Como ensinar criança a lidar com o dinheiro?

Desafio dos pais é promover educação financeira de forma lúdica com linguagem acessível

Giovanna Sutto

Dinheiro é coisa só de adulto, certo? Não deveria. Ele faz parte da vida de todo mundo — inclusive, das crianças.

Este 12 de outubro, data em que se comemora o Dia das Crianças, pode ser uma oportunidade para os pais começarem a lição em casa sobre finanças, a partir do brinquedo, presente mais aguardado pelos filhos pequenos nesta quinta-feira. O ideal é mostrar a eles qual esforço foi empreendido para o item ser adquirido.

“Os pais precisam ter a atitude, desde cedo, de inserir de forma lúdica, didática, paciente e tranquila a criança no mundo financeiro”, ensina Cintia Senna, mestre e educadora financeira. “Isso é para o bem dela”, complementa a especialista.

Mas, para isso acontecer, é preciso superar alguns comportamentos. Pesquisa do Instituto Mindminers, encomendada pelo Banco BV, aponta que 61% dos entrevistados associam as questões financeiras a sentimentos negativos, como tristeza.

“Os pais falam sobre [dinheiro] quando surge alguma adversidade, como uma dívida, e as crianças vão observando esses comportamentos e tendem a reproduzi-los”, afirma Patricia Palomo, economista e planejadora financeira CFP.

Não é possível esconder um desarranjo no orçamento doméstico, até porque é esta a situação enfrentada pela maioria das famílias brasileiras hoje. O momento de “vacas magras” pode ser valioso para ensinar à criança lições contundentes sobre:

E quando as finanças voltarem ao equilíbrio, a dica é apresentar aos pequenos o conceito de “dinheiro como ferramenta de troca”, oportunidade para eles entenderem que a moeda pode estar associada a algo mais positivo.

A educadora Cintia Senna cita, como exemplo, uma viagem em família. “Ela é prazeirosa, mas, para acontecer, é necessário ter dinheiro e muito planejamento. A criança pode ter noção disso se os pais souberem falar na linguagem dela”, afirma.

“E o processo deve ser algo corriqueiro. Assim, a criança não entende o momento como ‘vamos estudar sobre educação financeira’, o que pode afastá-la do tema”, acrescenta Palomo.

Menino olha para moedas empilhadas (Shutterstock)

Definição de limites

É preciso explicar que dinheiro “não nasce em árvore”, apontam as especialistas em planejamento financeiro.

“Muitos pais, hoje, tentam compensar a ausência em casa com recurso financeiro e dão muitos presentes, bens e itens que representam dinheiro aos filhos. E a impressão que os pequenos vão tendo é que sempre será possível ganhar o que quiser, sem limitações. E isso é prejudicial”, afirma Palomo.

A noção de tempo é outro ingrediente fundamental: esperar mais, em alguns casos, pode significar uma recompensa financeira maior do que o retorno imediato. A troca intertemporal pode ser trabalhada em todas as idades.

Uma forma de explicar o conceito é plantando uma semente, como a de feijão, ensina Palomo. “Ela [semente] ajuda a materializar a espera. Ao longo do processo, tire fotos e veja a plantinha crescer. A ideia é estimular a passagem do tempo e os frutos disso”.

Vale ressaltar que a escola tem papel fundamental na educação financeira das crianças, lembram as especialistas.

A partir de quanto começar e o que fazer?

É consenso entre as especialistas consultadas de que noções de finanças podem ser repassadas a crianças que tenham já entre 2 e 3 anos de idade. “O lidar com o dinheiro é um comportamento. A criança não precisa saber ler ou fazer contas para começar a entender os conceitos”, diz Senna. A ideia central é mostrar o dinheiro como associado a um meio e não como fim.

Palomo conta que uma boa solução é usar o “dinheiro de brincadeira”. “Os filhos observam os pais tirando dinheiro da carteira e a reação natural é imitar. Deixar a criança manusear esse dinheiro de mentira é uma oportunidade para ela entender que tem um item de troca, que tem cores diferentes, que serve para alguma coisa, mesmo sem compreender valores”, explica.

Palomo ressalta que criar brincadeiras que envolvam a imitação de feiras de frutas, lojas de brinquedos e de mercado são uma oportunidade de explicar como o dinheiro funciona.

“A criança vai experimentando o processo de troca. Em uma dessas trocas, ela escolhe um brinquedo e não pode adquiri-lo porque não tem as três notas de dinheiro azul, por exemplo, e assim vai deixando todo o processo mais didático”, diz a planejadora financeira.

A partir dos 3 ou 4 anos, quando a criança já tem alguma habilidade de contas, os pais podem adicionar cofrinhos com moedas para que o filho comece a ter noção de poupança. “Mesmo que a criança não saiba o valor de cada moeda, mas entende que duas moedas são mais que uma, já vale começar a explicar como guardar para conseguir algo”, diz Palomo.

Depois, com 5 ou 6 anos, a dica da especialista é adicionar o processo de compra na vida real. “Conte o dinheiro com ela e explique o valor disponível. Permita que ela escolha algo numa loja entregando ela mesma as moedas ao vendedor. Ela vai começar a entender que não dá para levar tudo e vai criando uma lógica de consumo”, afirma.

Outra possibilidade, é adicionar a criança em decisões de consumo relacionadas ao mundo dela — essa etapa funciona mais com crianças maiores. Antes de ir ao supermercado, os pais podem selecionar produtos que o filho mais gosta e explicar prós e contras de cada item, sempre deixando que ele faça a escolha.

“É crucial que a linguagem seja didática. São exemplos como: esse é possível dividir com o irmão, aquele combina com outra comida. A ideia é iniciar essa elaboração de comparações na cabeça da criança, para que ela tome uma decisão mais assertiva com o gosto dela e entenda que toda escolha significa abrir mão de algo”, explica Palomo.

Conforme a criança vai crescendo, é possível também utilizar jogos de tabuleiro para ensiná-las sobre valores, oportunidades e análise de benefícios.

A mesada

A mesada é um recurso muito conhecido na educação financeira. Senna acredita que uma criança, a partir dos 7 anos, pode receber os valores dos pais porque ela já sabe fazer contas básicas.

Já Palomo cita que a faixa etária ideal é entre 11 e 12 anos, momento em que a criança já tem conceitos mais sedimentados e já vai saber lidar melhor com o processo de pagamentos.

A ideia, com a mesada, é mostrar o funcionamento de um orçamento. “A criança vai receber uma quantia específica, adquirir mais poder de escolha e começar a entender que precisa passar um período específico com esse valor”, diz Isabella Brandão, CFP e planejadora financeira.

Brandão explica que a criança vai entendendo o que pode consumir ou não. “Importante compreender que, em muitos casos, as crianças vão gastar tudo. É processo, mas é importante explorar o conceito quando ainda tem espaço para errar”, afirma Brandão.

“Estamos acostumados com o conceito de mês, mas uma boa saída é começar dando valores para períodos menores. Toda semana, depois toda quinzena, e depois por mês. Para ir acompanhando o desenvolvimento da criança e entender como ela gasta. Não tem regra, mas é importante acompanhar de perto”, afirma.

Senna afirma que os pais devem, antes de definir o valor da mesada, acompanhar o gasto da criança por um período de 30 dias. Suponha que, ao final de um mês, o valor total foi R$ 100. Então, os pais sabem que esse valor é o que a criança precisa para passar o período. Mas o filho não sabe que precisa daquele montante.

A ideia é aplicar a lógica de finitude. “Vale lembrar que cada criança tem um perfil e tem seu tempo, além de irmãos. Cada pessoa tem uma necessidade e absorve aprendizados de um jeito. Os pais precisam ter paciência e ir testando formatos e valores”, afirma Senna.

E o mais importante: mesada é doação e não resultado de um trabalho.

“O conceito é de administração do dinheiro, não pode ter contrapartida disciplinar. Por exemplo: para ganhar mesada precisa lavar louça e arrumar a cama. É muito negativo, afinal, a mãe e o pai lavam louça, arrumam a cama e não ganham dinheiro por isso. Não pode distorcer a ideia de valor do dinheiro associando com tarefas de casa, que deve ser um trabalho colaborativo para o bem-estar de todos”, explica.

Dinheiro físico x digital

Em plena era digital dos serviços financeiros, a pergunta que os pais fazem é: a mesada será em cartão ou dinheiro físico? O consenso das especialistas é de que o dinheiro deve ser disponibilizado em cédulas para garantir que a criança entenda, mais uma vez, a finitude dele.

Se a opção for colocar o dinheiro em uma conta com cartão de débito, o ideal é levar a criança ao banco pelo menos uma vez e explicar que o dinheiro físico é depositado na conta para que os valores apareçam no aplicativo do celular. ” É importante fazer a ponte entre o físico e o digital para consolidar esses dois mundos na cabeça dela”, diz Palomo.

Outra dica é sempre acompanhar o extrato da mesada mostrando para a criança o que foi comprado e quanto foi gasto na tentativa de explicar como administrar melhor os valores. “Quando a criança está aprendendo, outros fatores entram na jogada, como a generosidade de comprar tudo em dobro porque tem um melhor amigo”, afirma.

O cartão de crédito exige ainda mais atenção dos pais. “Se a criança não entender os riscos de utilizar o crédito sem consciência, pode se atrapalhar e se acostumar a gastar mais do que pode. Por isso, é preciso entender que o valor do cartão sai do bolso dos pais”, diz Palomo.

Vale ressaltar que o cartão de crédito é o responsável por grande parte do endividamento das famílias brasileiras, segundo o Banco Central. Inclusive, a dívida derivada do crédito rotativo ou da opção de parcelamento tem as taxas de juros mais caras do país, que ultrapassam 400% ao ano.

Senna acrescenta que, no caso do crédito, os pais precisam mostrar o pagamento da fatura, explicar que a conta sempre vai chegar. “A criança está aprendendo o conceito, e, no digital, isso é ainda mais abstrato”, diz.

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Giovanna Sutto

Jornalista com mais de 6 anos de experiência na cobertura de finanças pessoais, meios de pagamentos, economia e carreira. Formada pela Cásper Líbero com pós-graduação pelo Ibmec.