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A participação do presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST), ministro Vieira de Mello Filho, em audiência na Câmara dos Deputados em novembro, reacendeu o debate sobre os rumos das relações de trabalho no país.
Ao discutir o tema “Novas Relações de Trabalho e o Papel do Judiciário”, o ministro fez um alerta contundente: o avanço acelerado da pejotização pode fragilizar direitos trabalhistas e sociais, além de comprometer o financiamento da Previdência e colocar em risco o futuro do país. A colocação, no entanto, levantou discussões entre advogados, que falam da modernização do mercado de trabalho.
Segundo dados apresentados por Mello Filho, 5,5 milhões de trabalhadores migraram da CLT para contratos como pessoa jurídica entre 2022 e 2025, gerando perdas estimadas de R$ 70 bilhões à Previdência, R$ 27 bilhões ao FGTS e R$ 8 bilhões ao Sistema S. Para o ministro, o fenômeno tem dimensões que ameaça o próprio sistema público de proteção social.
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“Estamos trocando direitos por uma liberdade ilusória”, afirmou. “Empresa não tem limite de jornada, não adoece, não tira férias, não se aposenta. A cidadania e os direitos humanos são atributos da pessoa, não de empresas”.
O ministro também criticou a ideia de que flexibilizar formas de contratação gera mais empregos. “Lei nenhuma aumenta ou diminui emprego. O que gera emprego é crescimento econômico”, disse. Para ele, a defesa da competência da Justiça do Trabalho nas novas relações é fundamental para impedir que vínculos sejam esvaziados sem análise concreta das condições de prestação de serviços.
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Proteção do trabalhador
Na mesma linha, o presidente do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (SP), desembargador Valdir Florindo, enfatizou que o papel da Justiça do Trabalho permanece essencial diante da ampliação de modalidades contratuais e da influência da tecnologia na organização da produção.
Florindo destacou que os direitos previstos no artigo 7º da Constituição devem valer para todos, independentemente da forma contratual. “Nenhuma lei, nenhum contrato, nenhuma tecnologia pode situar o trabalhador abaixo do piso constitucional. A essência das relações de trabalho não se altera pela vontade do legislador ou do julgador. A realidade se impõe”.
A audiência também discutiu propostas como a criação de um Fórum Permanente em Defesa da Justiça do Trabalho e de uma Frente Parlamentar para fortalecer o ramo trabalhista do Judiciário.
Advogados defendem modernização
Embora o alerta do TST encontre eco na magistratura, parte da advocacia vê o debate sob outra perspectiva. Para a advogada Daniela Poli Vlavianos, do escritório Arman Advocacia, há um risco de se interpretar o fenômeno da pejotização de modo simplista, ignorando transformações profundas no mercado de trabalho atual.
Segundo ela, nem toda contratação via pessoa jurídica é fraude, e reduzir o tema à precarização “desconsidera que milhares de profissionais qualificados buscam autonomia, flexibilidade e liberdade negocial”. Para esses trabalhadores, especialmente em setores como tecnologia, comunicação e consultoria, modelos mais flexíveis não significam perda de direitos, mas maior aderência à dinâmica econômica real.
Para Daniela, o debate deveria incluir a necessidade de modernizar o sistema tributário e previdenciário, que hoje pune a autonomia profissional e incentiva estruturas rígidas. “A verdadeira modernidade está em adaptar o sistema jurídico às novas dinâmicas produtivas, e não obrigar o mercado a caber em modelos do século passado”, afirma. Ela ressalta que o foco deve estar em separar, de forma técnica, a fraude da autonomia legítima.
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Já para o advogado Gabriel Henrique Santoro, sócio do Juveniz Jr. Rolim e Ferraz Advogados, o problema ganhou novas dimensões após o julgamento do STF que equiparou terceirização e pejotização. Na avaliação dele, a decisão abriu espaço para a percepção equivocada de que empresas poderiam substituir empregados por PJs sem restrições.
Santoro lembra que, mesmo após a decisão, juízes do Trabalho continuaram reconhecendo vínculos quando a pessoa jurídica era usada apenas para mascarar relações de emprego. Postura que, segundo ele, foi interpretada pelo Supremo como resistência, mas que, na verdade, representa o cumprimento do artigo 9º da CLT, que combate fraudes.
“Se a empresa obriga o trabalhador a virar PJ para exercer funções típicas de empregado, o Judiciário deve intervir”, afirma. Ele critica o que considera uma tendência do STF de legislar no lugar do Congresso e defende a atuação da Justiça do Trabalho como guardiã da Constituição e das leis federais.
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Entre proteção e modernização
A audiência na Câmara evidenciou um cenário marcado por tensões: de um lado, a preocupação institucional com o esvaziamento de direitos e com o impacto fiscal da pejotização; de outro, a defesa de modelos mais flexíveis, que atendam às demandas de profissionais e empresas em um mercado cada vez mais dinâmico.
Se há consenso, ele está apenas em um ponto: o Brasil ainda precisa encontrar um equilíbrio entre combater fraudes e reconhecer que as relações de trabalho do século XXI não cabem integralmente nas categorias clássicas da legislação trabalhista, segundo os especialistas.