Novo livro de Warren Buffet: leia, com exclusividade, a introdução da obra

Leia a introdução de As cartas de Warren Buffett - lições de investimento e gestão selecionadas das cartas aos acionistas da Bershire Hathaway

Equipe InfoMoney

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Quem não é do mercado financeiro pode não conhecer Warren Buffett, mas já deve ter ouvido a frase “devagar se vai ao longe” – o que é quase a mesma coisa. Aos 91 anos, Buffett é uma das pessoas mais ricas do mundo, posto que conquistou investindo com paciência, desde criança.

A sua filosofia de investimentos pode ser resumida em uma das suas frases mais famosas: “Alguém está sentado na sombra hoje porque outra pessoa plantou uma semente há muito tempo”.

O defensor do value investing escreve todos os anos, desde 1978, uma carta aos acionistas da empresa que fundou, a Berkshire Hathaway. Agora, uma seleção dessas cartas será publicada em formato de livro, compondo um elegante manual sobre gestão, investimentos e finanças organizado por Lawrence A. Cunningham.

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A obra “As cartas de Warren Buffett”, com 400 páginas, será lançada amanhã (9) pela Editora Sextante.

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Confira abaixo um trecho da introdução do livro, assinada por Lawrence A. Cunningham: 

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Quem passou pela experiência de ler as cartas de Warren Buffett aos acionistas da Berkshire Hathaway Inc. adquiriu uma educação informal extremamente valiosa. Elas descrevem de maneira simples todos os princípios básicos das boas práticas de mercado. Ao tratar da seleção de gestores e investimentos, da avaliação de negócios e da construção da cultura corporativa, os textos abrangem um escopo amplo e trazem uma sabedoria acumulada de muitos anos. Organizados por temas, sintetizam a filosofia de negócios e investimentos para o público em geral.

Um tema central conecta as cartas lúcidas de Buffett: os princípios da análise fundamentalista de negócios, elaborados inicialmente por seus professores Ben Graham e David Dodd, devem guiar as práticas de investimento.

Vinculados a isso estão os princípios de administração que definem o papel dos gestores (como administradores responsáveis e diligentes do capital investido) e dos acionistas (fornecedores e proprietários do capital). Desses pontos principais irradiam lições pragmáticas e sensatas a respeito de várias questões relevantes de negócios, de aquisições a governança e avaliação.

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Buffett aplicou esses princípios tradicionais como executivo-chefe da Berkshire Hathaway, companhia que se originou de uma empresa têxtil cujas operações datam do início do século XIX. Em 1965, quando ele assumiu o comando da Berkshire, o valor contábil por ação era de 19,46 dólares. Já o valor intrínseco por ação era bem inferior. Hoje, o valor contábil por ação ultrapassa 200 mil dólares e o intrínseco é ainda maior. Nesse período, a taxa de crescimento do valor contábil por ação foi de cerca de 19% ao ano.

A Berkshire se tornou uma holding com atuação em mais de oitenta ramos de atividades. A principal frente de negócios é a de seguros, que abrange várias empresas, inclusive uma das maiores seguradoras de automóveis dos Estados Unidos, a GEICO Corporation, subsidiária da qual detém 100% da  propriedade, e uma das maiores resseguradoras do mundo, a General Re Corporation. Proprietária e gestora há muitos anos de grandes empresas de energia, a Berkshire adquiriu em 2010 a Burlington Northern Santa Fe Railway Company, uma das maiores ferrovias da América do Norte.

Além disso, a holding possui subsidiárias enormes: dez delas seriam incluídas na Fortune 500 caso fossem empresas independentes. O espectro de atuação é tão amplo que, conforme escreveu Buffett, “quando você examina a Berkshire, vislumbra as maiores corporações dos Estados Unidos”. Eis alguns exemplos: alimentos, roupas, materiais de construção, ferramentas, equipamentos, jornais, livros, serviços de transporte e produtos financeiros. A Berkshire também tem participações significativas em grandes companhias, inclusive American Express, Coca-Cola, Moody’s e Wells Fargo.

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Esse vasto conglomerado foi construído por Buffett e pelo vice-presidente da Berkshire, Charlie Munger, que investiram em empresas com características financeiras excelentes, administradas por gestores proeminentes.

Embora prefiram negociar a aquisição de 100% de um negócio por um preço justo, eles adotam uma abordagem de “cano duplo”, comprando no mercado aberto uma parte de determinadas empresas, quando o preço pro rata é bem inferior ao da aquisição total.

Segmentando a holding em cinco elementos distintos, aos quais Buffett se refere como os “bosques da floresta da Berkshire”, é possível estimar seu valor. São estes:

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A Berkshire seria avaliada de maneira adequada ao se somarem esses bosques de ativos e deduzirem a reserva das seguradoras (e ainda uma estimativa dos impostos diferidos sobre a venda de ativos). No entanto, quando abrigamos todos os “bosques” sob o mesmo guarda-chuva corporativo, surgem outros componentes valiosos: o baixo custo dos recursos, a alocação flexível de capital, a redução do risco  empresarial, custos indiretos ínfimos, a eficiência tributária e uma cultura corporativa marcante.

De acordo com Buffett, esses resultados não são fruto de um grande plano, mas de investimentos focados – a alocação concentrada de capital em empresas de características econômicas extraordinárias e geridas pela melhor equipe.

Buffett encara a Berkshire como uma parceria entre ele, Munger e outros acionistas, e quase todo o seu patrimônio líquido está aplicado em ações da holding. Seu objetivo financeiro é de longo prazo: maximizar o valor intrínseco por ação da Berkshire ao controlar a totalidade ou parte de um grupo diversificado de empresas que gerem caixa e retornos acima da média. Para atingir essa meta, ele renuncia tanto à expansão por si só quanto ao desinvestimento de negócios, contanto que tenham liquidez e sejam bem administrados.

A Berkshire retém e reinveste os lucros quando, com o tempo, isso produz – no mínimo – aumentos proporcionais no valor de mercado. A empresa toma dívida com parcimônia e só vende capital próprio quando essa operação não provoca desvalorização da ação. Buffett detalha as convenções contábeis, sobretudo aquelas que encobrem o real lucro econômico.

Esses princípios de negócios relacionados ao proprietário, como Buffett os denomina, organizam os ensaios a seguir, compondo um elegante e instrutivo manual sobre gestão, investimento, finanças e contabilidade. Também constituem o referencial para uma rica variedade de perspectivas sobre questões presentes em todos os aspectos dos negócios. Tais princípios vão muito além de chavões abstratos. É verdade que o investidor deveria se concentrar nos fundamentos, ser paciente e usar o bom senso. Nas cartas de Buffett, esses aperitivos de uma consultoria profissional estão ancorados nos princípios mais concretos que guiam sua vida e seu sucesso.

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GOVERNANÇA

Para Buffett, gestores são administradores diligentes do capital dos acionistas. Os melhores pensam como proprietários na hora de tomar decisões de negócios, tendo os interesses dos acionistas em mente. Mas mesmo esses gestores às vezes têm interesses conflitantes. Saber como amenizar isso e estimular boas práticas de gestão administrativa são objetivos permanentes da longa carreira de Buffett e um tema de destaque em suas cartas, que abordam alguns dos problemas mais relevantes de governança.

O primeiro é a importância da franqueza e da honestidade na comunicação entre gestores e acionistas. Buffett fala das coisas como elas são, ou ao menos como ele as vê, e lamenta que esteja em minoria. O Relatório Anual da Berkshire não é grandiloquente: Buffett prepara o conteúdo usando palavras e números compreensíveis. Além disso, todos os investidores recebem as mesmas informações simultaneamente. Buffett e a Berkshire evitam fazer previsões – um mau hábito de gestão que muitas vezes leva executivos a maquiar relatórios financeiros.

Além da orientação ao proprietário refletida na prática de divulgação de Buffett e dos princípios de negócios já mencionados, a lição seguinte é dispensar fórmulas de estrutura gerencial. Ao contrário do que ditam os livros sobre comportamento organizacional, mapear uma cadeia de comando abstrata para aplicá-la no contexto específico de uma companhia, de acordo com Buffett, não adianta muito. O que faz diferença é selecionar pessoas capazes, honestas e diligentes. Ter profissionais de alto nível na equipe é mais importante do que criar hierarquias e estipular quem se reporta a quem, sobre o quê e quando.

Deve-se dar atenção especial à seleção do executivo-chefe da empresa, o CEO, por causa das três  principais diferenças que Buffett identifica entre quem ocupa esse cargo e os demais funcionários. Primeiro, os padrões para mensurar o desempenho do principal executivo da companhia são inadequados ou fáceis de manipular, então é mais difícil avaliá-lo do que avaliar a maioria dos empregados. Em segundo lugar, ninguém está acima dele na hierarquia, e não é possível medir o desempenho de alguém em uma função superior. Por último, nem mesmo o conselho pode se posicionar acima do CEO, pois espera-se que mantenham uma relação amistosa.

Grandes reformulações, em geral, pretendem alinhar os interesses da equipe de gestão e dos acionistas ou melhorar formas de supervisão do desempenho do principal executivo da empresa por parte do conselho. Um dos instrumentos adotados foi definir se os gestores têm a opção de comprar ações da empresa. Além disso, deu-se maior ênfase aos processos do conselho. Outras modificações também foram consideradas promissoras: a separação entre a identidade e as funções do presidente do conselho e do CEO e a criação de comitês permanentes de auditoria, nomeação e remuneração. Talvez a recomendação mais difundida seja a de trazer membros independentes para ocupar assentos no conselho. Contudo, nenhuma dessas inovações resolveu os problemas de governança; algumas até os exacerbaram.

A melhor solução, ensina Buffett, é ter extremo cuidado ao identificar executivos-chefes capazes de alcançar um bom desempenho independentemente de controles estruturais, que podem ser fracos. Em sociedades de capital aberto, grandes acionistas institucionais precisam exercer o poder de destituir executivos-chefes que não atendam às demandas administrativas. Se o principal executivo da empresa for excelente, não precisará de muito treinamento por parte dos proprietários, embora possa se beneficiar de um conselho diretor igualmente notável. Portanto, os conselheiros devem ser escolhidos pelo conhecimento dos negócios, pelo interesse e pelo direcionamento. Para Buffett, um dos maiores problemas dos conselhos nos Estados Unidos é que seus membros são selecionados por outros motivos, entre eles compor um grupo mais diverso ou dar visibilidade ao colegiado – ou ainda, como se sabe, assegurar sua independência.

A maioria das reformulações é generalista e não observa as principais diferenças entre as situações identificadas por Buffett nos conselhos. O poder desse órgão se enfraquece, por exemplo, quando um acionista controlador acumula a função de gestor. Se surgirem divergências entre o conselho e a equipe de gestão, não há muito o que um conselheiro possa fazer além de se opor e, em circunstâncias graves, renunciar. Seu poder é maior na situação oposta, quando há um acionista majoritário que não participa da gestão. Nesse caso, ao ocorrer uma discordância, os conselheiros podem levar o assunto diretamente ao controlador.

O mais comum é que a empresa não tenha essa figura. Em situações assim os problemas de gestão são mais graves, explica Buffett. Empenhados em preservar a cordialidade das relações, em geral os conselheiros não impõem a disciplina necessária. Para maximizar a eficácia do conselho em um cenário desses, Buffett sugere que o grupo tenha poucos membros, a maioria deles externos. A arma mais forte que um conselheiro pode ter nessas circunstâncias continua sendo a ameaça de renunciar ao cargo.

Há uma característica comum a todas essas situações: é bem mais fácil confrontar ou remover um péssimo gestor do que um medíocre. Um dos principais problemas nas estruturas de governança tradicionais das corporações americanas é a presença do executivo-chefe nas reuniões para avaliação de seu desempenho. Realizar esses encontros sem a participação do próprio interessado pode resultar em melhoria significativa na governança corporativa.

Os executivos-chefes das várias companhias da Berkshire desfrutam de uma posição privilegiada entre as maiores empresas americanas dos Estados Unidos. Eles precisam seguir três mandamentos simples: administrar o negócio (1) como se fossem seu único proprietário; (2) como se possuíssem somente esse ativo; e (3) como se não pudessem vendê-lo ou fundi-lo nos próximos cinquenta anos. Isso permite aos CEOs do conglomerado exercer a gestão com um horizonte de longo prazo, algo raro entre seus pares em sociedades de capital aberto, cujos acionistas tendem a pensar no curto prazo e ficam obcecados em bater as metas de lucros trimestrais. Os resultados de curto prazo são importantes, é claro, mas o método da Berkshire evita pressões para alcançá-los abrindo mão do fortalecimento das vantagens competitivas com um horizonte mais extenso.

Se apenas os resultados de curto prazo fossem relevantes, seria mais fácil tomar muitas decisões gerenciais, especialmente aquelas relacionadas a negócios cujas características econômicas se deterioraram. Pense no tempo que Buffett dedicou a revitalizar o pior investimento que já fez, na opinião dele: a compra da Berkshire. O antigo negócio têxtil da Berkshire começou a ruir no fim dos anos 1970. Buffett pretendia montar um planejamento para reverter os prejuízos, tanto por perceber a importância da companhia para os funcionários e para as comunidades locais, na Nova Inglaterra, quanto por julgar que os gestores e a força de trabalho tinham capacidade e entendimento para lidar com as dificuldades. Tanto assim que manteve a fábrica operante até 1985, mas não foi possível contornar a situação financeira e ele teve que fechá-la. Equilibrar resultados de curto prazo e perspectivas de longo prazo com base na confiança da comunidade não é fácil, porém é uma conduta inteligente. Lições semelhantes são replicadas em outros setores nos quais a Berkshire investe, como o de jornais na era da internet, e mesmo em segmentos que obedecem a severas normas de controle governamental – por exemplo, energia e ferrovias –, nos quais Buffett vê um pacto social implícito entre empreendimentos privados e autoridades regulatórias.

Às vezes, os interesses da equipe de gestão e os dos acionistas entram em conflito, de maneiras sutis ou fáceis de disfarçar. Um exemplo é a filantropia. Na maioria das grandes organizações, a gestão destina parte do lucro a propósitos de caridade. E, com frequência, escolhe as instituições que beneficiará com base em motivos não relacionados aos interesses da empresa ou dos acionistas. A maioria das leis estaduais nos Estados Unidos permite que os gestores tomem essas decisões, desde que a soma das doações anuais respeite um determinado patamar – de modo geral, que não ultrapasse 10% do lucro líquido anual.

Já a Berkshire age de maneira diferente: não faz contribuições por meio da controladora e permite que suas subsidiárias sigam as políticas filantrópicas anteriores à aquisição. Além disso, ao longo de duas décadas, foram os próprios acionistas que determinaram as quantias e as instituições de caridade para as quais a Berkshire faria doações. Esse programa contou com a participação de quase todos os acionistas, que ano após ano doaram dezenas de milhões de dólares para milhares de instituições de caridade. Contudo, a controvérsia política acerca da questão do aborto impediu sua continuidade. Ativistas organizaram boicotes aos produtos da Berkshire em protesto contra determinadas doações, o que acabou com a proposta da companhia de estabelecer uma “parceria”.

O plano de alinhar os interesses da equipe de gestão e dos acionistas ao conceder opções de compra de ações aos executivos não somente foi exagerado, como também ocultou de modo sutil uma divisão mais profunda entre as participações societárias que as opções criaram. Muitas empresas oferecem a seus executivos opções de compra de ações cujo valor aumenta somente pelo lucro acumulado, não por uma mobilização maior de capital. Entretanto, explica Buffett, ao apenas reter e reinvestir os lucros, os gestores podem obter aumento de lucros anuais sem levantar um dedo sequer para melhorar o retorno real sobre o capital. Assim, as opções de compra de ações muitas vezes tiram riqueza dos acionistas e destinam o lucro aos executivos. Além disso, uma vez concedidas, é comum que essas opções sejam irrevogáveis e incondicionais, beneficiando os gestores independentemente do desempenho individual.

Buffett concorda que é possível usar opções de compra para incutir uma cultura gerencial na qual os gestores sejam incentivados a pensar como donos do negócio. Mas o alinhamento não será perfeito. A exposição dos acionistas ao risco de perda de mobilização de capital abaixo do ideal é maior do que a do titular de opção de compra. Por isso Buffett recomenda aos acionistas que, ao lerem formulários de referência, estejam alertas para a assimetria nesse tipo de alinhamento quando se trata de aprovar planos de opções de compra. Muitos ignoram de forma deliberada esses formulários, quando deveriam atentar para o uso abusivo de opções de compra de ações, ainda mais se forem investidores institucionais empenhados em obter melhorias na governança corporativa.

Para Buffett, o desempenho deve ser a base para as decisões sobre remuneração de executivos. Esse desempenho deve ser medido pela rentabilidade da empresa após serem descontados os lucros retidos, ou seja, o capital reinvestido no negócio. Caso sejam utilizadas, as opções de compra de ações devem estar associadas ao resultado individual, não ao da empresa, e precificadas com base no valor de negócio. Melhor ainda, como acontece na Berkshire, é que as opções simplesmente não façam parte da remuneração dos executivos. Afinal, gestores excepcionais que ganham bônus em dinheiro com base no desempenho de seus próprios negócios podem comprar ações, se quiserem, e assim “realmente se colocar na pele dos proprietários”, como afirma Buffett. E os interesses dos proprietários são primordiais tanto para a remuneração dos executivos quanto para outros tópicos de governança corporativa discutidos por Buffet, como gerenciamento de risco, conformidade corporativa e relatórios financeiros.

Embora seja menos quantificável, a cultura corporativa está entre os fatores mais importantes na avaliação de um negócio. Na Berkshire, ela está profundamente entranhada. Quem dá o tom é a alta administração, a partir da sede, em Omaha, pautando-se pelas normas e pelos valores que inspiram o grupo. Essa cultura também está presente nas subsidiárias e chega aos gestores das várias unidades de negócios que compõem a holding hoje. Como se trata de um vasto conglomerado de negócios diversificados e em expansão, é impressionante a uniformidade e a longevidade da cultura da Berkshire, o que, segundo Buffett, ajudará a empresa a prosperar por muito tempo depois que ele e Munger saírem de cena.

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INVESTIMENTOS

As ideias de investimento mais revolucionárias dos últimos quarenta anos foram aquelas denominadas moderna teoria de finanças. Trata-se de um elaborado conjunto de teses que podem ser condensadas em uma implicação prática, ao mesmo tempo simples e equivocada: é perda de tempo estudar as oportunidades individuais de investimento em valores mobiliários disponíveis no mercado. De acordo com essa visão, o investidor se sairia melhor ao compor uma carteira fazendo apostas aleatórias em conjuntos de ações, sem pensar se cada oportunidade de investimento faz sentido.

Um princípio fundamental da moderna teoria de finanças é o da carteira de investimentos como a conhecemos. Segundo essa teoria, podemos eliminar o risco específico de qualquer investimento se mantivermos uma carteira diversificada – ou seja, ela corrobora o dito popular segundo o qual não se deve colocar todos os ovos na mesma cesta. A ideia é que o risco residual é o único pelo qual os investidores serão compensados.

Esse risco residual pode ser mensurado por um termo matemático simples, o índice Beta, que indica a volatilidade da ação em comparação com o mercado. O Beta mede bem o risco de volatilidade para títulos vendidos em mercados eficientes, nos quais as informações sobre tais títulos são incorporadas aos preços de maneira rápida e precisa. Mercados eficientes dominam a história das finanças modernas.

A reverência a essas ideias não se limitou aos acadêmicos da torre de marfim, que atuam em universidades, escolas de negócios e faculdades de direito; pelo contrário, nos últimos quarenta anos se tornou o principal dogma no coração financeiro dos Estados Unidos, de Wall Street à Main Street, ou seja, dos grandes aos pequenos investidores individuais. Muitos profissionais ainda acreditam que o  preço sempre reflete com precisão seu valor, que o único risco que importa é a volatilidade dos preços e que a melhor forma de administrá-lo é investir em um conjunto diversificado de ações.

Pertencendo a uma corrente distinta de investidores que remonta a Graham e Dodd – e que desmistifica esse dogma pela lógica e pela experiência –, Buffett considera que o mercado não opera com total eficiência e que igualar volatilidade a risco é uma distorção grosseira. Assim, ele temia que toda uma geração de estudantes de MBA e de doutorado em direito, influenciada pela moderna teoria de finanças, aprendesse as lições erradas e não tivesse acesso às que são importantes.

Uma lição especialmente dispendiosa da moderna teoria de finanças decorre da proliferação do seguro de carteira – uma técnica computadorizada para reajustar carteiras de ativos em mercados em declínio. O uso indiscriminado desse seguro ajudou a precipitar a quebra do mercado financeiro em outubro de 1987 e a derrubada do preço das ações em outubro de 1989. No entanto, houve um lado positivo: caiu por terra a história moderna das finanças contada em faculdades de administração e direito e seguida fielmente por tantos em Wall Street.

A moderna teoria de finanças não poderia explicar a volatilidade subsequente do mercado, bem como outros fenômenos de grandes proporções relacionados ao comportamento de ações de baixa  capitalização, de ações com alto retorno em dividendos e de ações com baixos índices de preço/lucro. O lance final da ineficiência do mercado foi a bolha das ações de empresas de tecnologia, que explodiu entre o fim dos anos 1990 e o início dos anos 2000, marcada por oscilações repentinas nos preços das ações: houve picos de euforia e melancolia entre os investidores, muito descolados do valor do negócio. Um número crescente de céticos passou a dizer que o Beta não mensura o risco de investimento que realmente importa e que, de todo modo, os mercados financeiros não são eficientes a ponto de torná-lo pertinente.

Em meio a esse debate acirrado, as pessoas começaram a se dar conta do histórico de investimentos bem-sucedidos de Buffett e a solicitar um retorno à estratégia de investimentos e negócios de Graham-Dodd. Afinal de contas, ao longo de mais de quarenta anos, Buffett gerou retornos anuais médios de 20% ou mais, o que representa o dobro da média do mercado. Antes disso, durante mais de vinte anos, a Graham-Newman Corp., de Ben Graham, fizera o mesmo. Conforme enfatiza Buffett, os desempenhos impressionantes da Graham-Newman e da Berkshire merecem respeito: o tamanho da amostra foi significativo; o período de tempo foi extenso; não houve distorção por causa de algumas experiências privilegiadas; não houve mineração de dados; e os resultados foram longitudinais, não selecionados de forma retrospectiva.

Ameaçados pelos resultados de Buffett, devotos teimosos da moderna teoria de finanças recorreram a estranhas explicações para o sucesso dele. Talvez fosse apenas alguém com muita sorte – como no Teorema do Macaco Infinito, que em algum momento datilografaria Hamlet, de Shakespeare – ou que tivesse acesso privilegiado a informações não disponíveis para outros investidores. Ao rejeitarem Buffett, os entusiastas da moderna teoria de finanças continuam insistindo em que a melhor estratégia é diversificar a carteira de investimentos com base no índice Beta ou em apostas aleatórias, de modo a reconfigurá-la a todo momento.

Buffett responde a isso com um gracejo e uma sugestão. A brincadeira é que os devotos da sua filosofia de investimento provavelmente deveriam patrocinar cátedras em universidades e faculdades para garantir o ensino permanente de dogmas do mercado eficiente. Já o conselho é que ignorem a moderna teoria de finanças e outras visões menos sofisticadas do mercado, concentrando os investimentos nas áreas de expertise. Para muitos, a melhor maneira de fazer isso é investir a longo prazo em um fundo que busque acompanhar o rendimento de determinado índice de ações. Outra estratégia é fazer análises exaustivas de negócios com base na competência de avaliação de um investidor. De acordo com esse raciocínio, o risco não é o índice Beta ou a volatilidade, mas a possibilidade de um investimento causar perda ou prejuízo.

Avaliar esse tipo de risco requer refletir sobre a gestão, os produtos, os concorrentes e o nível de endividamento de uma empresa. A questão é se o lucro líquido do investimento no mínimo se iguala ao poder de compra do investimento inicial, somado a uma taxa de retorno justa. Os principais fatores são as características econômicas da empresa a longo prazo, a qualidade e a integridade da equipe de gestão, e os níveis futuros de tributação e inflação. Talvez esses fatores pareçam vagos, sobretudo se comparados à precisão sedutora do Beta, mas a verdade é que não há como deixar de considerá-los se pensarmos no melhor para o investidor.

Buffett salienta o contrassenso do Beta ao observar que “uma ação que tenha caído de modo muito acentuado em face do mercado… torna-se ‘mais arriscada’ com o preço mais baixo do que era com o preço mais alto” – é desse jeito que tal indicador mensura o risco. O índice também é pouco eficaz por não distinguir o risco inerente a “uma empresa de brinquedos que venda um só produto sem personalidade, como bambolês, e outra cujo único produto é o Banco Imobiliário ou a Barbie”. Mas investidores comuns podem fazer essas distinções ao refletirem sobre o comportamento do consumidor e a forma como as empresas de bens de consumo competem entre si. Além disso, podem calcular  quando uma grande queda no preço das ações sinaliza uma oportunidade de compra.

Contrariando a moderna teoria de finanças, a estratégia de investimento de Buffett não recomenda a diversificação. Pode até propor foco, se não na própria carteira de investimentos, ao menos na cabeça de seu dono. Quanto à concentração da carteira, Buffett nos lembra que Keynes – que foi não apenas um economista brilhante, mas também um investidor astuto – acreditava que o investidor deveria destinar quantias consideráveis a duas ou três empresas sobre as quais tivesse algum conhecimento e cujas equipes de gestão fossem confiáveis. De acordo com essa perspectiva, o risco aumenta quando as alocações e a filosofia de investimento se distanciam muito. Uma estratégia de foco financeiro e mental pode reduzir o risco ao estimular tanto a reflexão do investidor a respeito de um negócio quanto o nível de conforto que ele deve ter em relação a suas características fundamentais antes de comprá-lo.

De acordo com Buffett, a moda do índice Beta peca por não dar atenção a “um princípio fundamental: é melhor estar mais ou menos certo do que rigorosamente errado”. O sucesso de um investimento de longo prazo não está atrelado a estudar o Beta e manter uma carteira diversificada, mas a reconhecer que o investidor é dono de um negócio. Recompor uma carteira por meio de compra e venda de ações para adequá-la ao perfil de risco Beta desejado compromete o sucesso do investimento a longo prazo. E “pular de galho em galho” gera custos enormes de transação por causa de spreads, taxas e comissões, sem falar nos impostos. Buffett brinca que chamar de investidor quem negocia de forma ativa no mercado “é como chamar de romântico quem sempre tem casos sem compromisso”. A concentração de investimentos inverte a sabedoria popular da moderna teoria de finanças: em vez do “não coloque todos os ovos na mesma cesta”, recebemos o conselho de Mark Twain em A tragédia de Pudd’nhead Wilson: “Coloque todos os ovos na mesma cesta – e cuide dela.”

Buffett aprendeu a arte de investir com Ben Graham quando era estudante de pós-graduação na Columbia Business School, nos anos 1950, e, mais tarde, ao trabalhar na Graham-Newman. Em uma série de obras clássicas, entre as quais O investidor inteligente, Graham apresentou alguns dos conhecimentos sobre investimento mais profundos da História. Esse saber rejeita uma mentalidade predominante, porém equivocada, que iguala preço a valor. Graham sustentava que preço é o que você paga e valor é o que você recebe. Valor e preço raramente se equivalem, mas a maioria das pessoas não percebe a diferença.

Uma das contribuições mais significativas de Graham foi ter descrito um personagem que vive em Wall Street, o Sr. Mercado. É aquele parceiro de negócios hipotético que todos os dias está disposto a comprar a sua participação em uma companhia ou vender para você a dele ao preço de mercado. O Sr. Mercado é temperamental, sujeito a oscilações repentinas que vão da euforia ao desespero. Pode oferecer preços tanto bem acima quanto bem abaixo do valor. Quanto mais instável o humor dele, maior o spread entre preço e valor e, portanto, mais oportunidades de investimento. Ao retomar essa alegoria de Graham sobre o mercado em geral, Buffett enfatiza como ela é valiosa para a concentração disciplinada de investimentos – embora os modernos teóricos de finanças não reconheçam o Sr. Mercado.

Outro importante legado de Graham acerca da prudência é o princípio de margem de segurança. Segundo esse princípio, não se deve investir em um título a não ser que haja base suficiente para acreditar que o preço pago é substancialmente inferior ao valor a ser recebido. Buffett segue esse princípio com devoção e destaca que Graham costumava dizer que, se fosse obrigado a resumir o segredo do investimento sólido em três palavras, elas seriam: “margem de segurança”. Mais de quarenta anos depois de ter lido isso pela primeira vez, Buffett ainda considera que são as palavras certas. Enquanto os entusiastas da moderna teoria de finanças citam a eficiência do mercado para negar que haja disparidade entre preço (o que você paga) e valor (o que você recebe), na opinião de Buffett e Graham há toda a diferença do mundo.

Essa diferença também mostra que o termo value investing, investimento em ações depreciadas, é uma redundância. Todo investimento verdadeiro deve ser baseado em uma avaliação da relação entre preço e valor. Estratégias que não empregam essa comparação não constituem um investimento, mas uma especulação – mais uma esperança na alta do preço do que a convicção de que o preço pago é inferior ao valor obtido. Muitos profissionais cometem outro erro comum, observa Buffett, ao estabelecerem distinção entre “investimento em crescimento” e “investimento em valor”. Para ele, não há diferença entre crescimento e valor. Ambos estão totalmente relacionados, uma vez que o crescimento deve ser tratado como um componente do valor.

Buffett também não concorda com a noção de “investimento relacional”. O termo se tornou popular em meados da década de 1990 e descreve um estilo de investimento estruturado para reduzir os custos da separação entre a propriedade do acionista e o controle gerencial por meio da ênfase no envolvimento dos acionistas e no monitoramento da equipe de gestão. Muitas pessoas identificaram de maneira errada Buffett e a Berkshire como exemplos que se encaixariam nessa descrição. É verdade que Buffett compra grandes participações em poucas empresas e permanece com elas durante muito tempo. Buffett também só investe em negócios administrados por pessoas em quem ele confia. Mas as coincidências param por aí. Se fosse pressionado a usar um adjetivo para descrever seu estilo de investimento, Buffett  escolheria algo como “focado” ou “inteligente”. Mas até isso soa redundante – uma palavra simples o descreve melhor: investidor.

Outros usos indevidos de terminologia distorcem a distinção entre especulação e arbitragem como métodos de gestão eficaz de caixa – sendo a arbitragem muito importante para companhias como a Berkshire, que gera um excedente significativo. Tanto a especulação quanto a arbitragem são maneiras de aplicar o caixa excedente em vez de mantê-lo em investimentos de curto prazo, como commercial  papers. A especulação descreve o uso do caixa para apostar em diferentes áreas empresariais tomando por base boatos de supostas transações ainda não anunciadas. Já a arbitragem, tradicionalmente  compreendida como a exploração de preços para o mesmo ativo negociado em mercados diferentes, para Buffett refere-se à alocação do caixa em posições de curto prazo em algumas oportunidades anunciadas publicamente. É um modo de aproveitar a diferença de preços para um mesmo ativo de acordo com o momento. A decisão sobre usar o caixa dessa maneira requer a avaliação de quatro  pontos de consenso, ancorados em informações, não em rumores: a probabilidade de o acontecimento se confirmar; o período em que os fundos ficarão retidos; o custo de oportunidade; e a desvantagem, caso não ocorra o esperado.

O princípio do círculo de competência faz parte do tripé do método Graham/Buffett de investimento inteligente, ao lado do Sr. Mercado e da margem de segurança. Essa regra do senso comum instrui os investidores a considerarem investir apenas em negócios que eles sejam capazes de entender com pouco esforço. Pelo compromisso de se ater ao que conhece, Buffett evita erros que outros repetem, em especial quem se deixa levar pela fantasia de enriquecer rapidamente, uma promessa dos modismos  tecnológicos e da retórica de uma nova era, que infestaram de forma recorrente os mercados especulativos ao longo dos séculos.

Qualquer que seja a filosofia de investimento, é necessário se precaver contra o que Buffett chama de “imperativo institucional”. Trata-se de uma força onipresente pela qual a dinâmica institucional gera resistência à mudança e absorção de recursos empresariais disponíveis, além de levar subordinados a aprovar, de modo automático, estratégias ruins do executivo-chefe da companhia. Ao contrário do que costuma ser ensinado nas faculdades de administração e direito, essa força poderosa interfere com frequência na tomada de decisões racionais de negócios. O resultado final do imperativo institucional é uma mentalidade “maria-vai-com-as-outras”, que produzirá imitadores, não líderes. Buffett chama isso de abordagem de rebanho para os negócios.

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