Você pode estar pagando até 498,31% em juros no ano por estar no crédito errado. Conheça as alternativas

Consignado tem taxas de juros menores do que o parcelamento por cartão de crédito, por exemplo

Mariana Fonseca

Ilustração sobre dívidas (Shutterstock)

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SÃO PAULO – Em abril de 2017, uma regra impediu que os consumidores entrassem na “bola de neve” dos juros do rotativo do cartão de crédito. Após 30 dias, ou o cliente quita toda sua fatura com esses juros ou é transferido para outra linha de crédito do banco com juros menores. Tornou-se impossível rolar a dívida com os juros do rotativo por vários meses.

Quase quatro anos depois, porém, esse problema não foi totalmente resolvido. Isso porque os consumidores costumam passar para uma linha de parcelamento por cartão de crédito, que também apresenta altos juros. Em 2016, a taxa média dessa modalidade era de 150,8% ao ano. Em 2017, passou para 162,8%. Em 2018, 167%. Em 2019, 174,2%. Entre 2016 e 2019, portanto, a alta nas taxas de juros – que já não eram baixas – foi de 15,5%.

“Esse aumento acompanhou a inadimplência nacional, fruto de anos de recessão econômica. Quanto maior o risco de crédito, maior a taxa cobrada”, analisa Ronaldo Gotlib, advogado e planejador financeiro.

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Juliana Inhazs, economista e professora no Insper, afirma que o aumento nas taxas vem tanto da inadimplência e do consequente aumento da percepção de risco por parte dos bancos quanto da demanda por essa linha de crédito. “Apesar de apresentarem condições de financiamento melhor que o rotativo, linhas como o parcelamento de crédito foram se tornando mais demandadas e, portanto, mais caras ao consumidor final.”

Mesmo no atípico ano de 2020, a taxa continuou alta, com uma média de 151,6% ao ano. A taxa anual cobrada no parcelamento por cartão de crédito chegou a 188,94% em março, mas foi caindo junto da pandemia. Em dezembro, estava em 148,89% ao ano. “A economia sofreu forte retração e, por consequência, as taxas de juros também”, diz Gotlib.

Essas são médias. A taxa cobrada hoje no parcelamento por cartão de crédito pode chegar a até 16,08% ao mês, ou 498,31% por ano, de acordo com os últimos dados divulgados pelo Banco Central (BC), coletados entre 19 e 25 de fevereiro de 2020.

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Mais e mais brasileiros se encontram nessa situação. Em 2016, o volume de crédito concedido nessa modalidade era de R$ 29 bilhões. Em 2017, ano que em que a regra de transferência do rotativo para o parcelamento por cartão de crédito passou a vigorar, o volume subiu para R$ 38,2 bilhões. Em 2018, R$ 46,9 bilhões. Em 2019, R$ 58,5 bilhões. Em 2020, o caos econômico provocado pela pandemia do novo coronavírus provocou apenas uma leve queda na comparação anual. Foram concedidos R$ 54 bilhões em parcelamento por cartão de crédito no último ano.

Como fugir de taxas tão altas? Uma das alternativas é partir para o crédito consignado, que costuma garantir taxas de juros menores do que o parcelamento por cartão de crédito. O InfoMoney explica abaixo como funciona essa modalidade de crédito e faz uma comparação de taxas entre o crédito consignado e o parcelamento pelo cartão de crédito. Também mostra alternativas para quem não se encaixa nos requisitos do crédito consignado.

Entenda o crédito consignado

Gotlib explica que as taxas de juros cobradas em qualquer crédito se relacionam ao risco corrido pelo credor. O cheque especial, por exemplo, apresenta altas taxas de juros porque é um crédito para a pessoa física que não conta com nenhuma garantia. É difícil recuperar o dinheiro emprestado, em caso de inadimplência.

Já o crédito consignado tem como garantia o desconto direto das parcelas na folha de pagamentos do funcionário. Portanto, a previsão de recebimento de salário para quem paga o empréstimo fornece segurança ao credor, que pode baixar as taxas de juros cobradas no empréstimo. O mesmo vale para os pensionistas do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), a dívida é descontada diretamente da aposentadoria ou pensão recebida do governo.

O consignado pode ser contraído por funcionários públicos ou privados no regime CLT, porém nem todos os trabalhadores privados têm acesso. O consignado está disponível apenas nos casos em que a empresa tem um convênio firmado com um banco para oferecer esse tipo de crédito aos seus colaboradores. Funciona como outros benefícios, como fundos de pensão, por exemplo, algumas empresas oferecem aos funcionários e outras não.

“O consignado não está à disposição de todos os trabalhadores, mesmo os celetistas. Mas costuma ser uma alternativa atrativa, por apresentar descontos em folha de pagamentos. Eles reduzem o risco dos credores”, resume Juliana.

A parcela descontada em folha deve ser limitada a até 30% da renda líquida do credor. Outros 5% são para pagamentos por cartão de crédito. O Senado aprovou na última quarta-feira (10) uma medida provisória que amplia de 35% para 40% a margem para empréstimo consignado de servidores públicos ativos e inativos, militares e aposentados e pensionistas do INSS. O texto segue para sanção presidencial.

Os prazos de pagamento variam de acordo com a renda e com a idade de quem pede o empréstimo. Segundo Gotlib, podem chegar a até 96 meses. O crédito consignado costuma ser usado para trocar dívidas que apresentam juros mais altos – como as de parcelamento por cartão de crédito.

Compare taxas de consignado e cartão de crédito

O Banco Central divulga taxas para o crédito consignado privado por instituição, assim como as taxas cobradas no parcelamento por cartão de crédito. O InfoMoney coletou os últimos dados divulgados pelo BC, referentes ao período entre 19 e 25 de fevereiro de 2020.

Enquanto as taxas do consignado variam de 1,08% a 4,22% ao mês (13,74% a 64,13% ao ano), as taxas do crédito parcelado no cartão vão de 2,73% a 16,08% ao mês (38,08% até 498,31% ao ano).

Uma dívida de R$ 10 mil ficaria entre R$ 11.375,82 e R$ 16.421,50 após 12 meses, considerando a menor taxa e a maior taxa apresentadas pelo crédito consignado. No parcelamento por cartão de crédito, esses mesmos R$ 10 mil subiriam para R$ 13.815,53 até R$ 59.853,40 após um ano de juros. Veja a simulação abaixo para mais prazos:

Modalidade de crédito Taxa praticada ao mês Dívida original Dívida após 12 meses Dívida após 24 meses Dívida após 36 meses Dívida após 48 meses Dívida após 60 meses
Crédito Consignado 1,08% (mínimo) R$ 10.000,00 R$ 11.375,82 R$ 12.940,93 R$ 14.721,38 R$ 16.746,78 R$ 19.050,83
Crédito Consignado 4,22% (máximo) R$ 10.000,00 R$ 16.421,50 R$ 26.966,57 R$ 44.283,15 R$ 72.719,57 R$ 119.416,44
Cartão de crédito parcelado 2,73% (mínimo) R$ 10.000,00 R$ 13.815,53 R$ 19.086,88 R$ 26.369,53 R$ 36.430,89 R$ 50.331,20
Cartão de crédito parcelado 16,08% (máximo) R$ 10.000,00 R$ 59.853,40 R$ 358.242,90 R$ 2.144.205,37 R$ 12.833.797,21 R$ 76.814.634,03

Agora, veja um ranking das cinco instituições com os maiores juros no consignado privado e no parcelamento por cartão de crédito:

Crédito pessoal consignado privado

Instituição financeira Taxa de juros mensal (%) Taxa de juros anual (%)
Bco Banestes S.A. 3,42 49,76
Bco Digimais S.A. 3,44 50,11
Bco Industrial do Brasil S.A. 3,76 55,74
Portocred S.A. – CFI 3,80 56,50
Lecca CFI S.A. 4,22 64,13

Parcelamento por cartão de crédito

Instituição financeira Taxa de juros mensal (%) Taxa de juros anual (%)
Bco Losango S.A. 12,59 314,91
Realize CFI S.A. 12,72 320,67
Will Financeira S.A. CFI 14,20 391,91
Banco Pan 14,25 394,82
Bco do Est. de SE S.A. 16,08 498,31

Pontos de atenção no consignado

Por mais que aderir a uma modalidade de crédito com taxas de juros menores seja benéfico, também é preciso conhecer os riscos envolvidos em cada tipo de empréstimo.

Juliana recomenda primeiro se certificar de que a instituição financeira que concede o empréstimo é confiável, mesmo que sua empresa já tenha firmado um convênio com ela. Também fique de olho na reputação e nas comissões pagas a correspondentes, que são a ponte entre instituições financeiras e clientes buscando o crédito. Os correspondentes atuam principalmente em locais onde não há tanta presença de atendimento pelas instituições.

A Federação Brasileira de Bancos (Febraban) afirmou em comunicado, divulgado em fevereiro deste ano, que proibiu nove correspondentes bancários de atuarem na oferta do consignado ao longo de 2020.

Foram proibidos estes correspondentes bancários: Credmais (Cristiane Batista da Silva), Provisão Vendas (Provisão Vendas Yahuh LTDA – ME), F Sunglass (F C Serviços Administrativos e Comércio LTDA), M Lessa Serviços (M Lessa Serviços Escriturais Eireli), Agrice Rodrigues de Araújo (mesmo nome na razão social), Atitude MG (Atitude Promotora de Vendas LTDA – ME), WG Serviços Cadastrais – São Paulo – Eireli, MJ Serviços Cadastrais São Paulo LTDA EPP e Otimize (Otimize Serviços Cadastrais LTDA – ME).

Até 31 de dezembro, foram aplicadas sanções contra outros 238 correspondentes bancários em razão de reclamações de consumidores sobre oferta irregular do produto, diz a Febraban.

Gotlib também ressalta que uma porcentagem variável das verbas indenizatórias em caso de demissão irá para o pagamento da dívida restante no consignado, como o Fundo Garantidor por Tempo de Serviço (FGTS) e as multas rescisórias.

Caso ainda reste um valor a ser pago após o desconto das verbas indenizatórias, o tomador do empréstimo precisará negociar novas taxas de juros com a instituição financeira. Afinal, a garantia fornecida pela previsão de salários não existe mais. Os próximos pagamentos serão feitos por desconto na conta corrente ou boleto bancário, não mais desconto na folha de pagamento.

Gotlib também lembra que uma taxa de juros é considerada abusiva quando supera o dobro da média divulgada pelo Banco Central. A média mais atualizada está em 2,28% ao mês. Portanto, uma taxa abusiva seria acima de 4,56% ao mês, ou 70,76% ao ano. Nesse caso, o tomador do empréstimo tem respaldo para entrar com uma ação judicial contra a instituição financeira, pedindo a redução dessa taxa.

Também tenha cuidado com o acúmulo de outros tipos de empréstimos. Se você já compromete 30% da sua renda líquida com o consignado, contrair outras dívidas pode apertar o orçamento e levar à inadimplência.

Da mesma forma, se você tem uma reserva, quitar o restante do valor consignado é interessante. Vamos supor que você tenha um empréstimo de 60 parcelas e já tenha pagado 20 delas. Caso queira quitar de uma vez só as 40 restantes, elas não sofrerão mais incidências de juros.

Conheça outras modalidades de crédito

É importante lembrar que nem sempre o consignado pode ser a melhor opção ou pode não estar disponível. “Em tempos de juros baixos, muitas instituições financeiras tentaram alinhar suas políticas para oferecer taxas mais atrativas ao consumidor. Portanto, pesquisar o mercado e entender quais são as alternativas de financiamento sempre é uma boa ideia para quem procura um bom negócio”, recomenda Juliana.

Saber em detalhes o que está sendo contratado é fundamental para evitar surpresas desagradáveis: por exemplo, qual valor será descontado todos os meses e quais serão os juros aplicados.

“O tomador precisa ter certeza de que esse valor é factível financeiramente, e que seu desconto não compromete o pagamento de outras despesas. É importante ter o cuidado de contratar apenas aquilo que é necessário, entendendo que o prazo de pagamento é outra variável fundamental”, diz a docente.

Juliana cita outras alternativas de crédito para além do consignado. Crédito pessoal e cheque especial são modalidades que não pedem carteira assinada, mas as taxas de juros cobradas costumam ser elevadas e há outros custos envolvidos.

A economista ressalta como alternativa os financiamentos para objetivos pré-estabelecidos — como crédito automotivo, crédito estudantil e crédito imobiliário. Outra opção são os créditos pessoais com garantias. O car equity pede um automóvel quitado como garantia. Já no home equity, um imóvel quitado entra como garantia. O credor se torna dono dessas propriedades até que o crédito seja completamente devolvido, incluindo os juros.

“Essa modalidade tem juros menores e os prazos de pagamento podem ser relativamente longos, como existe uma garantia. Caso o pagamento das parcelas não seja efetuado, a concedente do crédito pode tomar o bem dado como garantia. Esse empréstimo oferece condições melhores para bons devedores, que pagam suas dívidas em dia e evitam situações de perda dos bens”, diz Juliana. Saiba mais sobre o home equity e quais os riscos envolvidos nessa operação de crédito.

Tanto Juliana quanto Gotlib ressaltam que a melhor alternativa dependerá das necessidades e perfil de cada tomador. “É um avanço obter juros menores. Sem planejamento e sem entendimento de riscos envolvidos em cada modalidade de crédito, porém, você está apenas saindo momentaneamente de um sufoco. Não faça apenas uma análise simplória de comparação de taxas de juros. Procure conteúdo de educação financeira, ou até mesmo uma assessoria, para fazer planos para curto, médio e longo prazo“, aconselha Gotlib.

Mariana Fonseca

Subeditora do InfoMoney, escreve e edita matérias sobre empreendedorismo, gestão e inovação. Coapresentadora do podcast e dos vídeos da marca Do Zero Ao Topo.