STJ vai decidir se dono de imóvel pode responder por pirataria

Indústria quer culpabilizar locadores dos espaços para combater a venda de produtos falsificados

Gilmara Santos

(Shutterstock)

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A venda de produtos ilícitos sustentados pela pirataria e contrabando movimentou ao menos R$ 23,36 bilhões só no estado de São Paulo em 2022, aponta o anuário sobre mercados ilícitos transnacionais elaborado pela Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo). O combate à pirataria tem motivado esforços de empresas, órgãos públicos e do Judiciário no Brasil.

O TJSP (Tribunal de Justiça de São Paulo) considerou que o proprietário de imóveis em que são comercializados produtos piratas podem ser incluídos em ações movidas por indústrias contra a prática criminosa. Agora, caberá ao STJ (Superior Tribunal de Justiça) decidir se os donos de imóveis podem ser responsabilizados por pirataria.

O imbróglio jurídico envolve donos de salas comerciais em galeria na região central de São Paulo e as fabricantes Nike e Alpargatas. Conforme o jornal Valor Econômico, as empresas sustentam que os locadores são “partícipes do circuito comercial que une todos nas vantagens e nos encargos”. Já os proprietários dos imóveis alegam que apenas alugam os espaços e não podem ser responsabilizados.

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O tema tem gerado polêmica no meio jurídico. “É uma análise de um recurso especial, na qual os proprietários alegam que não podem ser responsabilizados pela atitude do locatário”, explica o advogado Thiago Massicano, sócio do Massicano Advogados.

Ele considera que essa responsabilidade não pode ser estendida ao locador. “A partir do momento que loca o imóvel, a responsabilidade de sua utilização fica com o locatário. O locador é responsável pela propriedade, pela manutenção, pela construção. Já a utilização é exclusivamente responsabilidade do locatário”, enfatiza.

Para Massicano, se alguma atividade ilícita ou irregular for registrada no imóvel, a competência para fiscalizar é da autoridade pública, e o Poder Público não pode estender a responsabilidade ao locador, que é um ente privado.

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“Responsabilizar o locador pela atividade irregular do locatário não tem amparo na legislação, na Constituição ou em qualquer resolução. Isso é uma tese jurídica criada pelas empresas para tentar inibir a pirataria. Mas não é jogando a responsabilidade para o ente privado. Tem que ter outros meios confiscatórios e de fiscalização para combater a pirataria”, comenta o advogado.

Para o especialista, o caso poderá abrir inúmeros procedentes por analogia. “Quando eu alugo um imóvel e tem droga dentro, posso ser responsabilizado? Se a pessoa comete um homicídio, o locador vai ser responsabilizado também?”, questiona.

A advogada Ludmila Leite, sócia do escritório Florêncio Filho & Camargo Aranha Advogados, explica que se trata de uma decisão que analisa aspectos de responsabilidade civil dos proprietários dos imóveis.

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Ela lembra que os crimes de pirataria, no sentido leigo, são crimes em que o praticante precisa esboçar consciência e vontade para ser configurada a responsabilização criminal. “Entendo que uma extensão da responsabilidade civil para a parte criminal não é correta e não é possível de ser feita. Você não pode ser responsável criminalmente em decorrência de uma responsabilização civil”, afirma.

Ainda segundo a especialista, a lei de lavagem de dinheiro prevê que as pessoas que trabalham, ainda que ocasionalmente, com locação e venda de imóveis, são sujeitos obrigados, são gatekeepers pela lei de lavagem de dinheiro. “Talvez esse seja um caminho possível para encaminhar a questão para a esfera criminal ao obrigar o reporte de operação suspeita ou atípica”, diz.

“Quem aluga os boxes, subloca ou faz essas locações no comércio popular, além das pessoas jurídicas, proprietárias dos imóveis e que administram esses imóveis e essas locações, são obrigados, pela lei de lavagem, a reportarem ativamente atividade atípica, ilícita e suspeita, sob pena de responsabilidade administrativa por violação à lei de lavagem de dinheiro”, comenta.

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O advogado Miguel Pereira Neto, que representa os proprietários dos imóveis, considera que o acórdão apresenta inconsistências. “O pedido da ação é para cessar as vendas, e os locadores nada vendem. Os proprietários/locadores não vendem, não expõem à venda ou estocam mercadorias. Apenas alugam lojas, cedem os espaços e se desprendem da posse da coisa. Não há extensão de responsabilidade ao proprietário, sendo exclusiva de quem vende”, diz.

“As marcas interpretam a lei de forma deturpada nesse sentido e sequer identificam os locatários; movem a ação contra ‘lojas x e y’, quando os contratos são realizados com pessoas jurídicas identificadas, com CNPJ, endereço, sócios representantes, sendo inepta a petição”, complementa Neto.

Ele destaca ainda que “os locadores não têm poder de polícia ou de fiscalização, que é exclusivo do Estado. A administração do shopping e os locadores atuam no limite permitido em lei, têm rigoroso programa de compliance, atuam em conformidade com as leis, inclusive com o Código do Consumidor”.

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“Na verdade, não concordam e não compactuam em absoluto com a prática de qualquer conduta irregular; agem no mesmo sentido, de mãos dadas com as titulares das marcas. O recurso especial deve ser provido para julgar improcedente o pedido descabido da ação. Será realizada a sustentação oral das razões quando do julgamento”, finaliza.

Procuradas, a Nike e a Alpargatas informaram, por meio das suas assessorias de imprensa, que não vão comentar o assunto.

Gilmara Santos

Jornalista especializada em economia e negócios. Foi editora de legislação da Gazeta Mercantil e de Economia do Diário do Grande ABC.