Para Macri, antes de decidir sobre dolarização, governo Milei deve priorizar ajuste fiscal

Para ex-presidente da Argentina, principal desafio do novo governo é retomar confiança

Lucinda Pinto Roberto de Lira

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Antes de partir para um plano de dolarização, plataforma defendida pelo presidente Javier Milei, o novo governo argentino deverá priorizar medidas fiscais para reconquistar a confiança perdida nos últimos anos. Essa é a afirmação do ex-presidente Mauricio Macri, visto hoje como um dos principais articuladores políticos do governo empossado neste domingo (10).

“O primeiro passo é restabelecer o equilíbrio fiscal e sair das restrições cambiais que tem a Argentina. Isso vai restabelecer a confiança e, então, ele vai decidir se vai partir para a dolarização”, afirmou Macri em entrevista exclusiva ao InfoMoney.

Macri comentou que “no final do dia”, entende as vantagens simbólicas da dolarização, comparando como a sensação de jogar a chave da prisão fora, mas repetiu que, se a Argentina alcançar o equilíbrio fiscal, deixa de fazer tanto sentido a dolarização plena.

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O ex-presidente, que participa do Fórum Político, promovido pela XP nesta segunda-feira (11) em São Paulo, disse que o novo ministro da Economia argentino, Luis Caputo, deve anunciar medidas relacionadas a questões fiscais e formas de viabilizar o financiamento do país, sem depender de empréstimos. No governo Macri, Caputo ocupou o cargo de presidente do Banco Central.

“A Argentina destruiu a confiança interna e externa. É fundamental que a Argentina, depois de 70 anos, mostre que pode viver com seus próprios recursos, que o Estado argentino pode se financiar com impostos racionais e não ter déficit”, disse.

Mauricio Macri, ex-presidente da Argentina

Para Macri, se nos próximos 90 dias o presidente Milei retomar a confiança fiscal e houver aceitação social para essas medidas, o país iniciará uma nova etapa. Uma das primeiras medidas deve ser o congelamento dos gastos públicos para alcançar o equilíbrio. “Um alcoólatra aprende no AA que não pode tomar um só gole de cerveja. A Argentina tem um problema gravíssimo de compulsão por gastos”, disse.

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Para analistas, um dos desafios do novo governo recém-empossado será político: como contar com o apoio no Congresso para medidas fiscais, na maior parte das vezes impopulares. Mas, para o ex-presidente, “mais impopular é a pobreza à qual o país chegou”.

“Milei ganhou a eleição dizendo que faria o ajuste, então tem autoridade para fazer os ajustes necessários, algo que estava proibido de ser feito na Argentina. Hoje, ele mesmo disse que tem melhor imagem o ajuste do que ele próprio, como presidente”, afirmou Macri, lembrando que Milei tem pouco mais de 60% de aprovação, enquanto o ajuste tem uma taxa de aprovação superior a 70%. “É algo inédito na história da Argentina”.

Ainda assim, o ex-presidente reconheceu que Milei chega ao governo com menos força política do que o próprio Macri tinha no momento em que assumiu o poder. “Eu tinha quatro governadores e ele não tem nenhum. Eu tinha 30% da Câmara dos Deputados e ele tem 20%”, comparou. Ainda assim, ele diz enxergar uma mensagem forte de otimismo no discurso do presidente após a posse, que aconteceu neste domingo. “Não mudo uma vírgula. Uma perfeição, sobretudo para um liberal, como eu.”

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Macri participou do governo de transição e foi responsável por indicar alguns dos integrantes da equipe econômica – além de Caputo,  Santiago Bausili, indicado para assumir a presidência do Banco Central, também participou do seu governo. Diante dessa composição, alguns analistas consideram que Milei poderá dar sequência a um segundo governo Macri.

Macri fez ainda uma forte crítica ao populismo, que ele considera ter sido derrotado nas últimas eleições. Para ele, o populismo deixou de ser um case argentino ou sul-americano e se tornou um problema mundial, como foi visto recentemente na Espanha e até nos Estados Unidos. Essa prática, segundo ele, destrói a “cultura do trabalho”. “Rapidamente, as pessoas se acostumam a cobrar para não trabalhar”, explicou..

Mas o ex-presidente faz questão de dizer que ele não está no governo, e que não pretende assumir nenhum cargo formal na nova gestão. “Eu já disse que não vou participar. Mas, sim, estou à disposição do presidente para ajudar no que ele pedir. Temos uma conversa fluida, mas não impus nenhum ministro”, diz. Ele acrescentou que, no momento, está trabalhando para tirar o populismo também de seu clube de futebol, o Boca Juniors.

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Mercosul

Sobre a possibilidade de a Argentina deixar o Mercosul, levantada por Milei, Macri afirma que esse pode ser um caminho, caso não haja uma convicção definitiva sobre a necessidade de abertura do bloco ao mundo. “A prioridade tem que ser abrir o Mercosul ao mundo. O mesmo pedem Uruguai e Paraguai. O isolamento do Mercosul só traz pobreza, é preciso conectar-se com o mundo, e competir”.

Ele diz que o governo Lula manifesta essa intenção, mas é preciso mostrar de forma concreta que esse será o caminho. Macri levantou ainda a possibilidade de que Brasil e Argentina avancem na discussão sobre a  unificação monetária, no momento em que seu país mostre êxito na questão fiscal. “No meu governo, estivemos muito perto de avançar nessa questão, em conversas com [o ex-presidente, Jair] Bolsonaro e [o ex-ministro da Economia, Paulo] Guedes”, afirma.

Desafios

Sobre os principais desafios que o novo governo deverá enfrentar para viabilizar o ajuste desejado, Macri diz que o maior deles é enfrentar o “sistema corporativo mafioso que governou a Argentina nos últimos anos”. “Eles vão se opor à abertura do país, à competência, à ideia de que a lei seja igual para todos”, diz. Mas o apoio popular de Milei, em sua visão, é que determinará o sucesso do novo governo.

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Para a política local, o fato de Milei ter se tornado o presidente mais votado da história no país foi um golpe, especialmente para o peronismo, diz Macri. “Vamos saber nos próximo 90 dias o quanto o sistema político se anima (com a aprovação das medidas)”, afirmou.

Ele disse ainda acreditar que há grandes chances de a lei de emergência focada no ajuste fiscal ser aprovada, mas que é preciso paciência porque vem agora o “desafio da implementação” das mudanças propostas. “No mundo dos negócios, dizemos que o Power Point aguenta qualquer coisa”, brincou.

Ele também ponderou que será preciso ver como funciona o grupo humano que Milei convocou porque há um período de adaptação, especialmente de quem vem do setor privado. Para ele, um novo governo é um processo em movimento e nem sempre a primeira equipe é a que termina a administração. “Há um cenário tão hostil e tão difícil que essa não vai ser a última equipe. Estão em jogo as ideias liberais nas quais acreditamos”, disse.

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Sindicatos

Sobre qual será a recepção dos poderosos sindicatos argentinos nesse processo de mudanças, Macri foi provocativo. Para ele, Milei já mostrou que não tem preconceitos e disse que aceitará dialogar com todos os que concordarem que a Argentina precisa deum Estado que ocupe um lugar secundário.

Ele disse que os sindicatos foram sócios do atua modelo durante muitas décadas, especialmente no último governo, “que foi o pior da história da Argentina”. “Os sindicalistas não disseram uma contra nada. No meu governo, se cansavam de falar”, criticou, acrescentando que agora eles não terão facilidade para criticar porque a maioria da opinião pública reclama dos privilégios.

Lucinda Pinto

Editora-assistente do Broadcast, da Agência Estado por 11 anos. Em 2010, foi para o Valor Econômico, onde ocupou as funções de editora assistente de Finanças, editora do Valor PRO e repórter especial.