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SÃO PAULO – A Medicina não deve ser tolerada como comércio, nem o paciente pode ser considerado consumidor e a saúde tampouco deve ser vista como produto. As afirmações são do CFM (Conselho Federal de Medicina) e constam no novo Código de Ética Médica, que entrou em vigor na última terça-feira (13).
Embora a diferenciação entre as práticas médica e comercial tenha sido ressaltada pelo Conselho, a sexta atualização do Código também é comemorada pelos órgãos de defesa do consumidor. Para eles, a nova edição do Código não exclui a relação de consumo existente entre médico e paciente.
“O Código de Defesa do Consumidor (CDC) é constitucional e consolidado e a Resolução do Conselho não tem como revogar o que está nessa lei”, ressalta o diretor de atendimento da Fundação Procon-SP, Robson Campos. A advogada do Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor), Daniela Trettel, concorda: “o CDC é aplicável à relação médico e paciente”.
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Para a coordenadora institucional da Pro Teste – Associação dos Consumidores, Maria Inês Dolci, o novo código reforça a transparência na relação entre médico e paciente e garante o direito à informação do último. “O objetivo maior dessa atualização é a melhora dessa relação”, comenta. “Ele representa um grande avanço”, ressalta.
Comércio versus Medicina
A prática médica como comércio é repudiada pelos órgãos que regem o exercício da profissão. Entre os novos artigos que agora compõem o código, alguns reforçam essa percepção. E embora defendam que exista uma relação de consumo dentro da atividade, os órgãos de defesa do consumidor também reiteram que a saúde não deve ser considerada como uma prática comercial.
“O Idec sempre foi contrário à mercantilização dessa relação e defende que questões éticas devem ser consideradas primordialmente”, afirma Daniela. Para Campos, do Procon, cada caso deve ser analisado com cuidado, mas a responsabilidade do médico como prestador de serviços não deve ser deixada de lado. “Se pegarmos o conceito de fornecedor preconizado no CDC veremos que o médico entra na lista, como profissional liberal que é”, diz.
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Pelo Código, “fornecedor é toda pessoa física e jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços”. “Só nisso, já se elimina qualquer tipo de dúvida”, ressalta Campos.
Ele diz que riscos estão atrelados à atividade médica e muitos até são previsíveis, como por exemplo um tratamento qualquer feito em um paciente. Dependendo da doença e do próprio enfermo, não existem garantias de resultados positivos, pois há aí muitas variáveis. Porém, existem casos em que há imprudência, negligência e imperícia no atendimento. Quando isso acontece, o CDC é aplicável. “Produtos e serviços não podem acarretar riscos e danos à saúde dos consumidores”, ressalta Campos. Ele cita como exemplo, casos em que nem todos os procedimentos necessários para determinado atendimento são feitos.
Campos explica, no entanto, que os direitos dos consumidores se aplicam quando existe a verificação da culpa, ou seja, essa negligência, imperícia e imprudência deve ser provada.
Médico versus comércio
Para que a ideia de que a saúde não é um produto permaneça clara, alguns artigos do novo Código de Ética Médica reforçam a distância do médico com o comércio. Um deles dita que os profissionais não devem ter qualquer tipo de relação com estabelecimentos comerciais da área da saúde, como farmácias.
Para Maria Inês, da Pro Teste, esse é um ponto positivo e reforça as proibições já existentes em outras legislações. “Se o profissional está ligado ao comércio, ele acaba induzindo o consumidor a comprar determinados produtos”, explica. Com o novo artigo, essa prática fica proibida.
Outro ponto reforçado pelo novo código é aquele que afirma que os médicos não podem estar vinculados a cartões de descontos e consórcios, principalmente aqueles que atuam na área de cirurgia plástica. “Essa decisão corrobora com o que já está sendo proibido”, ressalta Maria Inês.
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Para a coordenadora da Pro Teste, todas essas mudanças reforçam o direito do paciente à informação. Porém, para ela, ainda há muito o que ser visto e revisto. “Já é uma iniciativa, que abre possibilidades, mas a discussão não se esgota aí”, ressalta.
Informações claras também são defendidas por Campos. O novo Código também determina que a letra do médico em atestados e receitas deve ser legível e que o paciente tem direito a ter acesso ao seu prontuário médico. “A informação é um direito básico do consumidor e também está previsto no CDC”, reforça Campos.
De maneira geral, os órgãos de defesa do consumidor consideraram positivas os artigos que atualizam o Código de Ética. “Eles refletem grandes avanços e contemplam questões que são necessárias aos consumidores”, analisa Campos.
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Novo Código
De acordo com o CFM, a atualização do Código começou a ser discutida em novembro de 2007. Dessa discussão participaram médicos e entidades organizadas da sociedade por meio de propostas encaminhadas ao conselho. Ao todo, foram 2.677 contribuições.
Entre as principais mudanças, o conselho destaca a autonomia do paciente, sendo que o médico aceitará as escolhas dele nos casos de procedimentos diagnósticos e terapêuticos. Além disso, a atualização toca, pela primeira vez, no tema da terapia genética. Fica proibido criar embriões com finalidades de escolha do sexo da criança.
A atualização também prevê que o paciente tem direito a uma segunda opinião médica. Assim, o médico não pode desrespeitar o tratamento e prescrição de medicamentos adotados por outro profissional. Além disso, o novo código também reforça que o médico deve divulgar, se houver, as relações que têm com fornecedores, indústria, medicamentos e outros quando publicar estudos ou artigos científicos. A partir de agora, também, a prescrição de medicamentos por meio de telefone ou internet, sem que o profissional tenha visto o paciente, fica proibida.