Juros altos e crédito restrito levam a aumento dos alugueis em 2025

Demanda alta, mantém a pressão para 2026 e abre caminho para novos tipos de garantias locatícias

Anna França

Imóvel para locação (Foto:
Rovena Rosa/Agência Brasil)
Imóvel para locação (Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil)

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Em 2025, o mercado de locação residencial virou o termômetro mais sensível do bolso brasileiro. Com juros altos e o financiamento imobiliário mais restrito, a escolha “comprar ou alugar” ficou menos filosófica e mais matemática, porque para muita gente a conta não fechava. O resultado foi uma pressão maior na demanda, o que acabou sustentando os preços e, ao mesmo tempo, aumentando a inadimplência e forçando o setor a profissionalizar gestão, cobrança e análise de risco.

A fatia de domicílios alugados no Brasil subiu de 18% para 23% entre 2016 e 2024, saltando de 12,3 milhões para 17,8 milhões de lares. É uma mudança relevante no “mapa de moradia” do país, segundo especialistas ouvidos pelo InfoMoney, o que abriu espaço para novas plataformas, produtos de garantia e modelos de atendimento.

Em novembro, o aluguel residencial subiu 0,59% no país pelo FIpeZAP, acima do IPCA do mês (0,18%). O movimento foi disseminado: 30 das 36 cidades monitoradas registraram alta (17 das 22 capitais). São Luís liderou (2,25%), seguida por Belém (1,50%), Curitiba (1,48%), Teresina (1,22%) e Vitória (1,18%). No acumulado do ano até novembro, o índice avançou 8,70%, mais do que o IPCA (3,92%); em 12 meses, a alta foi de 9,71%, contra 4,46% da inflação.

Só que o preço é apenas metade da história. A outra metade, atende pelo nome de inadimplência. Segundo Samuel Crete, diretor comercial da Onda, o ano teve um nível “elevado” de inadimplência no setor, com taxa em torno de 3,80% e pico recente que passou do patamar histórico mais comum.

Para ele, uma inadimplência “saudável” estaria entre 1% e 1,5%: ou seja, 2025 rodou bem acima do que o mercado gostaria de chamar de normal. Na prática, o risco aumenta justamente quando o aluguel fica mais caro e a renda fica apertada: o atraso vira um dominó que derruba locatário, imobiliária e proprietário.

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Esse cenário de risco acelerou uma transformação que já estava em curso: a troca das garantias tradicionais por soluções pagas e digitais. A Onda, plataforma especializada em garantias digitais, aponta que o fiador tende a concentrar mais dor de cabeça, por não ser garantia “líquida” (executável com rapidez), e que a caução de três aluguéis, comum no mercado, muitas vezes não cobre atrasos prolongados, especialmente em regiões de aluguel caro. Daí a corrida por garantias que prometem previsibilidade, cobertura e velocidade de resposta, com estrutura jurídica e processos mais padronizados.

Mas o jogo desse mercado de garantias locatícias é alto, o que levou a um movimento no tabuleiro, em uma fase de consolidação ao longo de 2025, levando empresas como o QuintoCred, do Quinto Andar, a deixar o mercado quando a inadimplência na locação subiu de 3,09% em março para 3,59% em junho. Isso acendeu um alerta num segmento jovem e que já movimenta cerca de R$ 300 milhões por ano.

Mas o mercado reagiu rápido e a Loft absorveu a carteira do QuintoCred, projetando encerrar 2025 com 650 mil contratos de fiança, reforçando uma estratégia de escala. Nos últimos dois anos, a saída ou absorção de pequenas e médias empresas se acelerou, empurradas pela sinistralidade, competição e necessidade de tecnologia.

Por outro lado, o Grupo OLX buscou parceria com a Creditas para terceirizar o “problema crédito e risco”, e a Creditas reportou crescimento de 280% em garantias locatícias entre janeiro e agosto de 2025. A lógica por trás dessas escolhas é que garantia locatícia se parece muito com concessão de crédito, exigindo análise profunda de risco, controle de fraude e capital para sustentar a operação. O acordo já foi desfeito, mas a Creditas segue oferecendo seu produto às imobiliárias.

Do lado da Onda, a leitura é que inadimplência alta deixa o modelo “insustentável” para muitos e que o setor precisa combinar digitalização com contato humano no fechamento e no acompanhamento do contrato. Gislene Vecchio, diretora financeira e cofundadora da Onda alega que recuperar aluguel atrasado pode custar mais de 20% do valor devido e a lentidão judicial amplia a fricção, pressionando por automação, integração bancária e bases regionais de dados.

A consolidação também traz um debate sobre a regulação. A ausência de um marco legal específico para garantias digitais pode abrir espaço para operadores sem lastro e governança, elevando risco sistêmico para locadores e imobiliárias. Uma discussão que deve continuar no próximo ano.

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Tendência

Para 2026, o roteiro depende de uma variável que o mercado imobiliário não controla: juros. Na visão de Samuel Crete, se a Selic continuar alta, a busca por locação segue firme, e com ela o avanço das garantias locatícias.

Ele descreve um mercado de rotatividade rápida em praças “fora da curva” e um ambiente em que reajustes e renovações de contrato viraram fonte de tensão para o orçamento do inquilino. Some a isso a mudança de indexadores (com contratos migrando do IGP-M para IPCA ou até referências ligadas a juros) e você tem o combustível perfeito para manter o tema inadimplência no centro da mesa.

Anna França

Jornalista especializada em economia e finanças. Foi editora de Negócios e Legislação no DCI, subeditora de indústria na Gazeta Mercantil e repórter de finanças e agronegócios na revista Dinheiro