Trabalhou, recebeu: conheça as vantagens e desvantagens do “salário sob demanda”

Startups, fintechs e empresas de meios de pagamentos desenvolvem ferramentas que permitem adiantar pelo menos uma parte do salário – a um custo, é claro

Mariana Segala

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SÃO PAULO – Imagine ter a possibilidade de “sacar” o salário equivalente aos seus últimos seis dias de trabalho – ou dez, ou dezoito, ou quantos sejam – mesmo que a data usual do seu pagamento ainda esteja longe à frente. É o que tem sido apelidado de “salário sob demanda”, ou “acesso flexível ao salário”, no jargão das consultorias de RH.

Trata-se de mais um item da prateleira de benefícios flexíveis que as empresas passaram a oferecer para atrair profissionais para seus quadros. “Vivemos uma era de hiper customização, e as práticas de gestão também têm seguido por aí. O salário sob demanda se encaixa nessa realidade ao permitir que o funcionário personalize a forma como receberá seu pagamento”, diz Rafael Ricarte, líder de produtos de carreira da Mercer Brasil, consultoria de benefícios.

Startups e fintechs, mas também instituições de meios de pagamentos já bem estabelecidas, têm desenvolvido ferramentas que permitem adiantar pelo menos uma parte do salário – a um custo, é claro.

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A Xerpay é uma das startups que atuam no segmento. “O ciclo de pagamento tradicional penaliza os profissionais. Ao longo do mês, eles têm tem dinheiro que já é deles, mas não receberam porque o fluxo tradicional prevê pagar o salário uma vez por mês”, defende João Figueira, diretor de operações da empresa. “O descasamento de fluxo de caixa pode levar as pessoas a atrasar uma conta ou perder uma oportunidade”.

Pelo aplicativo da Xerpay, os funcionários das empresas podem sacar partes dos seus salários em uma base diária – a cada dia de trabalho no mês acrescenta-se um dia de remuneração no valor que pode ser adiantado. No dia oficial do pagamento, o salário já vem com o desconto dos valores sacados ao longo do mês.

As empresas que contratam o serviço podem estabelecer limites. Os funcionários da Nívea Brasil, por exemplo, podem adiantar no máximo 60% do salário líquido ao longo do mês. Os 40% restantes são pagos na mesma data para todo mundo. “Adotamos o salário sob demanda em janeiro de 2020 como uma forma de apoiar a saúde financeira dos colaboradores. O banco não era uma solução, porque os juros do crédito são muito altos”, diz Juan Pablo Leymarie, diretor de RH da empresa.

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São cerca de 350 funcionários na Nívea Brasil e, segundo Leymarie, entre 35% e 40% deles já usaram o salário sob demanda – alguns esporadicamente, outros, com algum nível de frequência. Além da Nívea, a Xerpay tem outras cerca de 30 empresas como clientes, somando 65 mil funcionários com acesso ao benefício.

Nos Estados Unidos, a consultoria Aite Group calcula que US$ 9,5 bilhões em salário tenham sido adiantados no ano passado por meio de programas de acesso flexível ao salário, o triplo de 2018.

“Pode acontecer de, na data do pagamento, o funcionário ter pouco para receber”, diz Figueira, da Xerpay. Em geral, os limites de adiantamento estabelecidos pelas empresas, segundo ele, variam de 50% a 70%. “Não queremos que não haja salário nenhum. Mas se, na prática, isso evitou que a pessoa entrasse no cheque especial, não entendo que o adiantamento seja um problema”.

Quanto custa o salário sob demanda

Embora não configure uma operação de crédito, o adiantamento do salário normalmente tem um custo transacional, e cada empresa estabelece um formato distinto de cobrança. Na Xerpay, por exemplo, em cada saque é cobrada uma tarifa de até R$ 9 – mas esse é o valor máximo, e não fixo. O valor do resgate e a proximidade da data do pagamento influenciam. Quanto menor o saque e quanto mais perto estiver do dia da folha, menor é a tarifa.

A Creditas, fintech conhecida por oferecer empréstimos com garantia em imóveis e automóveis, também trabalha com uma ferramenta de adiantamento. Pelo aplicativo, os funcionários das empresas que contratam o serviço podem sacar até 40% do salário antes da data do pagamento, também a qualquer dia. O custo é de R$ 5, sendo que os dois primeiros resgates são gratuitos.

Segundo Viviane Sales, vice-presidente da Creditas @Work, unidade que contempla a ferramenta de salário sob demanda, aproximadamente 20% dos profissionais que têm acesso à ferramenta fazem uso dela. Atualmente, a fintech atende empresas que somam cerca de 500 mil funcionários.

Outras companhias, como a Ticket, do grupo Edenred, permitem usar parte do salário antes do dia do pagamento por meio de um cartão com um limite equivalente ao percentual liberado para adiantamento – em geral, de 30%. Com o cartão e com um aplicativo, é possível fazer compras na rede da bandeira Good Card, resgates nos caixas eletrônicos da rede Banco 24h e pagar boletos.

O uso do cartão para compras não tem custo, conforme Sylvia Ramos, gerente do produto na Ticket. Mas os saques saem por R$ 7, enquanto o custo do pagamento de boletos é de 2,99% sobre o valor da conta.

Educação financeira

A visão das empresas que oferecem o salário sob demanda é ajudar os funcionários a organizar a vida financeira e evitar a necessidade de atrasar as contas ou ter de recorrer a linhas de crédito que são fáceis de entrar, mas difíceis de sair, como o cheque especial ou o rotativo do cartão de crédito.

De acordo com dados do Banco Central, a taxa média de juros do cheque especial era de 6,97% ao mês em abril deste ano. Já o rotativo do cartão de crédito estava em 13,04% ao mês.

Um levantamento da Xerpay com os usuários da ferramenta indica que 75% deles usam o salário sob demanda para resolver um imprevisto ou evitar uma dívida, e 93% fazem isso como alternativa a produtos financeiros tradicionais e mais caros.

Financeiramente, a depender do valor, pode fazer sentido recorrer ao adiantamento do salário. Um exemplo: pagar R$ 9 para receber R$ 1.000 e com isso evitar o cheque especial por um mês é vantajoso, pois só em juros seria preciso desembolsar quase R$ 70 no período, calcula Nélio Costa, planejador financeiro certificado (CFP) – fora outros custos embutidos na linha de crédito, como o IOF (Imposto sobre Operações Financeiras). “Também pode valer caso a pessoa consiga um desconto considerável em uma compra paga à vista”, explica.

Os potenciais problemas, na visão de Costa, são dois: as razões para tomar um adiantamento e a recorrência. “Se o plano é fazer um adiantamento pontual, é importante se perguntar se o gasto realmente é essencial. Seria possível esperar mais 15 dias, por exemplo, receber o salário e evitar pagar uma taxa a mais?”, questiona.

Já a recorrência dos adiantamentos representa uma bandeira vermelha sobre a organização financeira do profissional, avalia Costa. “Se a pessoa se dispuser a fazer um sacrifício seis meses ou um ano, conseguirá formar uma reserva de emergência e não precisará mais pagar nada para ter acesso a dinheiro”, diz.

Os dados levantados pela Xerpay indicam que o uso recorrente dos adiantamentos não é raro. Cerca de 30% dos funcionários que aderem ao salário sob demanda voltam a buscá-lo nos meses seguintes. Os saques são, em média, de R$ 200 reais e são feitos, em geral, de duas a três vezes por mês. Se a taxa de cada um for de R$ 9, o custo é equivalente a 4,5% do valor resgatado.

“É importante que as empresas consigam amarrar ofertas de benefícios com orientação. Ao jogar um monte de opções para os funcionários, correm o risco de estragar a festa”, diz Guilherme Gazzoni, líder de Desenvolvimento de Produtos de Wealth da Mercer Brasil. “O salário sob demanda é um benefício interessante, mas exige uma implantação cuidadosa”.

Como a antecipação do salário é remunerada com uma tarifa pontual, e não com juros que se acumulam ao longo do tempo, a chance de o buraco crescer é menor. Mas na visão de Costa, é importante entender as razões que levam o profissional a precisar de dinheiro antes do tempo. “Vale a pena, por exemplo, avaliar alterar a data de vencimento de alguma conta ou mesmo verificar com o empregador a possibilidade de mudar a data de recebimento do salário”, diz. “O importante é tentar equalizar o fluxo de caixa”.

Mariana Segala

Editora-executiva do InfoMoney