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Percepção sobre seguros é equivocada no Brasil, afirma presidente da CNseg; de quem é a culpa?

Dyogo Oliveira, que é ex-ministro do Planejamento e ex-presidente do BNDES, também afirma que Open Insurance não vai atrasar

Lucas Sampaio

Dyogo Oliveira, presidente da CNSeg (Confederação Nacional das Empresas de Seguros Gerais, Previdência Privada e Vida, Saúde Suplementar e Capitalização) Foto: Divulgação

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Ex-ministro do Planejamento e ex-presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Social (BNDES) durante o governo Michel Temer (MDB), Dyogo Oliveira assumiu a Confederação Nacional das Seguradoras (CNSeg), em 2022, com algumas “missões”: fazer a interlocução com o poder público, “popularizar” o seguro, “traduzindo” jargões e aumentando a base de clientes, e defender algumas bandeiras, como a de que o setor não é concentrado.

Em entrevista exclusiva ao InfoMoney, o presidente da CNseg afirma que a percepção da sociedade em relação aos seguros ainda é equivocada — em parte por culpa do próprio setor. Diz também que o impacto dos problemas do IRB (IRBR3) no setor é menor do que ele imaginava e garante que o “Open Insurance” estará disponível em 15 de setembro (o Open Insurance é um ecossistema de compartilhamento de dados semelhante ao Open Banking, cujo intuito e aumentar a competitividade e diminuir os preços).

O executivo tenta evitar questões polêmicas, como a polarização da política brasileira e o próprio IRB — Oliveira participou da privatização da resseguradora, em 2013. Mas não foge das respostas. Nesta entrevista exclusiva, o executivo afirma que o setor de seguros pode ajudar o governo — qualquer que seja — com produtos que atendam às necessidades da população. Como exemplo, ele cita os motoristas e entregadores de aplicativos, as vítimas de desastres naturais e os grandes projetos de infraestrutura.

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A conversa ocorreu em Santiago, no Chile, onde a CNSeg lançou a Fides Rio 2023: uma conferência do mercado segurador que é o maior evento para as Américas e a Península Ibérica. O encontro é bienal, e esta será a primeira edição presencial desde o começo da pandemia.

Veja abaixo os principais trechos da entrevista:

Percepção ‘equivocada’ do setor

“Só entre janeiro e junho [de 2022] o setor já pagou R$ 430 bilhões em resgates e indenizações. Isso é 5% do PIB. E essa conta é simples: se você tira esses 5% da economia, o PIB brasileiro teria caído 5% porque isso é renda disponível, isso é renda que entrou no bolso das pessoas”, afirma Oliveira. “É dinheiro para quem teve o carro roubado, bateu o carro, o veículo pegou fogo”.

O presidente da CNSeg afirma que o setor “tem uma contribuição para uma economia moderna”. “Não só do ponto de vista individual. É importante macroeconomicamente, pois tem um papel econômico fundamental em uma sociedade moderna”.

“Mas hoje a percepção do setor é equivocada. E isso é um pouco de responsabilidade do próprio setor, que se comunica pouco e tem todo um linguajar técnico. Os nomes que a gente usa no setor são nomes que não dão a impressão certa”, afirma Oliveira. “Por exemplo: prêmio é o que você paga [para a seguradora] e sinistro é o que você recebe. Então essas coisas eu acho que afastam muito essa percepção do benefício que tem o setor. Mas sem sombra de dúvida é uma indústria que agrega muito valor para a sociedade e traz muito benefício”.

Questionado sobre como o setor pode mudar essa imagem negativa, o executivo cita as indenizações pagas pelas seguradoras. “As pessoas, quando recebem uma indenização, ficam muito satisfeitas. E, como eu mostrei, é uma quantidade muito grande de pessoas que recebem indenização. Mais de 180 mil famílias receberam indenização em decorrência de Covid, por exemplo”.

“Os seguros não cobriam a Covid, porque pandemia é um evento de força maior e é considerado excluído de qualquer seguro, mas, mesmo assim, as empresas decidiram fazer o pagamento [das indenizações] para 180 mil famílias”, afirma o presidente da CNSeg. “Para essas famílias, é continuidade da sua qualidade de vida, continuidade do seu padrão de consumo, continuidade da formação e da educação dos filhos… Isso tem um efeito econômico real para o país”.

Oliveira afirma que, por isso, uma das suas missões na CNSeg é fazer o setor dialogar melhor com a sociedade. “Por isso estamos trabalhando muito a comunicação, a imagem do setor, mostrando os números”.

Open Insurance

Uma das mudanças do setor para 2023 é o “Open Insurance” (sistema de seguros aberto), um ecossistema de compartilhamento de dados semelhante ao Open Banking. Seu intuito é aumentar a competitivdade e diminuir os preços, pois as pessoas poderão permitir o compartilhamento de suas informações entre seguradoras para conseguir preços melhores e obter produtos mais personalizados.

Oliveira garante que a plataforma do Open Insurance ficará pronta no dia 15 de setembro deste ano (data estipulada pelos órgãos públicos para o sistema estar operacional), mas ressalta que a disponibilidade de produtos vai depender das empresas — e que, para essa etapa, não é possível dar uma previsão.

“Primeiro, as pessoas precisam entender simplificadamente o que é o Open Insurance. Vai ser uma plataforma digital onde vai ter toda informação dos seguros e dos segurados. E você vai ter ali a possibilidade de realizar qualquer operação com seguros. Você vai poder contratar um seguro, cancelar, transferir e realizar qualquer operação com seguros”, afirma o executivo.

O presidente da CNSeg cita exemplos de benefícios que podem chegar aos consumidores, no futuro: “Se você trocar de carro, vai poder transferir o seu seguro para o outro carro. Vai poder transferir de uma seguradora para outra também. E a seguradora B vai poder fazer uma oferta melhor para o seguro do seu carro, por exemplo. Se você já tinha contratado [o seguro], vai poder fazer a portabilidade”.

Oliveira não diz quando essas funcionalidades vão chegar ao cliente. “A plataforma deve, do ponto de vista legal, estar operacional no dia 15 de setembro de 2023. Isso vai estar disponível, neste formato de plataforma que eu mencionei, na data estipulada. Em cima disso, as empresas — tanto seguradoras quanto corretoras ou outras empresas que podem se habilitar — vão pode desenvolver aplicativos”.

“Esses aplicativos não têm data. Pode ser que no dia 15 de setembro ninguém tenha feito nada, mas o sistema vai estar funcionando. No dia 15 de setembro a base para tudo isso funcionar vai estar disponível. Essa interface entre o cliente e a plataforma — onde todas as informações estarão disponíveis — vai depender das seguradoras”, afirma o executivo.

Saúde e grandes riscos fora

Ele também explica porque dois setores ficaram de fora do Open Insurance: os planos de saúde e o seguro de grandes riscos. “O que que está fora disso [do Open Insurance]? Saúde e grandes riscos de engenharia, como petróleo e aviação, por exemplo. Os seguros de grandes riscos têm poucas operações, então não faz sentido desenvolver toda essa plataforma tecnológica, com milhões e milhões de investimentos, para você ter duas ou três propostas. Dez operações por ano”.

“Em relação à saúde, o segmento ficou de fora porque a regulação da saúde é feita pela ANS [Agência Nacional de Saúde Suplementar]. E, principalmente, porque em saúde você tem uma característica mais delicada no tratamento dos dados pessoais”, pondera. “O segmento de saúde está preparando uma outra plataforma, que tem mais a ver com a portabilidade [entre planos e seguradoras]”.

“Sobre o seguro de grandes riscos, não é razoável você gastar milhões de reais em um sistema caro que vai ter uma operação por ano com a Petrobras, outra com a Vale”, afirma o executivo. “São casos em que a empresa negocia o seguro diretamente com o dono da seguradora. São empresas autossuficientes, então elas sabem o que precisam”.

IRB (IRBR3)

Oliveira foi questionado sobre o quanto a situação do IRB preocupa o setor (a empresa se viu em meio a um grande escândalo de fraude contábil em 2020, quase não sobreviveu e lida com as sequelas da conduta de seus executivos até hoje). Desde então, as ações do IRB já despencaram mais de 90%, acionistas processaram a companhia, ela também foi impactada por uma alta sinistralidade no seguro rural e, diante de tudo isso, teve de passar por capitalização e até vender a sua sede no Rio de Janeiro.

O executivo minimiza a importância da empresa para o setor de resseguros (formado por “seguradoras das seguradoras”). “Primeiro que, hoje, o IRB representa em torno de 25% do mercado de resseguro. Na época do monopólio [antes da privatização] era 100%. Segundo que estamos muito tranquilos de que as empresas são muito capitalizadas e não há nenhum risco de acontecer um problema derivado do IRB”.

Apesar de minimizar a importância do IRB no setor, o presidente da CNSeg diz que é importante ter uma resseguradora brasileira. “A única questão é que, para o Brasil, eu acho importante ter resseguradores locais. Enriquece muito o mercado de seguros, porque você tem a possibilidade de ter produtos e especificidades muito mais adaptados para o Brasil”, diz o executivo. “Estamos torcendo muito para o IRB se recuperar rapidamente e voltar a atuar com 100% da sua capacidade — e estamos muito confiantes de que isso realmente vai acontecer”.

Mudança de governo

Sobre a vitória do atual presidente, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), nas eleições de outubro, o presidente da CNSeg diz que a mudança de governo “não muda muito” a perspectiva para o setor de seguros. “Seja qual for o governo, nós vamos ter que fazer um trabalho muito grande de aproximação”.

“Independentemente de qual seja o governo, o mercado de seguros carece de uma maior aproximação e de uma maior percepção pelo governo de como usar o setor de seguros para as finalidades das políticas públicas que eles queiram desenvolver. Isso independe de qual seja o governo”, diz Oliveira.

Ele diz também que o setor espera do presidente “é uma política de crescimento do país”. “Essa, para mim, é a grande política pró-mercado no caso de seguros. É a melhor ação que a gente espera de qualquer governante”.

Sobre o governo usar as seguradoras para políticas públicas, o executivo afirma que “o governo tem muito a ganhar se entender bem como utilizar o setor para melhorar o desenvolvimento do país, tanto do ponto de vista de crescimento econômico quanto de desenvolvimento social”.

“O setor de seguros é, por natureza, um produto social. O conceito do seguro é um conjunto grande de pessoas que agem em benefício de uma que sofreu alguma dificuldade. Esse princípio já é de preocupação social”, diz o presidente da CNSeg.

‘Ajuda’ ao governo

Questionado sobre como o setor de seguros poderia “ajudar” o governo, Oliveira dá três exemplos de bate-pronto:

“Um debate que surgiu na campanha dos presidenciáveis foi: o que fazer para proteger o trabalhador ‘uberizado’? É uma coisa super moderna, que está presente na sociedade e vai continuar crescendo. Acontece que, no mundo inteiro, você tem produtos de seguros exatamente para essa classe”, afirma o presidente da CNSeg.

“Tem seguro de acidente de trabalho: um produto de seguro que pode manter a renda desse trabalhador durante um certo período. Tem previdência: tem o regime geral de previdência, mas tem também o plano de acumulação de previdência no setor de seguros. Podemos oferecer para esse trabalhador exatamente as mesmas proteções que tem um trabalhador ‘celetista’ [com carteira assinada]”, diz o executivo.

“Outro exemplo que mostramos para alguns candidatos [na época da eleição]: quando tem alguma catástrofe hoje, como é que o governo chega nos beneficiários de Bolsa Família? Leva um tempo para comprar uma cesta básica, para fazer um abrigo. Se tiver um seguro para essas pessoas, você conseguiria quase que imediatamente disponibilizar para elas uma indenização e elas poderiam gastar esse dinheiro como acharem melhor”, exemplifica.

“Também tem muitos produtos de seguros que podem ajudar o governo na área econômica, com recursos para a área de infraestrutura. O governo precisa fazer obras, precisa fazer concessões, privatizações de infraestrutura. Tudo isso demanda seguro garantia. É um produto tradicional da nossa indústria”, completa Oliveira.

Interlocução com o governo

A reportagem questionou Oliveira se ele foi contratado pela CNSeg exatamente para fazer essa interlocução com o governo (além de ex-ministro e ex-presidente do BNDES no governo Temer, ele foi também secretário-executivo dos ministérios do Planejamento e da Fazenda em governos do PT).

“Acho que não só para isso. Fui contratado para dirigir uma entidade que representa os setores mais diversos, nos mais diversos cenários. É importante ter um trabalho de desenvolvimento, de inovações, de liderar o setor. E faz parte deste trabalho o relacionamento com o governo. De tentar, da melhor maneira possível, construir essa relação”, afirma o presidente da confederação.

Aumentar a cobertura dos seguros

Oliveira afirma ainda que a sua principal prioridade hoje (e seu principal desafio) são praticamente a mesma coisa: ampliar a cobertura de seguros. “O grande desafio hoje da indústria de seguros é ampliar a cobertura, dar acesso a esse produto que é muito positivo para as pessoas”.

“É um produto que melhora a qualidade de vida e traz estabilidade ao longo da vida. A natureza deste produto contribui muito para o desenvolvimento de uma sociedade, porque você consegue ao longo da sua vida ter planejamento, ter previsibilidade, ter continuidade dos teus projetos”, elenca o executivo. “E isso está presente em todos os produtos de seguro, desde os produtos de risco até os produtos de acumulação. Quando você pensa em previdência privada, no seu fluxo financeiro ao longo da vida, você está deixando de ter um pouquinho de consumo presente para ter mais consumo futuro”.

“Na nossa visão, a principal prioridade da CNseg hoje é democratizar o seguro. E é um produto acessível. O custo do seguro é muito baixo quando você compara com os benefícios. Uma casa hoje, um apartamento que vale R$ 500 mil ou R$ 1 milhão, você vai pagar de R$ 300 a R$ 400 de seguro por ano. É um custo muito baixo perante o valor que você está segurando”, afirma Oliveira. “Então vale muito a pena”.

Aumentar o seguro obrigatório?

Perguntado se o caminho para democratizar o seguro é aumentar a obrigatoriedade de alguns tipos de seguro (posição defendida por alguns players do setor), o executivo diz que não. “A obrigatoriedade de seguros é bastante polêmica – e não é a nossa principal estratégia. É evidente que alguns seguros, ao nosso ver, devem realmente ser obrigatórios”.

“O Brasil, por exemplo, tem vários seguros que são obrigatórios – alguns são públicos, outros são privados. O DPVAT é um seguro obrigatório e é um seguro privado. Então eu acho que sim, os seguros obrigatórios têm um papel muito importante”, exemplifica o presidente da CNSeg. “Mas o nosso foco de atuação da CNseg é um trabalho de convencimento, demonstrando que o seguro é um produto acessível. O custo dele é barato em relação ao valor que está sendo segurado”.

Concentração do setor

Outra bandeira de Oliveira à frente da CNSeg é que o setor de seguros não é concentrado. “O setor de seguros, em geral, é de baixa concentração. O setor marítimo e aeronáutico, por exemplo, tem alta concentração por quê? Porque só tem três companhias aéreas e tem poucos armadores também”.

“O segurado que é concentrado, então a seguradora que ‘ganha’ aquele segurado naturalmente ‘leva’ o mercado quase todo. Mesmo assim, existem muitas seguradoras operando. Tem 15 seguradoras no marítimo e aeronáutico”, diz o executivo. “E você tem 35 [seguradoras] no rural, no habitacional tem 20… [outros setores com concentração de mercado]”.

O presidente da CNSeg afirma que o setor não só não é concentrado como é também “contestável”. “Existe um certo mito – até de pessoas do próprio mercado – de que o setor é concentrado. Mas o setor não é concentrado. E, mais importante do que não ser concentrado, é ser um setor ‘contestável’. É um setor que você pode competir”.

Ele dá como exemplo o caso do seguro auto. “No seguro de automóvel as cinco maiores empresas têm 73,3% do mercado, mas você olha entre elas e é bem equilibrado. A maior tem 25% do mercado, mas tem 35 empresas competindo com ela. Então ela [a líder] não consegue exercer um poder de mercado, porque se ela quiser cobrar muito caro evidentemente as outras vão tomar mercado dela”, afirma Oliveira. “Então tem uma participação de grandes empresas no setor? Tem, mas é contestável se a empresa quiser se comportar de uma maneira não competitiva”.

O executivo cita também o caso do seguro habitacional, que é muito concentrado na Caixa Econômica Federal. “Mesmo no [seguro] habitacional, hoje você é obrigado a oferecer pelo menos duas propostas para o financiado. Então, quando você vai tomar o financiamento habitacional, você tem pelo menos duas opções de seguradora. Pode ser a dele [do financiador]. mas tem que ter mais uma”, diz Oliveira. “É competitivo do ponto de vista prático, mesmo quando você tem uma concentração. Do lado do seguro é competitivo — e é briga de foice mesmo. O pessoal disputa no meio da rua com a faca nos dentes”.

Lucas Sampaio

Jornalista com 12 anos de experiência nos principais grupos de comunicação do Brasil (TV Globo, Folha, Estadão e Grupo Abril), em diversas funções (editor, repórter, produtor e redator) e editorias (economia, internacional, tecnologia, política e cidades). Graduado pela UFSC com intercâmbio na Universidade Nova de Lisboa.