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Menos de dois dias após os Estados Unidos atacarem instalações nucleares no Irã, em uma ação sem precedentes desde o estabelecimento da República Islâmica, a Guarda Revolucionária lançou mísseis contra a base de al-Udeid, no Catar, usada pelas forças americanas no Oriente Médio. A ação, que angariou críticas de nações árabes, não causou danos, e pareceu seguir o mesmo roteiro de uma retaliação semelhante feita pelo Irã aos EUA em 2020. Contudo, o cenário regional hoje é bem distinto, e o líder americano, Donald Trump, parece menos comedido do que naquela época.
Segundo o Conselho Supremo de Segurança Nacional do Irã, o país lançou o mesmo número de mísseis usados pelos EUA contra as instalações nucleares de Fordow, Natanz e Isfahã na madrugada de domingo (noite de sábado no Brasil). A noite de Doha, capital catariana, foi iluminada pelos rastros dos projéteis, e o barulho das explosões pós-interceptação assustou muitos moradores.
— Ouvimos estrondos enormes, o prédio tremeu, as janelas tremeram e, quando olhei para fora, o céu noturno tinha todas aquelas luzes voadoras — disse Mehran Kamrava, professor da Universidade Georgetown no Catar à rede al-Jazeera. — Havia bastante medo entre os moradores daqui.
Não foram registrados estragos em áreas civis ou instalações militares, incluindo al-Udeid. Segundo autoridades militares, em caráter de anonimato, os iranianos usaram mísseis de curto e médio alcance, que foram interceptados pelas baterias antiaéreas locais. Armas menos potentes do que as usadas nos ataques contra Israel desde o dia 13 de junho, ou bem menos destrutivas do que as bombas lançadas pelos americanos contra seu território.
Desde os ataques americanos no fim de semana, a República Islâmica se via diante da necessidade de uma resposta clara aos EUA, mas que evitasse a ampliação de um conflito que já impôs custos elevados ao país, e que pode ameaçar a continuidade do regime. Pelo menos até o momento, a saída parece ter vindo de um (quase) enfrentamento recente.
Em 3 de janeiro de 2020, os EUA, comandados por Trump, em seu primeiro mandato, assassinaram o chefe da Força Quds da Guarda Revolucionária, o general Qassem Soleimani, em Bagdá, usando um drone. Diante da morte de uma das mais populares figuras do país, o regime se viu obrigado a agir, mas com o mesmo dilema de hoje: dosar as forças para evitar uma escalada indesejável.
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Dias depois, mísseis iranianos caíram sobre uma base usada pelos americanos no Iraque, ferindo cerca de 100 militares e causando alguns estragos. Na ocasião, Teerã afirmou ter alertado as autoridades iraquianas sobre a iminência do ataque. O chefe de operações aeroespaciais da Guarda Revolucionária, Ali Hajizadeh (morto por Israel no dia 13 de junho), disse que a operação foi planejada para não deixar vítimas, e também para mostrar aos EUA que, caso assim decidissem, os projéteis poderiam causar “até 500 mortes”.
Um roteiro similar ao desta segunda-feira. Foi usado um número reduzido de mísseis (13), e tal como em 2020, as autoridades locais — o Catar — foram alertadas com antecedência, revelou o jornal New York Times, citando integrantes do governo iraniano. Ao mesmo tempo em que não atingem diretamente os americanos, o regime pode alegar que deu uma resposta aos EUA.
“A mensagem desta ação decisiva dos filhos de nossa nação nas Forças Armadas à Casa Branca e seus aliados é clara e direta: a República Islâmica do Irã, confiando em Deus Todo-Poderoso e apoiada pelo povo fiel e orgulhoso do Irã Islâmico, não deixará, em nenhuma circunstância, qualquer agressão à sua integridade territorial, soberania ou segurança nacional sem resposta”, disse a Guarda Revolucionária, em comunicado.
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Mas há outros elementos que antecederam o ataque de domingo e a retaliação desta segunda-feira. Na semana passada, quando Trump ainda não havia decidido (publicamente) sobre o bombardeio, os americanos restringiram o acesso a al-Udeid “por excesso de precaução”, e imagens de satélite mostraram que muitas aeronaves tinham deixado a base, localizada a pouco mais de 500 km do Irã. Para analistas, ações que sugerem algum grau de coordenação prévia, mesmo que indireta.
Isso não significa que a decisão não tenha seus riscos. As monarquias do Golfo, incluindo a Arábia Saudita, com quem Teerã tem relações marcadas pela desconfiança, chamaram o incidente de “flagrante violação do direito internacional e dos princípios de boa vizinhança”, e deixaram claro que não querem se ver em meio a uma guerra que, até o momento, não é delas.
E há o fator Trump. Há cinco anos, o presidente americano “aceitou” o ataque iraniano e escolheu não entrar em uma guerra. Em suas primeiras declarações após os mísseis lançados contra al-Udeid, ele chamou a reação de “muito fraca”, e agradeceu aos iranianos “por nos avisarem com antecedência, o que possibilitou que nenhuma vida fosse perdida e ninguém ficasse ferido”.
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“Talvez o Irã possa agora prosseguir para a Paz e a Harmonia na Região, e eu encorajarei Israel com entusiasmo a fazer o mesmo. Obrigado pela sua atenção a este assunto!”, concluiu Trump, em publicação na rede Truth Social.
Contudo, como tem demonstrado nos primeiros meses de seu novo mandato, Trump 2.0 é imprevisível e mais afeito a assumir riscos. Os bombardeios às instalações nucleares iranianas, por exemplo, vieram quando a Casa Branca demonstrava a intenção de conversar com Teerã. Uma mudança de posição sobre novos ataques ao Irã estaria a apenas uma publicação no Truth Social de distância.