Estratégia comercial de Trump é abalada por decisão que bloqueia tarifas globais

Tribunal dos EUA declarou ilegais tarifas impostas por Trump e gerou incertezas sobre futuro das medidas

Bloomberg

Donald Trump (Chip Somodevilla/Getty Images)
Donald Trump (Chip Somodevilla/Getty Images)

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A estratégia de tarifas do presidente Donald Trump sofreu um revés significativo após um tribunal dos Estados Unidos emitir uma rara decisão que bloqueia muitas das taxas de importação que ele ameaçou ou impôs a diversos países.

Em uma sentença divulgada na noite de quarta-feira (28), um painel de três juízes da Corte de Comércio Internacional dos EUA declarou que a administração Trump utilizou de forma incorreta uma lei de 1977 para impor as tarifas chamadas de “Dia da Libertação” a dezenas de países, tornando-as ilegais. A decisão também se estendeu a tarifas anteriores aplicadas a Canadá, México e China, relacionadas à segurança da fronteira dos EUA e ao tráfico de fentanil.

A administração Trump anunciou imediatamente que recorrerá da decisão, transferindo o destino das tarifas para um tribunal de apelação e, possivelmente, para a Suprema Corte. A sentença não afeta as tarifas impostas no primeiro mandato de Trump sobre muitos produtos chineses, nem as taxas setoriais já aplicadas a produtos como aço, que se baseiam em fundamentos legais diferentes e que a administração pode passar a usar com mais frequência para continuar sua campanha tarifária.

Ainda não está claro quão rapidamente a decisão entrará em vigor, já que o tribunal concedeu até 10 dias para que o governo realize os procedimentos administrativos necessários para remover as tarifas. Caso a decisão seja mantida, em poucos dias seriam eliminadas as novas tarifas de 30% sobre importações da China, 25% sobre produtos do Canadá e México, e 10% sobre a maioria dos demais bens que entram nos EUA.

Essas tarifas, e a possibilidade de retaliações, têm sido vistas como um freio importante para o crescimento econômico dos EUA e global, e sua eliminação — mesmo que temporária — melhoraria as perspectivas para as principais economias mundiais. Alguns bancos centrais já citaram a incerteza causada pelas guerras comerciais como um obstáculo à atividade econômica.

Os contratos futuros das ações americanas recuaram após a decisão, com o índice S&P 500 subindo 1,1% às 7h em Nova York.

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O índice do dólar Bloomberg inicialmente se valorizou até 0,4% nesta quinta-feira (29), mas depois perdeu esse ganho. Os rendimentos dos títulos do Tesouro americano de 10 anos subiram cinco pontos-base para 4,53%, enquanto os de dois anos subiram até seis pontos-base para cerca de 4,05%, antes de recuarem.

Apesar do otimismo dos investidores com a possibilidade de suspensão das tarifas, há dúvidas se a decisão representa um revés permanente para a tentativa de Trump de remodelar o comércio global ou apenas um obstáculo temporário. Trump e seus apoiadores têm atacado os juízes por suposto viés, e sua administração foi acusada de não cumprir integralmente outras ordens judiciais, levantando dúvidas sobre se cumprirá esta decisão.

Um porta-voz da Casa Branca classificou a sentença como uma decisão de “juízes não eleitos” que não deveriam ter o poder “de decidir como lidar adequadamente com uma emergência nacional.” Trump tem invocado emergências nacionais que vão do déficit comercial dos EUA às mortes por overdose para justificar muitas de suas tarifas.

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“O tratamento não recíproco dos países estrangeiros em relação aos Estados Unidos alimentou déficits comerciais históricos e persistentes da América”, disse Kush Desai, porta-voz da Casa Branca. “Esses déficits criaram uma emergência nacional que devastou comunidades americanas, deixou nossos trabalhadores para trás e enfraqueceu nossa base industrial de defesa — fatos que o tribunal não contestou.”

Se a decisão não for revertida ou ignorada, uma das consequências pode ser um aumento das preocupações fiscais em um momento em que os mercados de títulos questionam a trajetória da crescente dívida dos EUA. A administração Trump tem citado o aumento da receita tarifária como forma de compensar cortes de impostos em seu “grande e belo projeto de lei” atualmente no Congresso, estimado em US$ 3,8 trilhões na próxima década.

Importadores americanos pagaram um recorde de US$ 16,5 bilhões em tarifas em abril, e auxiliares de Trump esperam que esse valor aumente nos próximos meses.

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Parceiros comerciais importantes, como China, União Europeia, Índia e Japão, que negociam com a administração Trump, agora precisam decidir se avançam nas negociações para fechar acordos ou desaceleram as conversas apostando em uma posição mais forte.

O secretário-chefe do Gabinete japonês, Yoshimasa Hayashi, afirmou em coletiva em Tóquio que o governo “analisará cuidadosamente o conteúdo da decisão e suas implicações para responder adequadamente.” O ministro australiano do Comércio e Turismo, Don Farrell, disse que o governo continuará engajado e defenderá fortemente a remoção das tarifas, que classificou como “injustificadas.”

Dúvidas sobre acordos comerciais

Também ficam em dúvida os contornos de um acordo comercial que Trump fechou com o Reino Unido no início de maio. O pacto prevê a imposição de uma tarifa americana de 10% sobre todas as importações britânicas, que seria anulada caso a decisão judicial seja mantida.

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“Não sei por que algum país iria querer negociar para sair de tarifas que agora foram declaradas ilegais”, disse Jennifer Hillman, professora da Georgetown Law School, ex-juíza da OMC e ex-conselheira do Representante Comercial dos EUA. “É uma decisão muito definitiva de que as tarifas recíprocas mundiais são simplesmente ilegais.”

Hillman destacou que o tribunal também decidiu que Trump não pode impor tarifas apenas para criar vantagem em negociações. “O que o tribunal está dizendo é que criar vantagem não é um uso legítimo das tarifas”, afirmou. “Para mim, é uma decisão muito, muito importante.”

Ela e outros especialistas jurídicos apontaram que Trump ainda tem outras bases legais para impor tarifas, mas nenhuma com o mesmo alcance das que ele invocou sob a Lei de Poderes Econômicos de Emergência Internacional (IEEPA).

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Uma provisão da lei comercial de 1974 dá ao presidente o poder de impor tarifas de até 15% por até 150 dias, mas apenas em caso de crise de balanço de pagamentos, o que Trump pode não querer declarar dado o atual nervosismo dos mercados de títulos, explicou Hillman.

Trump também pode usar outras autoridades para impor tarifas a setores ou países específicos, como fez no primeiro mandato. Nos últimos meses, ele já usou poderes de segurança nacional para impor tarifas sobre aço, alumínio e carros importados, além de abrir sete investigações sobre produtos como farmacêuticos, madeira e minerais críticos.

“A caixa de ferramentas da administração Trump não ficará completamente vazia”, disse Dmitry Grozoubinski, diretor da ExplainTrade e autor do livro “Por que os políticos mentem sobre comércio”, em entrevista à Bloomberg Television. Mas, no que diz respeito à IEEPA, “se eles cumprirem essa decisão, essa ferramenta sai da caixa de brinquedos.”

Mais incertezas

A decisão de quarta-feira veio em dois processos paralelos movidos por um grupo conservador em nome de uma pequena empresa e de estados americanos controlados por democratas.

“Essa decisão reafirma que o presidente deve agir dentro dos limites da lei e protege empresas e consumidores americanos dos efeitos desestabilizadores de tarifas voláteis impostas unilateralmente”, disse Jeffrey Schwab, advogado sênior do Liberty Justice Center, que entrou com um dos processos.

Para muitas outras empresas, a decisão trouxe a perspectiva de mais uma mudança brusca nas políticas tarifárias dos EUA e mais dúvidas e dores de cabeça no curto prazo.

Deborah Elms, chefe de política comercial da pró-comércio Hinrich Foundation, afirmou que ainda não está claro o que a decisão significa para importadores que já pagaram tarifas ou têm mercadorias em trânsito que podem ser taxadas quando chegarem.

“A decisão do tribunal disse ‘vacate’, o que sugere reembolsos. Mas o recurso imediato também pede a suspensão da decisão”, observou.

A Freight Right Global Logistics, com sede no sul da Califórnia, tem várias cargas em trânsito para clientes em todo o país, principalmente da China. Os contêineres trazem de tudo, de brinquedos a robôs, e é muito incerto qual será o impacto das tarifas sobre essas cargas quando chegarem, disse o CEO Robert Khachatryan.

Ele respondeu a perguntas de clientes na noite de quarta-feira sobre possíveis reembolsos, quais tarifas serão removidas e as datas de vigência.

“Estamos trabalhando duro para responder às perguntas dos clientes, mas a realidade é que ainda não há informações suficientes”, afirmou. “Amanhã estaremos correndo para entender o que isso significa na prática.”

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