 19, Emir Abdelkader, além de incentivos para que produções estrangeiras filmem em território argelino, afirmou Faycal Metaoui, que recentemente participou de uma reunião com Tebboune, em entrevista.
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Uma aposta ousada em meio a desafios econômicos
Trata-se de uma aposta ambiciosa para o membro da Opep, com cerca de 47 milhões de habitantes, que mantém forte controle sobre uma economia dependente de energia e onde o turismo internacional é restrito. Ao mesmo tempo, os gastos públicos da Argélia estão em alta, enquanto as receitas recuam, forçando o país a buscar novas fontes de renda.
Tebboune, de 80 anos, que chegou ao poder em 2019, busca ampliar o perfil internacional da Argélia, inclusive por meio de possíveis acordos de gás natural com grandes empresas de energia dos Estados Unidos. O país também enfrenta disputas diplomáticas com o vizinho Marrocos e com a antiga potência colonial, a França.
O Parlamento argelino deve discutir ainda neste mês um projeto de lei que exige um pedido oficial de desculpas e indenizações de Paris pelo período colonial. A ocupação francesa, que durou mais de um século, inspirou a maioria dos grandes sucessos do cinema argelino — incluindo A Batalha de Argel, produção ítalo-argelina de 1966, lançada quatro anos após a independência.
Glória passada e produção limitada
Crônica dos Anos de Fogo conquistou a Palma de Ouro no Festival de Cannes em 1975, mas faz décadas que o maior país da África em área territorial não alcança reconhecimento semelhante. Atualmente, a produção anual de filmes — incluindo curtas, longas e documentários — mal chega a dois dígitos.
Em contraste, o Egito é o principal polo cinematográfico do mundo árabe há quase um século e ainda produz dezenas de filmes e séries de TV por ano. Já a Tunísia, vizinha menor da Argélia — onde foram filmadas partes da saga Star Wars — teve dois filmes indicados ao Oscar desde 2020 e volta a competir neste ano com The Voice of Hind Rajab, docudrama ambientado na Faixa de Gaza.
Estrutura, estúdios e menos burocracia
A criação, em 2024, do Centro Nacional de Cinema da Argélia — uma espécie de balcão único para autorizações, licenças, vistos e outras questões — deve eliminar entraves burocráticos que dificultavam os negócios, segundo Metaoui.
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Está prevista a construção de uma “cidade do cinema” em Argel, a capital, com estúdios e infraestrutura completa. Também há planos para instalações de pós-produção e efeitos especiais em Tinerkouk, no deserto do sudoeste do país.
Metaoui não informou quanto custará a reformulação do setor nem de onde virão os recursos. O objetivo, segundo ele, é produzir até 30 filmes por ano, meta considerada viável, já que 170 projetos buscam atualmente financiamento junto ao Ministério da Cultura.
Um herói nacional como símbolo da retomada
O filme sobre Abdelkader — que liderou milhares de combatentes contra a ocupação francesa nas décadas de 1830 e 1840 — é visto como o carro-chefe da retomada. Ele é “o fundador do Estado argelino moderno — um símbolo enorme”, disse Metaoui.
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“É uma grande produção, e o governo argelino está pronto para fornecer os recursos necessários porque precisamos contar a história de nossos heróis”, afirmou. “Não vamos economizar.”
As autoridades também querem atrair produções internacionais. Metaoui citou acordos de coprodução com países como África do Sul, Canadá, Itália e Turquia, sem dar detalhes.
Concorrência regional e ambição internacional
O potencial é significativo. O vizinho Marrocos se tornou um dos destinos preferidos de Hollywood, servindo de cenário para outros países árabes e até para locais como Vietnã (Jogo de Espiões), Somália (Falcão Negro em Perigo) e Quênia (A Origem).
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Enquanto isso, o filme argelino mais proeminente com projeção internacional pode vir do diretor franco-argelino Rachid Bouchareb. Seus trabalhos anteriores, Dias de Glória e Fora da Lei, ambos indicados ao Oscar, abordam episódios da história compartilhada — e traumática — entre França e Argélia.
Ele prepara agora Reggane, longa-metragem sobre os controversos testes nucleares franceses realizados no deserto argelino nos anos 1960. O projeto de lei em discussão no Parlamento exige que a França limpe as áreas contaminadas e indenize os afetados.
As filmagens devem começar em setembro de 2026, no sul do país, segundo Bouchareb afirmou à revista Variety neste mês.
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“O apoio da Argélia é total”, disse o diretor.
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