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Projeto de lei prevê fim do tratamento diferenciado ao seguro para grandes riscos

Para especialistas, texto sob análise no Congresso pesa contra a liberdade de negociação e a flexibilização de produtos

Gilmara Santos

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O Projeto de Lei Complementar, PLC 29, que trata do mercado de seguros, divide opiniões desde que voltou ao balcão de tramitações no Senado. De um lado, estão os que consideram que a norma vai modernizar o regramento do setor. Do outro, os que entendem que o texto do PL pode criar um obstáculo para a inovação dos seguros.

Um dos pontos que tem causado polêmica é o que determina que a disponibilização de qualquer contrato de seguro no país fique sujeito ao registro prévio por parte da Susep (Superintendência de Seguros Privados).

Para especialistas consultados pelo InfoMoney, o problema estaria em tratar seguros massificados e para grandes riscos da mesma maneira que os demais. Caso essa condição se concretize, os especialistas avaliam que será um retrocesso às conquistas regulatórias, como a liberdade de negociação, a simplificação e a flexibilização de produtos.

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O texto do PL também padroniza garantias para riscos desiguais, ao equiparar grandes segurados com consumidores hipossuficientes. “A Resolução 407 do CNSP [Conselho Nacional de Seguros Privados] propôs tratamento diferente entre massificados e grande risco. O seguro auto, por exemplo, tem tratamento de proteção ao consumidor porque a maioria que contrata nem lê o contrato e o CDC [Código de Defesa do Consumidor] já funciona como lei apta a proteger os segurados”, comenta o advogado Ilan Goldberg, sócio do escritório Chalfin, Goldberg & Vainboim Advogados.

“As grandes empresas têm consultores e advogados para analisar os contratos e não podem ser equiparadas à pessoa física quando contrata seguro de carro, por exemplo”, completa o advogado.

“Hoje há competitividade no mercado de seguros, uma vez que as seguradoras têm liberdade na gestão de seus contratos, que são negociados ‘caso a caso’, como ocorre no mercado global”, comenta o advogado Marcos Poliszezuk, do escritório Poliszezuk Advogados.

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Liberdade econômica sob risco?

Poliszezuk considera que o registro prévio das cláusulas contratuais na Susep, como quer o texto do PL, pode padronizar certas garantias de riscos. E isso “contraria a liberdade econômica”.

Já Leandro Lamussi, do escritório Barreto, Lamussi, Nunes Advogados, avalia que o projeto de lei poderá trazer avanços no mercado securitário, como:

“É inegável, contudo, que o projeto é antigo – conta com quase 20 anos – e, em muitos aspectos, nasce velho, como o tratamento igualitário dado aos seguros de grandes riscos e massificados, carecendo de atualização para atender o ambiente de inovação regulatória, liberdade contratual e segmentação”, diz o especialista.

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Lamussi também engrossa o coro sobre ser um retrocesso obrigar as seguradoras a aprovarem as condições contratuais e as respectivas notas técnicas e atuariais junto à Susep. “Isso elevará os custos na elaboração dos produtos, gerará incremento no valor dos prêmios cobrados dos consumidores e prejudicará o dinamismo do mercado de seguros, algo que caminha na contramão da regulação vigente nos países desenvolvidos”, diz.

Recentemente, cinco entidades que, juntas, representam mais de 100 empresas elaboraram uma nota técnica esmiuçando os pontos frágeis do projeto e os seus riscos, caso o texto seja mantido e aprovado pelo Congresso.

A nota é assinada por:

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O texto do PL, dizem as entidades, padroniza “garantias para riscos naturalmente desiguais” ao equiparar “grandes segurados”, como uma plataforma de petróleo, a “consumidores hipossuficientes”, como aqueles que contratam o seguro de celular.

“O PLC coloca o Brasil décadas atrás de outros países de economia relevante e atrás dele mesmo, considerando o estágio atual da legislação, que, inclusive, já estabelece diferenciação entre os seguros massificados e de grandes riscos”, diz a nota assinada pelas entidades.

Para as cinco associações do setor, há o risco de evasão das resseguradoras do mercado nacional com a aprovação do PLC. O argumento é de que o projeto entra em choque com os avanços trazidos pela Lei Complementar 126, que trata das operações de resseguro.

“Hoje, no Brasil, nenhuma grande obra sai do papel sem apoio dos resseguradores. Os principais resseguradores do mundo estão presentes no Brasil e geram capacidade suficiente para atender à demanda de mercado”, salientam.

Em 2022, o mercado de seguros movimentou R$ 356 bilhões (excluindo saúde e DPVAT), o equivalente a 3,4% do PIB brasileiro. Desse total, R$ 21 bilhões vieram das resseguradoras, que equivalem hoje a 6% do mercado, segundo cálculo das cinco associações do setor.

O Brasil conta com 13 resseguradores locais, 33 resseguradores admitidos (com escritório de representação no Brasil) e 73 resseguradores eventuais (empresas globais).

Veja também episódio do “Tá Seguro?”:

Imposição das resseguradoras?

O presidente do IBDS (Instituto Brasileiro de Direito do Seguro), o advogado Ernesto Tzirulnik, discorda da paridade entre os contratantes de seguros de grande risco e as seguradoras.

“No seguro de grande risco, as cláusulas são desenhadas lá fora e o contratante do Brasil não consegue mudá-las. A verdade é que a seguradora aceita ou fica sem resseguro”, pontua.

Ernesto Tzirulnik explica ainda que a regulação de mercado é feita por lei complementar e uma lei ordinária, como uma resolução, não pode mudar lei complementar.

Neste sentido, a resolução seria inconstitucional e já é alvo de discussão na Justiça. No início do ano passado, o PT (Partido dos Trabalhadores) ingressou com uma ação direta de inconstitucionalidade contra a Resolução 407, que atualiza a contratação de seguros de grandes riscos.

O procurador-geral da República, Augusto Aras, em manifestação enviada ao Supremo Tribunal Federal em Ação Direta de Inconstitucionalidade que questiona o alcance da competência normativa do CNSP e da Susep, considerou que ao  tratar de princípios e normas de contratos de seguro de grandes riscos, a Resolução 407 extrapola o poder regulamentar do Conselho Nacional de Seguros Privados (CNSP) e contraria os princípios da reserva legal e da separação de poderes.

“A ideia do projeto é que haja registro do que está sendo vendido para poder fiscalizar e disciplinar o mercado”, ressalta Ernesto Tzirulnik.

Elaborado por uma comissão do IBDS coordenada por Ernesto Tzirulnik e Flávio Queiroz de Bezerra Cavalcanti, o Projeto de Lei de Contrato de Seguro, de autoria do então deputado federal José Eduardo Cardozo (PT), foi apresentado na Câmara dos Deputados em maio de 2014. Em abril de 2017, o PL obteve um parecer favorável da Comissão de Constituição e Justiça, mas foi arquivado no Senado Federal no ano passado.

Em março deste ano, em votação simbólica, o Plenário do Senado aprovou o requerimento do presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (PSD/MG), e de mais 27 parlamentares, e determinou o desarquivamento do projeto de lei.

Procurada, a CNseg (Confederação Nacional das Seguradoras) não manifestou posicionamento ao InfoMoney sobre o PLC 29.

Gilmara Santos

Jornalista especializada em economia e negócios. Foi editora de legislação da Gazeta Mercantil e de Economia do Diário do Grande ABC.