Regra extinta por Haddad multiplicou no Carf decisões pró-contribuinte

De R$ 25,4 bilhões dos processos que deram empate em 2022, a Fazenda ganhou apenas R$ 618 milhões — 2% dos valores envolvidos

Estadão Conteúdo

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O plano de ajuste fiscal anunciado pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, mira regra que permitiu que as decisões, no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), a favor do contribuinte saltassem de 18% em 2019 para 98% no ano passado nos casos em que houve empate.

Do total de R$ 25,4 bilhões dos processos que deram empate em 2022, a Fazenda ganhou apenas R$ 618 milhões — 2% dos valores envolvidos nos julgamentos.

Em 2019, um ano antes da aprovação do fim do chamado voto de qualidade, a situação era bem diferente. O governo obteve R$ 60,5 bilhões (82%) no desempate pró-fisco.

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O Carf é o tribunal administrativo que julga os recursos dos contribuintes contra autuações de cobrança de impostos feitas pela Receita Federal.

A medida de ajuste do Plano Haddad visa fechar esse “vazamento” de recursos depois que o Congresso terminou com o voto de qualidade.

Agora uma Medida Provisória (MP), incluída no pacote, volta com esse instrumento usado quando há empate. Até abril de 2020, com o voto de qualidade, os presidentes das turmas de julgamento do Carf, indicados pela Fazenda, desempatavam. Com o fim da prerrogativa, as disputas passaram a ser resolvidas favoravelmente aos contribuintes.

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No anúncio da medida, Haddad calculou uma perda de cerca de R$ 60 bilhões por ano após os parlamentares acabarem com o voto de qualidade.

Os dados do Carf mostram que em 78% de todos os julgamentos no passado do Carf (incluindo os que foram para desempate), o resultado foi favorável para o contribuinte e contra as autuações da Receita Federal. A perda para o Fisco foi de R$ 108 bilhões dos R$ 138 bilhões julgados.

Equívocos

Para o presidente do Carf, Carlos Higino Ribeiro de Alencar, há uma ideia equivocada de que todos os processos dão empate. Na maior parte, os conselheiros dos contribuintes e os da Fazenda concordam, muitas vezes até com unanimidade. “Antes da mudança, o resultado já era mais favorável ao contribuinte”, diz.

A tendência, diz, permanece a mesma com a volta do voto de qualidade, que se aplica apenas a 20% do que é julgado. Mas representam os grandes contenciosos com as maiores empresas do país.

Higino destaca que estudos da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e do Centro Interamericano de Administrações Tributárias (Ciat) mostram que na maioria dos países o modelo de contencioso no âmbito administrativo é feito só com servidores públicos e não com representantes dos contribuintes. Em alguns países, entrar com recurso na esfera administrativa é um requisito para ingressar na Justiça.

Desde o anuncio do pacote, setores empresariais e escritórios de advocacia se movimentam junto aos parlamentares eleitos para derrubar a medida depois da volta dos trabalhos do Legislativo.

Processos mais complexos

O novo presidente do Conselho de Administração de Recursos Fiscais (Carf), o auditor da Receita Carlos Higino Ribeiro de Alencar, diz que o órgão vai focar em causas mais complexas com as mudanças previstas no plano econômico do governo.

Ele prevê zerar o estoque de processos do tribunal administrativo dentro de dois anos e meio. “Isso significa que entre final de 2025 e começo de 2026, teremos os processos julgados em menos de um ano”, prometeu na sua primeira entrevista no cargo. Hoje, o estoque de processos do Carf soma R$ 1 trilhão em disputa entre os contribuintes e o Fisco. A lei manda o Carf julgar os processos em um ano, mas o tribunal tem levado até quatro anos.

Na defesa da volta do voto de paridade, o ministro Fernando Haddad disse que o modelo do Carf só existe no Brasil. Como funciona nos outros países?

Mesmo fechando todo o ciclo de análise do processo administrativo e fiscal no âmbito da Receita e do Carf, o contribuinte aqui ainda pode ir para a Justiça e começar tudo lá do zero. O modelo paritário com, digamos, preferência do empate ser pró-contribuinte, não tem paralelo. Nos países avançados, da Europa Ocidental, Estados Unidos, Japão, que servem como referência, não têm um modelo deste. Devemos olhar para os outros países desenvolvidos e ver se não estamos criando uma jabuticaba.

Por que o retorno do voto de qualidade é importante?

Porque ele decide os casos nos quais a controvérsia jurídica é mais refinada. Não é matéria que falta um recibo de despesa de saúde. Mas se pode aplicar a tese jurídica A, B ou C. São os casos complexos, dos grandes contribuintes e de teses jurídicas controversas.

O Congresso vai aprovar a MP diante do fato de que acabou com o fim do voto de qualidade há pouco tempo, em 2020?

Se o governo encaminhou, ele fez avaliação política da viabilidade da aprovação. Ninguém encaminharia se não fosse assim. Tem que fazer o debate, explicar para a sociedade e dizer que o Carf vai julgar conforme foi aprovado, com a legislação que nos derem.

Há muitas críticas ao limite de mil salários mínimos (R$ 1,3 milhão) de alçada para os processos serem levados ao Carf. Vai prejudicar o acesso das micro e pequenas empresas?

Não vai. Temos um volume muito grande de casos aqui que não dizem respeito às teses tributárias, mas a matéria de prova. Por exemplo, na fiscalização, o contribuinte não apresentou uma prova ou apresentou e ela não foi aceita. Numa situação como essa, o caso mais frequente é de recibo de saúde. O ponto de vista nosso é que a segunda instância na Receita vai garantir grau de análise dos casos.

Por que, então, os representantes dos micro e pequenos empresários estão criticando?

Essa alteração feita por MP não vai prejudicar o pequeno empresário. Não é ele que tem os julgados tratados aqui que dão controvérsia. As teses complexas são onde dá empate. A maioria esmagadora das empresas está no Simples. Pergunta se tem grandes teses aqui do Simples? Não tem. Porque as teses envolvem casos complexos que pagam IRPJ tributados com base no lucro real.

Esse limite é para desafogar os processos do Carf, que somam R$ 1 trilhão?

Não diria que é só para desafogar. Eu diria que a ideia é deixar o Carf como uma corte administrativa para julgar matérias e teses tributárias de maior complexidade, que na maioria das vezes envolve maiores valores.

Qual o impacto imediato?

Entre março e abril, esses processos deixam de subir para o Carf. Os processos que já estão aqui vamos julgá-los. São 92 mil. Depois vamos receber só os processos maiores. A ideia é dar previsibilidade e agilidade. A lei manda julgar os processos no Carf em um ano. E hoje estamos levando de três a quatro anos.

O Carf tem R$ 1 trilhão de estoque de processos. Quais as razões?

Temos que dar um pouco de razão ao que alguns críticos falaram: “ah, mas esse valor de R$ 1 trilhão não é só da situação de ter mudado o voto de qualidade”. Tivemos outros problemas: pandemia da Covid-19, um movimento dos auditores (paralisações).

Quando o número de processos começa a cair? Com o novo limite de mil salários mínimos em número de processo, acredito que se consiga zerar o estoque e entrar no fluxo normal dentro de dois anos e meio. Isso significa que entre final de 2025 e começo de 2026, teremos processos julgados em menos de um ano.

Não está havendo uma virada fiscalista no Carf para aumentar as receitas do governo?

De maneira nenhuma. O tribunal é imparcial e vai julgar sempre com a legislação que for dada a ele.

Em 2015 e 2016, foram descobertos casos de corrupção muito graves e no ano passado outras suspeitas. Como o problema será tratado?

Desde os meus antecessores, foram aprimorados os mecanismos. Hoje, para virar conselheiro tem uma comissão independente que analisa os currículos. As sessões são filmadas, mas temos que estar aprimorando os controles.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.