Golpes financeiros se concentram em criptoativos, chegam pelo WhatsApp e envolvem conhecidos das vítimas, diz CVM

Pesquisa feita pela Comissão de Valores Mobiliários revela características, motivações e experiência de quem foi alvo de fraudes envolvendo investimentos

Mariana Segala

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SÃO PAULO – Golpes financeiros envolvendo investimentos se concentram em supostas ofertas no mercado de criptoativos, são divulgados principalmente pelo WhatsApp e o “vendedor” frequentemente é alguém conhecido da vítima. Essas são algumas conclusões de uma pesquisa realizada em 2020 pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e antecipada ao InfoMoney, com cerca de 1.000 pessoas que fizeram consultas à autarquia sobre fraudes, sendo que 178 delas efetivamente caíram em algum golpe.

Entre as pessoas que foram vítimas, 43,3% afirmaram que o mercado citado no golpe foi o de criptoativos, seguido por 29,8% mencionando operações de Forex, 16,9% com opções binárias (confira aqui o que são opções binárias) e 15,2% com ações. O WhatsApp foi apontado por 27,5% delas como o meio de divulgação da fraude. Em 29,8% dos casos, o suposto vendedor era um estranho, enquanto em outros 50% tratava-se de alguém que a vítima conhecia, pessoalmente ou não.

“A fraude é muito divulgada no boca a boca, o que ajuda a entender por que o WhatsApp aparece como um meio de disseminação tão forte”, diz José Alexandre Vasco, superintendente de proteção e orientação aos investidores da CVM.

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Os resultados sugerem que quem já caiu em uma fraude tende a confiar mais nas orientações financeiras de outras pessoas do que aqueles que não passaram por essa situação. Ao serem questionados sobre já terem feito investimentos por recomendação de amigos, 53% das vítimas afirmaram que sim – no grupo das não vítimas, o percentual foi de 35%. Também 28% das vítimas disseram já ter investido por sugestão de youtubers, enquanto apenas 17% das não vítimas responderam o mesmo. Na ponta oposta, 22% das não vítimas apontaram nunca ter feito aplicações por indicação de terceiros, enquanto 17% das vítimas deram essa resposta.

Também é possível notar que as fraudes estão mais sofisticadas e convincentes, segundo Vasco. Aspectos como a aparência do site, que inspirava profissionalismo e confiança, o fato de outros familiares já terem feito o mesmo investimento, o bom atendimento e o valor pequeno exigido de investimento contribuíram para que as pessoas acabassem entrando no golpe.

“A abordagem do fraudador, em geral, é pelo convencimento, e não pela pressão”, diz Vasco. Apenas 4,5% das pessoas afirmaram terem se sentido pressionadas a tomar uma decisão. Por isso, aliás, não são comuns as ofertas de ganhos exorbitantes, já que elas parecem pouco críveis. “Pela nossa experiência, quem duvida investe pouco. Perde muito em um golpe quem começou com pouco dinheiro, testou o mercado e depois entrou com um volume maior de recursos”.

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Numa segunda etapa da pesquisa, que envolveu entrevistas em profundidade com 12 vítimas de golpes financeiros, a CVM identificou o processo mais usual das fraudes. No começo, os investidores chegam a obter ganhos com a suposta aplicação, muitas vezes realizando saques com lucro. Depois, vêm as dificuldades para conseguir resgatar. Nos casos em que a CVM emite alertas ao mercado sobre a empresa que fez a oferta, não é raro que os fraudadores confirmem questionamentos a respeito feitos pelos investidores. “Eles dizem que estão resolvendo a questão e que logo estará tudo normalizado. As pessoas nos procuram acreditando que foi a CVM quem criou o problema”, explica Vasco. “Muita gente tem dificuldade de ver que o castelo de cartas está desmoronando”.

Quanto as vítimas conhecem sobre investimentos?

A pesquisa mostrou ainda que vítimas e não vítimas de golpes financeiros possuem experiências distintas com investimentos. As não vítimas, segundo o estudo, têm uma relação mais “refinada” e diversificada com seus portfólios. Um percentual maior dessas pessoas disseram aplicar em ações, fundos de investimento, fundos imobiliários, previdência privada e outras dez classes de ativos, em comparação com quem foi vítima de fraude.

Um detalhe: 9,6% das pessoas que sofreram um golpe afirmaram que não possuíam outros investimentos financeiros então, enquanto apenas 1,3% das não vítimas disseram o mesmo. As vítimas só superam as não vítimas em três tipos de investimentos: poupança, startups e, novamente, criptomoedas.

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Rodrigo Monteiro, diretor-executivo da ABCripto (Associação Brasileira de Criptoeconomia), estranha a presença dos criptoativos como tema na pesquisa sobre fraudes financeiras. “No universo da ABCripto, que reúne seis associados, os casos de golpes são nulos”, diz. Na sua visão, as fraudes estão relacionadas a tentativas de ganhar dinheiro rapidamente, agravadas pelo desconhecimento sobre os ativos e pela credulidade das pessoas – e adaptados aos ativos em evidência em cada época.

“Se essa mesma pesquisa fosse realizada na década de 1990, provavelmente apontaria para fraudes envolvendo investimento em gado, e os indicadores seriam os mesmos”, afirma. “Enquanto houver pessoas sem conhecimento específico, que possam ser enganadas, haverá os espertos para enganá-las. É tão antigo quanto a próprio dinheiro”.

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Objetivos financeiros e perfil psicológico

Também foram verificadas diferenças entre os principais objetivos financeiros das vítimas e das não vítimas. Um total de 67% das não vítimas declarou que ter o suficiente para a aposentadoria era uma das suas metas financeiras, contra 64% das vítimas. Por outro lado, 20% das vítimas disseram que era seu objetivo conseguir lidar com as despesas e 19%, conseguir pagar dívidas. Entre as não vítimas, esses percentuais foram menores, de 11% e 3%, respectivamente.

“Uma leitura possível é que as pessoas poderiam estar se sentindo pressionadas pelas despesas ou pelas dívidas. Não é sempre a ganância que leva as pessoas a cair em um golpe, elas talvez estivessem buscando maiores retornos porque tinham uma dívida para saldar”, explica Vasco.

O perfil psicológico de quem foi vítima de golpes financeiros também tem características específicas, segundo a pesquisa da CVM. Em geral, são pessoas com pouca confiança nas instituições, que nutrem um sentimento de exploração especialmente nos seus trabalhos, mais abertas a oportunidades de investimento e exposição ao risco e com maior suscetibilidade ao chamado “efeito manada”.

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As entrevistas em profundidade revelaram três grandes grupos entre essas pessoas. Algumas fazem o tipo “pago para ver”. Embora desconfiassem que a oferta se tratava de um golpe, se dispuseram a testar o suposto investimento.

Outro grupo é formado pelos “movidos pela confiança”, pessoas que confiaram em quem fez a indicação ou no próprio produto, atraídas pela possibilidade de retorno. O terceiro grupo é o dos “entusiastas do mercado financeiro”, composto por estudiosos do mercado que estavam abertos a novas oportunidades e acabaram enganados pelo esquema.

Descobrir que o esquema era uma fraude deixa marcas nos investidores. Além do impacto financeiro, as vítimas mencionaram abalos psicológicos, como frustração, sensação de ter sido enganado e raiva de si mesmos. Houve menções ainda a aprendizados, maior seletividade e também mais ceticismo. Como recomendação a outros investidores, sugeriram não acreditar em ganho fácil, não confiar nem em pessoas próximas e checar a legalidade da empresa ou do investimento.

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Vasco ressalta que, diante dos resultados da pesquisa, a CVM pretende reforçar algumas frentes de atuação. O site, por exemplo, está sendo reformulado de modo a facilitar o acesso dos investidores a informações sobre quais são as instituições reguladas pela autarquia, bem como aos canais de atendimento. Além disso, a prevenção às fraudes financeiras será um dos temas de destaque da Semana Mundial do Investidor deste ano, marcada para outubro e organizada no Brasil pela Comissão.

Fora isso, a CVM integra uma força-tarefa contra pirâmides financeiras, em parceria com a Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), vinculada ao Ministério da Justiça. Também em conjunto com o órgão, deverá lançar nas próximas semanas um boletim de proteção e orientação aos investidores dedicado aos criptoativos, com informações detalhadas a respeito deles.

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Mariana Segala

Editora-executiva do InfoMoney