Crise interna e ameaça de tarifas de Trump esvaziam novo evento da Apple

Problemas com IA, atrasos no iPhone 16 e guerra comercial abalam imagem da empresa

Marina Verenicz

Ilustração com o logotipo da Apple 
(Foto: Dado Ruvic/Reuters)
Ilustração com o logotipo da Apple (Foto: Dado Ruvic/Reuters)

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A Apple iniciou nesta segunda-feira (9) mais uma edição da sua Worldwide Developers Conference (WWDC) em clima contido. A expectativa por grandes anúncios foi ofuscada por problemas internos no desenvolvimento de inteligência artificial (IA) e por uma crescente pressão do governo dos Estados Unidos para que a empresa relocalize toda sua produção para o território nacional.

O centro da controvérsia é a Siri personalizada, uma versão avançada da assistente virtual da Apple prometida na WWDC de 2024 como parte do pacote chamado Apple Intelligence. À época, a empresa prometeu entregar o recurso até o fim daquele ano. No entanto, nenhuma das funcionalidades anunciadas foi lançada até agora, e a companhia acabou sendo alvo de ações por propaganda enganosa.

Segundo o jornalista John Gruber, a apresentação da nova Siri no evento de 2024 “não foi uma demonstração, foi um vídeo conceitual”. A Apple, inclusive, retirou do ar o comercial com a atriz Bella Ramsey, que mostrava a assistente agindo como uma espécie de secretária inteligente com “consciência de tela”, capaz de interagir com e-mails, mensagens e fotos em tempo real.

Bastidores expõem crise de gestão interna

Uma investigação do portal The Information revelou que o recurso de fato nunca existiu em forma funcional. A empresa teria criado equipes paralelas que não se comunicavam entre si: enquanto o time de IA, liderado por John Giannandrea, corria para desenvolver novas funções, a equipe da Siri, comandada por Robby Walker, focava em pequenas melhorias e sequer tinha conhecimento dos planos anunciados publicamente.

Com o avanço da concorrência no setor de IA — em especial da Microsoft, OpenAI, Google e Amazon — a Apple teria acelerado anúncios com base em conceitos não finalizados, na tentativa de preservar sua imagem de inovação, mesmo com o atraso técnico.

Jornalistas especializados já antecipam que o WWDC de 2025 não trará nenhuma revolução em IA, e que as promessas do Apple Intelligence foram “entregues ao mercado muito antes de estarem prontas”.

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Pressão de Trump: tarifas, ameaça à produção e perda de valor

Além da crise tecnológica, a Apple enfrenta pressão direta do governo Donald Trump, reeleito em 2024. Em seu segundo mandato, o republicano lançou uma nova onda de tarifas sobre produtos fabricados fora dos EUA, com foco em empresas de tecnologia como Apple, Microsoft e Nvidia.

Trump quer que toda a produção de iPhones ocorra nos EUA, sob a justificativa de fortalecer a indústria nacional e reduzir o déficit comercial. Como a Apple fabrica a maior parte de seus dispositivos na China — que foi taxada em 30% — a empresa mudou parte da produção para a Índia, onde a tarifa foi de apenas 10%. Mas Trump já ameaçou impor 25% de taxa sobre todos os produtos da Apple, inclusive os feitos na Índia.

A pressão afetou diretamente a posição da empresa no mercado. A Apple perdeu o posto de empresa mais valiosa do mundo, sendo superada por Microsoft (US$ 3,50 trilhões) e Nvidia (US$ 3,46 trilhões). Atualmente, o valor de mercado da big tech gira em torno de US$ 3,05 trilhões.

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EUA não têm capacidade de absorver produção da Apple

Mesmo que a Apple decidisse atender à exigência de Trump, os Estados Unidos não têm hoje capacidade técnica e educacional para absorver toda a cadeia produtiva dos dispositivos da empresa.

Segundo dados do CSET (Centro de Segurança e Tecnologia Emergente), 41% dos graduados na China atuam em áreas STEM (Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática), enquanto nos EUA o índice é de apenas 20%. A montagem do iPhone exige mão de obra altamente especializada — algo que a infraestrutura americana ainda não oferece em escala suficiente.

Além disso, boa parte dos componentes eletrônicos usados pela Apple não é fabricada nos EUA, o que torna impossível a nacionalização total da produção sem reformas estruturais e investimentos de longo prazo. A ameaça de tarifas pode, portanto, ter efeito inverso ao desejado, elevando ainda mais os preços para o consumidor americano e acirrando a disputa geopolítica com a China e a Índia.