Faltou onde gastar? Como transformar a “poupança involuntária” da pandemia em hábito

Dentre quem economizou em 2020, 56% reduziram gastos com viagens, festas ou bares e restaurantes e 7% guardaram por "não ter onde gastar"

Alessandra Taraborelli

(Unsplash)

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SÃO PAULO – Do ponto de vista financeiro, a pandemia de coronavírus resultou em perda de renda e dificuldades de fechar as contas para muitos brasileiros. Mas uma parcela deles, de 36%, conseguiu poupar em 2020 – e em boa parte, justamente pelas ações tomadas para conter a disseminação da Covid-19.

Entre as pessoas que economizaram no ano passado, 56% o fizeram porque reduziram gastos com viagens, festas ou idas a bares e restaurantes, todas atividades prejudicadas pela necessidade de isolamento social. Nada menos que 7% guardaram dinheiro – vejam só – simplesmente porque “não tinham onde gastar”, conforme os dados apurados pela Anbima (Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais) na pesquisa Raio-X do Investidor.

Economizar nem sempre foi uma escolha nos últimos meses. Em certos casos, foi um “ato involuntário” devido às circunstâncias. Mas poderia a experiência despertar os brasileiros que até então não tinham o hábito de poupar para o admirável mundo novo em que sobra dinheiro na conta no fim do mês?

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Com o avanço da vacinação e os negócios voltando a funcionar, existe a possibilidade de que as pessoas abandonem o hábito que, em condições normais, é difícil incorporar – mas também não é impossível. Planejadores e educadores financeiros ouvidos pelo InfoMoney indicaram maneiras de aproveitar o embalo dos últimos tempos para engrenar numa rotina financeira mais saudável.

O primeiro passo para qualquer um, segundo o planejador financeiro CFP Flávio Pretti, é adquirir consciência sobre os gastos e entender se eles são realmente necessários. Para isso, ele sugere fazer um mapeamento de todas as despesas – seja em um caderninho, numa planilha ou em um dos diversos aplicativos de controle financeiro disponíveis atualmente.

“Somos bombardeados para consumir e fazemos isso sem avaliar o quanto custa de fato. Você vende um pedaço da sua vida para ter renda e, às vezes, não tem noção de quantas horas da sua vida gasta para comprar um bem”, diz Pretti, lembrando que comprar é um ato emocional, e não racional. Quando a informação sobre os gastos  é tangibilizada, é mais fácil tomar decisões.

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A pandemia, na visão de Valter Police, planejador fiduciário na Fiduc, criou uma oportunidade para as pessoas que achavam que não tinham condições de guardar dinheiro. Ele ressalta que as decisões de consumo são mais emocionais do que racionais, o que conduz ao imediatismo. Para transformar o hábito de poupar em um “vício positivo”, é importante entender que gastar não é sinônimo de felicidade, segundo Police. Projetar a economia feita hoje para o futuro e ter objetivos para cada fase da vida, diz, ajuda na percepção de ganho.

“Precisamos olhar para o futuro e entender o efeito que os juros compostos têm sobre o dinheiro poupado por algum tempo”, sugere Police. “Gostamos muito de curto prazo, nossos instintos nos dizem para estarmos vivo hoje, viver o agora. Mas se você der um tempo para o dinheiro, ele poderá se multiplicar”. Para demonstrar sua tese, o planejador simula cinco cenários para um investimento mensal de R$ 1.000 ao longo dos anos:

Para estabelecer objetivos, a educadora e planejadora financeira pessoal Carol Stange sugere ser específico, dando “nome e sobrenome” a cada um. Se o objetivo for, por exemplo, ter dinheiro suficiente para uma viagem, o ideal é definir de antemão para onde, quando e como será feito o passeio, para então estabelecer quanto guardar mensalmente para atingir a meta. “Poupar por poupar é chato. Quando se tem um motivo bem definido, é mais fácil correr atrás.”, afirma. Isso porque um objetivo claro pode ser subdividido em metas menores, mais rápidas de atingir.

Mapear gastos e reduzir despesas – como aconteceu naturalmente para algumas pessoas na pandemia – podem não ser ações suficientes para alcançar as metas, segundo Carol. Às vezes, é preciso tirar o foco de “economizar” e mirar em “ganhar mais dinheiro”. Isso pode exigir pensar em buscar novas fontes de renda extra, em mudar de emprego ou em se especializar em alguma área profissional. “Se a pessoa não consegue fechar o mês no azul, não vai conseguir poupar. Precisa mudar o foco, investir em mais formas de ganhar dinheiro e depois multiplicar esse dinheiro”, avalia.

Por que é difícil poupar?

Letícia Camargo, planejadora financeira CFP, explica porque poupar é uma missão difícil para os brasileiros. Primeiro, é importante lembrar que o Brasil foi por décadas um país com alta inflação. Depois, falta educação financeira nas escolas. “Vivemos muito tempo com uma inflação galopante e não fomos acostumados a planejar ou poupar. A gente recebia o salário e saía correndo para comprar. Na cabeça do brasileiro ainda é ganhou, gastou”.

Pretti ressalta que a dificuldade de poupar é uma questão estrutural. “Quando conversamos com neurocientistas, entendemos que não fomos estimulados a planejar e não temos estrutura para lidar com pensamento de longo prazo. É difícil pensar em objetivos distantes do imediato. É um desafio”, diz.

Primeiro passo: dê o primeiro passo

Tanto planejar quanto poupar são ações que precisam ser começadas para, aos poucos, se tornarem um hábito. Inicialmente, podem ser processos maçantes – que ficam mais interessantes quando os primeiros resultados começam a aparecer. Pretti observa que quem já fazia planejamento financeiro antes da pandemia certamente passou pela situação com menos dificuldades. Ele estima que a economia feita pelas pessoas que começaram o controle de gastos pode ter ficado entre 10% a 15% da renda.

Um grande estímulo, diz Pretti, é fazer o exercício de olhar para o futuro. “Eventos adversos fazem parte do nosso cotidiano, e o dinheiro guardado e bem aplicado é um protetor da sua qualidade de vida. Serve como um colchão para você não se machucar”, afirma.

Conforme guardar dinheiro se torna mais fácil, é possível começar a pensar em investir. Há, porém, alguns passos a serem dados, um por vez. “Vemos muita gente querendo começar a jornada de investimento direto na bolsa. Mas antes é preciso formar uma reserva financeira para emergências e conhecer um pouco sobre o tema. Senão, vai se machucar”, alerta Carol. É como uma maratona, diz a especialista. “Você começa correndo um pouco, contornando as lesões e adaptando os treinos, até chegar à maratona”.