Do sonho ao pesadelo: relembre a história de ganhadores de loterias que perderam tudo

Ao longo dos anos, alguns milionários perderam sua fortunas por descontrole financeiro, sociedades ruins e até por esquecer de resgatar o prêmio; saiba o que fazer para não quebrar depois da sorte grande

Anna França

Notas de Real (Shutterstock)
Notas de Real (Shutterstock)

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Todo ano o sonho se repete: ganhar a Mega da Virada. Neste ano, com o valor do prêmio chegando a R$ 1 bilhão, isso ganhou mais importância ainda, porque ganhar na loteria é visto como a solução para os todos os problemas financeiros. Mas se tem uma coisa que a realidade confirma é que dinheiro não aceita desaforo. Muitas experiências nacionais e internacionais de vencedores que perderam tudo só comprovam que, sem planejamento, a fortuna pode se transformar em prejuízo em pouco tempo.

No Brasil, há uma sequência de histórias em que grandes prêmios de loterias evaporaram por decisões impulsivas, falta de orientação profissional e desconhecimento básico sobre como preservar patrimônio. Um dos casos mais emblemáticos é o do baiano Antônio Domingos, que tinha apenas 19 anos quando ganhou, em 1983, o equivalente hoje a cerca de R$ 30 milhões na antiga Loto.

Sem educação financeira, cercado por pedidos de ajuda e com um comportamento impulsivo, ele gastou rapidamente o dinheiro com consumo, festas e apoio a terceiros. Em poucos anos, o prêmio acabou. Décadas depois, Domingos foi reencontrado trabalhando como flanelinha, tornando-se um símbolo de como a riqueza repentina, quando mal administrada, pode desaparecer com rapidez.

Outro exemplo mais recente envolve o aposentado gaúcho Fredolino José Pereira, que ganhou R$ 10 milhões em 2018. Ele até tentou empreender: abriu uma funerária com um sócio. Mas cometeu um erro financeiro básico: entregou o cartão bancário e a senha ao parceiro. De saque em saque, a conta foi esvaziada até restarem apenas dois centavos. O caso virou disputa judicial e ilustra os riscos da confiança irrestrita e da ausência de controles mínimos sobre o próprio dinheiro.

Há também situações em que a falta de atenção custa caro antes mesmo do primeiro gasto. Um dos dois ganhadores da Mega da Virada de 2020 nunca apareceu para retirar o prêmio de R$ 162 milhões dentro do prazo legal. Sem resgate, o valor foi destinado ao Fundo de Financiamento Estudantil (Fies).

Todos os episódios expõem dois problemas graves: a desinformação financeira e a negligência com dinheiro.

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Saiba como não repetir esses erros

Para o planejador financeiro João Victorino, a primeira providência após um grande prêmio é manter a discrição. Em um país com elevados índices de criminalidade, evitar a exposição é uma questão de segurança. “Não é recomendável anunciar publicamente que ficou milionário nem divulgar isso em redes sociais”, orienta.

A segunda regra é adotar uma postura conservadora. Segundo Victorino, valores elevados permitem gerar rendimentos expressivos mesmo em aplicações de risco baixíssimo. “O ideal é viver sempre com menos do que o patrimônio rende. Quando o valor principal começa a ser consumido, a fortuna entra em rota de encolhimento”, explica.

Ele reforça ainda a importância de contar com profissionais especializados. Planejadores financeiros e consultores de investimentos ajudam a estruturar aplicações alinhadas aos objetivos de vida do ganhador. Já o suporte jurídico é fundamental para tratar de questões tributárias, doações e planejamento sucessório. “Receber uma quantia tão alta muda completamente a rotina e exige um nível de responsabilidade que não pode ser subestimado”, afirma.

Quanto um grande prêmio pode render

Um estudo elaborado por Antônio Sanches, da Rico, mostra o potencial de preservação de riqueza quando o dinheiro é bem aplicado. Considerando um prêmio de R$ 850 milhões, valor próximo ao da Mega da Virada, o rendimento mensal líquido no Tesouro Selic, com a taxa atual de juros, poderia ultrapassar R$ 7,7 milhões.

Nesse cenário, o ganhador poderia manter um padrão de vida elevado apenas com os rendimentos, sem tocar no valor principal, garantindo tranquilidade financeira não apenas para si, mas para gerações futuras. A diferença em relação à poupança é significativa, com ganhos muito superiores no médio e longo prazo.

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O estudo também chama atenção para um contraste importante: a probabilidade de ganhar na Mega Sena é de uma em mais de 50 milhões. Já a construção de patrimônio via investimento consistente, mesmo com aportes modestos, é estatisticamente muito mais viável, segundo Sanches. “Aplicações regulares ao longo de décadas, com juros compostos, podem levar ao primeiro milhão sem depender da sorte.”

Sorte, com planejamento

As histórias de ganhadores que perderam tudo mostram que o problema não está no prêmio, mas no que vem depois dele. Sem organização, disciplina e orientação técnica, a fortuna pode virar um problema. A loteria pode até mudar a vida de alguém da noite para o dia, mas é o planejamento que decide se essa mudança será duradoura ou apenas um capítulo breve e caro da história financeira, afirmam os especialistas.

Anna França

Jornalista especializada em economia e finanças. Foi editora de Negócios e Legislação no DCI, subeditora de indústria na Gazeta Mercantil e repórter de finanças e agronegócios na revista Dinheiro