Quem é o herói anônimo que liderou o grupo que arriscou a vida para salvar Juliana

Sem vínculo com governos, voluntários formaram uma rede de solidariedade nas encostas do vulcão indonésio, no Monte Rinjani. Entre eles, nomes conhecidos como o alpinista Agam Rinjani, que liderou expedições em áreas de alto risco

Agência O Globo

Agam, montanhista voluntário relata resgate de brasileira na Indonésia: 'Fiz o que pude' — Foto: Reprodução
Agam, montanhista voluntário relata resgate de brasileira na Indonésia: 'Fiz o que pude' — Foto: Reprodução

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Desde a última sexta-feira, uma corrente silenciosa e corajosa de voluntários tomou conta das encostas do Monte Rinjani, na Indonésia. Sem vínculo com governos ou instituições, turistas, alpinistas locais e montanhistas experientes se uniram para ajudar nas buscas por Juliana Marins, de 26 anos, que despencou cerca de 500 metros em um dos trechos da trilha rumo ao cume do vulcão. Desde as primeiras imagens captadas por drones até as tentativas de resgate, o empenho desse grupo foi visível. Vídeos que circulam nas redes sociais revelam o quanto eles se arriscaram, e internautas os classificaram como “heróis”, chegando a comparar seus esforços aos das equipes oficiais do governo indonésio.

Entre os muitos rostos anônimos que se lançaram às encostas do Monte Rinjani nos últimos dias, um nome ganhou destaque: Agam Rinjani. Nascido em Makassar, a maior cidade da região leste da Indonésia, Rinjani é um alpinista que coleciona aventuras e expedições. Com mais de 400 mil seguidores no Instagram, ele é famoso por suas expedições em Lombok. Desde os primeiros relatos sobre a queda da brasileira, Agam montou uma equipe e compartilhou vídeos e atualizações enquanto subia a trilha com uma lanterna no capacete. “Gás, gás, gás”, escreveu na legenda de uma das postagens.

Em algumas imagens, aparece subindo a montanha com um cigarro na mão — um herói fora dos padrões, que, com carisma e coragem, se tornou símbolo da mobilização nas buscas por Juliana.

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Agam Rinjani, via Instagram, durante resgate da brasileira — Foto: Reprodução

Juliana, natural de Niterói, fazia um mochilão pela Ásia e havia iniciado a trilha rumo ao cume do Monte Rinjani na madrugada de sexta-feira, no horário local. O monte, na verdade, é um vulcão. Destino turístico conhecido do país asiático para trekking, o Rinjani também dá nome a um parque nacional na ilha de Lombok, onde está localizado.

Em um dos trechos mais íngremes da trilha, ela teria parado para descansar. O guia que a acompanhava seguiu adiante e, ao perceber sua ausência, já era tarde: a brasileira havia caído em um penhasco profundo, coberto por pedras soltas, areia vulcânica e vegetação densa.

“Meus sentimentos pela morte da montanhista brasileira. Não pude fazer muito, só consegui ajudar desta forma. Que suas boas ações sejam aceitas por Deus. Amém!”, escreveu Agam Rinjani, um dos guias envolvidos na operação de resgate, que lamentou nas redes sociais nesta quarta-feira.

A figura do alpinista com um cigarro na mão chegou ao Brasil de forma equivocada. Internautas, que o confundiram com um membro do corpo de bombeiros da Indonésia ou de alguma equipe oficial do governo, chegaram a considerar um “absurdo” ele se portar daquela forma durante as buscas. Mas, aos poucos, passaram a entender que, na verdade, ele estava ali por vontade própria.

“Pessoal, eles são voluntários, não estão recebendo nada para estar lá e estão arriscando a própria vida pelo resgate da Juliana. Tenham respeito e, acima de tudo, gratidão pelo trabalho difícil e solidário que eles estão realizando”, disse uma usuária no post do alpinista, no Instagram.

Do primeiro drone ao resgate final: a rede de esforços por Juliana

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As primeiras imagens de Juliana no vulcão foram registradas por um grupo de turistas da Malásia, que descia o Monte Rinjani no momento do acidente. Eles usaram um drone para localizar a brasileira caída no penhasco. As imagens, feitas no sábado, foram divulgadas com o objetivo de ajudar a família. Ao avistarem Juliana, os turistas escreveram um bilhete com a palavra “aguarde” e o lançaram na direção dela, além de gritarem instruções para mantê-la consciente.

Os vídeos que circulam nas redes também mostram como Agam Rinjani e outros alpinistas formaram uma verdadeira corrente humana em busca da brasileira. Vestindo capacetes vermelhos, roupas de alta resistência térmica e botas de tração, a equipe de Agam — com pelo menos cinco integrantes — parece ter se unido ao Unit SAR Lombok Timur, uma unidade regional de busca e salvamento da Indonésia.

Vestindo capacetes vermelhos, os integrantes do grupo de voluntários tentam o resgate de Juliana — Foto: Reprodução/ Agam Rinjani

A Unit é uma organização composta por voluntários e socorristas especializados em terrenos de difícil acesso, como o Monte Rinjani. Juntos, eles também utilizaram um tripé metálico de resgate vertical, equipamento fundamental para içar corpos ou pessoas presas em áreas extremamente íngremes.

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O equipamento — conhecido como “Larkin Rescue Frame”, modelo comum em operações de salvamento em altura — foi montado na beira do desfiladeiro e serve de apoio para cordas de escalada e mosquetões, como os que aparecem nas mãos de um dos alpinistas em uma foto compartilhada por Tyo Survival, no Instagram.

Sob neblina intensa, o grupo aparece um atrás do outro, conectados por cordas, descendo com cautela pela encosta. A cena, registrada em um dos vídeos, mostra a tentativa dos voluntários de se aproximar ao máximo do local onde Juliana havia caído. A visibilidade é quase nula, e o terreno escorregadio exigia muita cautela.

Apesar da aparência de operação oficial, a maioria dos rostos que aparecem ali, como o de Agam, atuava de forma voluntária. Em um post nesta quarta-feira, a organização comunitária publicou:

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“MISSÃO COMPLETA! Obrigado pelas orações e pelo apoio à operação SAR Monte Rinjani durante 5 dias.”

Fora Agam, outros voluntários ganharam destaque: os guias Dwi Januanto Nugroho e Syamsul Padhli Otonk, experientes na região de Lombok; o montanhista Furqan Renggoo; e Surya Sangar Rinjani, dedicado à segurança e resgates em ambientes de montanha.

Em uma homenagem publicada nesta quarta-feira nas redes sociais, o guia Dwi Januanto Nugroho — um dos voluntários que participou das buscas por Juliana Marins — dedicou a canção “Aku dan Rinjani” à família da brasileira. Segundo ele, a música fala sobre como a montanha transforma a visão de mundo de quem se aventura por suas trilhas. Dwi também destacou que a história de Juliana nas encostas do Rinjani reacendeu poderosas mensagens de humanidade: coragem, solidariedade, entrega e união.

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“Espero que a família de Juliana Marins no Brasil aceite a oferta da música. Entre as várias mensagens, a história de Juliana nos braços de Rinjani despertou fortes valores de humanidade: coragem, cuidado, sinceridade e união. Minhas orações sempre para a alpinista Juliana Marins. Obrigado por sua dedicação e luta, companheiros de equipe”, disse o voluntário Dwi Januanto Nugroho.

Entenda o caso

A região onde Juliana foi localizada, chamada Cemara Nunggal, fica entre 2,6 mil e 3 mil metros de altitude. O terreno, segundo geólogos, é composto por camadas instáveis de cinzas vulcânicas, areia grossa e fragmentos de rocha — uma herança de erupções registradas desde a Idade Média. Na última década, o Monte Rinjani teve pelo menos quatro grandes explosões, a última em 2016.

Além da altitude, que pode ultrapassar os 3,7 mil metros no cume, os voluntários enfrentaram temperaturas negativas, visibilidade quase nula e a ameaça constante de deslizamentos. A operação chegou a envolver seis equipes e dois helicópteros, mas foi uma equipe terrestre que, descendo pelas encostas, conseguiu localizar o corpo da brasileira quase quatro dias após o acidente.

Juliana foi encontrada sem vida, presa a um paredão rochoso, visivelmente imóvel. A confirmação da morte foi dada pela família na manhã de terça-feira, após dias de incerteza e uma campanha intensa por informações e apoio logístico.