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Imposto regressivo e progressivo: veja as diferenças e fique por dentro das discussões sobre a reforma tributária

Tributaristas explicam por que um sistema regressivo penaliza mais as famílias mais pobres

Giovanna Sutto

(Shutterstock)

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SÃO PAULO – Você pode não saber exatamente o que significam os impostos progressivos ou regressivos, mas eles estão mais presentes na sua vida do que se imagina e impactam fortemente sua renda e tudo o que você consome.

Atualmente, ambos os conceitos estão em voga com as discussões sobre a reforma tributária, que ganharam força após a apresentação da primeira etapa da proposta feita pelo governo, no dia 21 de julho. O fato de o imposto ser progressivo ou regressivo dá o tom da reforma, uma vez que define como um certo tributo será aplicado.

Uma das ideias do governo, por exemplo – que não chegou a ser incluída na primeira fase da proposta, mas foi amplamente discutida pelo ministro Paulo Guedes-, é criar um microimposto digital, um desconto de 0,2% que deve incidir sobre transações eletrônicas, e é visto como o retorno da CPMF (entenda por que ele é chamado de CPMF digital).

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Ao que tudo indica, o novo imposto deve incidir sobre pagamentos com cartões, transferências, depósitos, etc. Basicamente, só não incidiria sobre transações com dinheiro vivo, por isso deve impactar os preços de forma generalizada. É justamente por isso que ele e a CPMF são tão polêmicos: eles têm um caráter regressivo, ou seja, afetam todo mundo de maneira igual, penalizando mais quem tem menos renda.

Outro novo tributo que vem sendo discutido – este, sim, já apresentado oficialmente na primeira parte da proposta do governo – é a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), que unifica os impostos PIS e Cofins em um único.

Por fim, existe ainda a discussão sobre o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), que agregaria, além de PIS e Cofins, o IPI, ICMS e ISS em um imposto único, unificando tributos federais, estaduais e municipais. Esse é o cerne da proposta que corre na Câmara dos Deputados, a PEC 45, elaborada pelo tributarista Bernard Appy, apresentada pelo deputado Baleia Rossi (MDB-SP) e apadrinhada por Rodrigo Maia (DEM-RJ).

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Alguns críticos dizem que a CBS do governo, inclusive, seria uma versão piorada do IBS.

Tanto a CBS, quanto o IBS, também têm natureza regressiva. Como a tributação incide sobre bens e serviços, se houver aumento da carga tributária, provavelmente essa diferença será passada adiante e quem vai pagar a conta é o consumidor final – de forma igual em todos os níveis de renda. Veja mais detalhes das propostas apresentadas aqui.

Mas para entender por que os impostos com caráter regressivo são tão criticados, é necessário compreender os conceitos de regressividade e progressividade. O InfoMoney consultou advogados tributaristas para explicar as principais diferenças e os impactos na sua vida. Confira.

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Imposto regressivo

De forma geral, o imposto regressivo incide sobre o consumo e sua principal característica é que toda a população é impactada pela carga tributária da mesma forma, independentemente da renda e do patrimônio.

“Ter um sistema tributário regressivo significa que o foco está em tributos indiretos, ou seja, no consumo. Isso afeta diretamente as famílias mais pobres. Quando todos pagam a mesma coisa, quem tem menos dinheiro paga proporcionalmente mais tributos em relação à quantia total que tem para sobreviver”, explica Bernardo Joanes, especialista em direito tributário, sócio do escritório Rennó, Penteado, Reis & Sampaio Advogados.

Ângelo de Angelis, economista e tributarista, explica que uma das grandes falhas do sistema tributário brasileiro está justamente na concentração de impostos indiretos, que têm caráter regressivo, o que deixa a estrutura de arrecadação “muito injusta”.

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“Isso acontece porque o imposto regressivo facilita a arrecadação ao incidir sobre as transações de consumos e serviços, que repercutem nos preços finais que chegam ao consumidor. Assim, incide em itens que praticamente toda a população paga. Focando no sistema regressivo eu arrecado mais rapidamente porque mais pessoas estão contribuindo”, explica Angelis.

A desigualdade social do Brasil, segundo ele, também ajuda a consolidar essa lógica. “Se eu foco na cobrança de imposto de quem é mais rico, mesmo cobrando mais, eu tenho proporcionalmente menos pessoas para cobrar imposto. O desenho de sistema tributário regressivo é menos democrático”, diz.

Por exemplo, uma pessoa que ganha um salário mínimo por mês paga a mesma carga tributária de ICMS na compra de um saco de arroz que uma pessoa que ganha dez salários mínimos, no mesmo período. Isso também se aplica a outros impostos indiretos como PIS, Cofins e IPI.

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Por isso, na opinião de Joanes, a proposta da CBS, que encarna esse conceito de regressividade, pode prejudicar ainda mais quem tem menos dinheiro. “Deve acontecer um aumento de carga tributária. E se o prestador de serviço for mais onerado, vai repassar o aumento ao preço final de seu produto, o que vai refletir no bolso do consumidor”, diz.

Segundo Angelis, hoje praticamente metade da arrecadação tributária no Brasil é proveniente da cobrança de impostos regressivos. “Em países da OCDE [Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, clube dos países mais ricos do mundo], a arrecadação sobre tributos indiretos fica entre 20% e 30%. O foco fica no sistema progressivo”, diz.

Imposto progressivo

Do outro lado, existe a modalidade progressiva. E a lógica dessa outra natureza de imposto é baseada na tributação da renda: quem tem mais dinheiro, paga mais imposto.

“A principal diferença do sistema regressivo para o progressivo é o impacto de justiça fiscal: em tese, a cobrança respeita a capacidade contributiva das pessoas. Quem tem menos renda não precisa pagar a mesma coisa de quem é rico. Nesse caso, são tributos diretos: se eu tenho receita, eu pago. A igualdade no tratamento é mais clara”, explica Joanes.

O principal exemplo de imposto dessa modalidade é o Imposto de Renda (IR). Na prática, o contribuinte paga o imposto de acordo com a sua receita, e as alíquotas vão aumentando, conforme a faixa de renda vai subindo. Inclusive, as propostas de reforma tributária incluem discussões sobre a tributação de dividendos e aumento da faixa de isenção do IR (saiba mais aqui).

O IPTU, que incide sobre imóveis, também é um exemplo de imposto progressivo: na prática, quanto mais caro o imóvel, mais imposto o comprador paga.

Outra característica dos impostos progressivos é que eles dependem de declarações de renda para serem fiscalizados, segundo Angelis. “Isso dificulta a arrecadação. Exige mais organização e processos para efetuar a cobrança, como mostra a própria declaração de Imposto de Renda anual. É mais trabalho para o governo”, diz.

Existe um modelo ideal?

Segundo os especialistas, em termos práticos, os modelos mais elogiados por tributaristas, são aqueles que se assemelham aos adotados em países desenvolvidos, com o foco na tributação direta e, portanto, de caráter mais progressivo.

“Mas a verdade é que os sistemas progressivo e regressivo são complementares para a arrecadação do governo. O que se deve buscar é uma matriz mais progressiva, que poderia equilibrar a cobrança de tributos da população conforme a renda”, explica Angelis.

Para ele, as propostas de reforma tributária não sanam o nosso maior problema, que é justamente a desproporcionalidade entre as duas modalidades. “O governo está propondo uma grande simplificação do nosso complexo sistema. Já é um passo. Mas a nova CPMF e a CBS estão agregando impostos sem, efetivamente, reduzir a carga tributária sobre consumo e transformar a base fundamental, que vai continuar sendo regressiva”, explica.

Joanes concorda que o modelo ideal deveria comportar menos impostos regressivos, mas como eles facilitam a arrecadação, dificilmente o governo vai abrir mão desse tipo de tributo, sobretudo no atual contexto de crise.

Mas ele afirma que o governo poderia recorrer à soluções alternativas. “A perda da arrecadação indireta poderia ser compensada com a cobrança de impostos diretos, com o aumento de carga tributária sobre as alíquotas maiores de pessoas físicas no IR, sobre dividendos, com taxação sobre grandes fortunas, por exemplo. Há outros caminhos para aumentarmos a tributação progressiva e tentar trazer a justiça fiscal”, diz Joanes.

Ainda que a tributação de dividendos seja frequentemente citada como uma possível solução para compensar perdas de arrecadação com impostos, o assunto envolve uma enorme complexidade.

Conforme defendeu o tributarista Alexandre Pacheco, em coluna publicada no InfoMoney, contribuintes poderiam reagir ao aumento da tributação de dividendos transferindo despesas pessoais para empresas, sonegando, reduzindo investimentos e transferindo recursos para países com menor tributação, o que tornaria a medida ineficaz do ponto de vista de arrecadação, além de desincentivar o mercado de capitais.

São discussões que provam que o assunto ainda deve ser amplamente debatido e está longe de um desfecho. E apesar das muitas dúvidas sobre o que vem pela frente em termos de reforma tributária, diante dos impactos que as mudanças podem trazer, fato é que ficar por dentro do tema e entender seus conceitos centrais não faz mal a ninguém.

Giovanna Sutto

Repórter de Finanças do InfoMoney. Escreve matérias finanças pessoais, meios de pagamentos, carreira e economia. Formada pela Cásper Líbero com pós-graduação pelo Ibmec.