Tem precatório a receber? Veja como vender crédito e quando acionar a Justiça por demora no pagamento

Créditos materializados em precatórios podem ser utilizados para compra de imóveis ou na quitação de tributos inscritos em dívida ativa

Gilmara Santos

Notas de Real (Marcelo Casal Jr / Agencia Brasil)

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A Justiça Federal liberou, recentemente, o pagamento de R$ 25 bilhões em precatórios. Outro montante, superior a R$ 20 bilhões, que deveria ser quitado neste ano acabou sendo deixado para 2023.

“Diferentemente dos anos anteriores em que não havia restrição constitucional para pagamento de precatórios, para o exercício de 2022, do valor atualizado até agosto do corrente ano em R$ 49.581.510.090,25, referente aos precatórios expedidos pelos TRFs (Tribunais Regionais Federais) em 2021, somente restaram aptos ao pagamento, em razão da limitação do teto, R$ 25.095.496.442,48 daquele montante. Ou seja 50,6%”, informou o órgão, por nota, ao InfoMoney.

O pagamento de precatórios passou a seguir as regras do artigo 107-A do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, que criou um teto para a realização dos pagamentos. A norma determina um limite para a quitação das dívidas da União e de entes federais com base no gasto de 2016 (ano de criação do teto de gastos) corrigido pela inflação.

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“Verifica-se, diante da limitação, que restará o montante estimado de R$ 20 bilhões, não pago em 2022, remanescendo para 2023, os quais observarão a programação de pagamento dos exercícios seguintes, conforme fixado na Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2023. Esse remanescente de 2022 será adicionado aos valores dos precatórios expedidos para 2023”, completa o CJF.

O advogado Eduardo Gouvêa, da Capital Rights, explica que a demora na liberação dos pagamentos obrigou os credores a criarem soluções. Entre elas, o devedor pode vender seu título para uma empresa pagar suas dívidas tributárias.

“É comum que ocorra a cessão de direitos concernentes a precatórios. Com a promulgação da Emenda Constitucional nº 113 passou-se, expressamente, a prever que os créditos materializados em precatórios podem ser utilizados para finalidades diversas, como a compra de imóveis de propriedade do ente federativo devedor ou mesmo a quitação de tributos inscritos em dívida ativa”, diz o advogado Daniel Durão de Andrade, do escritório Terciotti Andrade Gomes Donato Advogados.

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Fundos de investimentos estrangeiros também viram nos precatórios brasileiros uma chance de lucrar e também estão aportando recursos. Mais recentemente chegou ao mercado o token de precatórios. “O token permite que qualquer pessoa física invista em parte de um precatório, que pode render até 30% ao ano”, explica Gouvêa.

Em todos os casos, o valor de face do título terá um deságio para o vendedor, que pode chegar a até 40%. “No passado, um precatório federal era vendido para investidores por até 85% do valor de face. Ou seja: o credor dava um desconto de 15% para receber 1 ano antes. Hoje, o preço está na casa de 60%”, afirma Eduardo Gouvêa.

Veja, a seguir, respostas às principais dúvidas em relação aos precatórios.

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O que é um precatório?

Precatório é o documento que formaliza uma requisição de pagamento de quantias devidas pela União, estados, Distrito Federal e municípios, bem como das suas autarquias e fundações decorrentes de uma condenação judicial. São, resumidamente, dívidas do governo reconhecidas como tal pelo Poder Judiciário, que determina o seu pagamento.

“É importante esclarecer que nem toda a dívida do governo torna-se um precatório. Dívidas de menor valor podem ser pagas por meio de Requisições de Pequeno Valor (RPV), quando, regra geral, são inferiores a 60 salários mínimos, para o governo federal; 40 salários mínimos, para os governos estaduais e do Distrito Federal; e 30 salários mínimos, para os municípios, se não houver lei dos estados e municípios dispondo de forma diversa”, diz Daniel Durão de Andrade.

Se o governo não pagar após determinação judicial, o que devo fazer?

Especificamente nas hipóteses de burla da ordem cronológica de apresentação do precatório, o credor da Fazenda prejudicado poderá requerer o ‘sequestro’ do valor. O ‘sequestro’ é uma medida requisitada ao próprio presidente do Tribunal que determinou a apresentação do precatório.

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Quanto tempo leva para receber um precatório?

Até 2021, a Constituição Federal determinava que todo o precatório inscrito até 1º de julho de um ano deveria ser pago até o fim do ano seguinte, devidamente corrigido. Após essa data, os precatórios somente serão pagos no ano subsequente. Assim, em regra, um precatório deveria demorar de 6 a 30 meses para ser pago, dependendo da data da sua inscrição.

“Contudo, esse prazo não era respeitado pelos entes públicos, salvo a União Federal e alguns estados e municípios. Em alguns casos, os precatórios levam até 15 anos para serem pagos”, diz o advogado Aimberê Mansur, do escritório Rolim, Viotti, Goulart, Cardoso Advogados.

“Por isso, já foram editadas diversas emendas constitucionais prorrogando o prazo para pagamentos dos precatórios atrasados. A mais recente foi a Emenda Constitucional 109/2021 que prorrogou o prazo para pagamento dos precatórios vencidos até 25 de março de 2015 para 31 de dezembro de 2029”, completa o especialista.

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Ainda, no final de 2021, o prazo para inscrição dos precatórios para pagamento no exercício seguinte foi alterado para o dia 2 de abril pela Emenda Constitucional nº 114/2021.

Além disso, a Emenda Constitucional criou um limite na dotação orçamentária para pagamento dos precatórios até 2026, para financiar o programa de auxílio aos vulneráveis. Alcançado o limite orçamentário, os precatórios não pagos serão transferidos para os exercícios seguintes, seguindo a ordem cronológica previstos na Constituição. Com isso, não há mais como prever quando os precatórios serão pagos.

O que é a PEC dos Precatórios?

A PEC (proposta de emenda à constituição) 23/2021, conhecida como PEC dos Precatórios, tinha como objetivo alterar a forma de pagamento dos precatórios, cujo pagamento é obrigatório conforme estabelecido na Constituição Federal, liberando assim bilhões de reais do orçamento que seriam alocados, principalmente, no pagamento do Auxílio Brasil e outros programas sociais.

“A PEC dos precatórios acabou sendo fatiada, com a edição de duas emendas constitucionais, a EC 113 e a EC 114. Sob a ótica dos credores privados que tinham precatórios para receber, as principais alterações foram:

Quais os avanços da PEC dos Precatórios?

“Para quem tinha precatório a receber, de forma geral, nenhum. Um ponto que pode ser considerado como “avanço” seria a possibilidade do credor que não tenha recebido o precatório em razão dos limites orçamentários optar pelo recebimento, em parcela única, até o final do exercício seguinte, o valor do precatório com um desconto de 40% do valor desse crédito, o que possibilitaria o recebimento sem necessidade de negociação do precatório com terceiros com um deságio ainda maior”, diz Mansur.

O que precisaria mudar?

Para especialistas consultados, o principal ponto seria retirar o teto para pagamento dos precatórios, já que o credor do precatório, que esperou anos para uma decisão final em seu processo judicial contra o ente público, ainda terá que aguardar mais para receber aquilo que lhe é de direito.

Gilmara Santos

Jornalista especializada em economia e negócios. Foi editora de legislação da Gazeta Mercantil e de Economia do Diário do Grande ABC.